O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, nesta terça-feira (31/5), uma ação civil pública contra a empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa). O objetivo é obrigar a mineradora a pedir aprovação prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) antes de fazer qualquer retirada de vegetação na Região da Serra do Curral, para a implantação do Complexo Minerário Serra do Taquaril.
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“O bioma Mata Atlântica é um patrimônio nacional, assim definido pela Constituição Federal, e é tão valioso ambientalmente, que conta com regramentos próprios: a Lei 11.428/2008 (chamada Lei da Mata Atlântica) e o Decreto 6.660/2008. É essa legislação que impõe a obrigatoriedade de anuência prévia do órgão ambiental federal para qualquer supressão vegetal nesse bioma”, explica o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, autor da ação.
Segundo ele, porém, o órgão licenciador estadual dispensou, equivocadamente, essa obrigação. “Com base em mero parecer, não vinculante para a Administração, o qual, por sua vez, fundamentou-se em analogias contrárias ao que determina a lei”, afirmou.
O MPF ressalta que o projeto, com lavra a céu aberto de minério de ferro, prevê extrair e beneficiar, num prazo inicial de 13 anos, cerca de 31 milhões de toneladas de minério. Para isso, vai retirar a cobertura vegetal de 101,24 hectares, que correspondem a mais de 1.012 m². Isso equivale a 100 campos de futebol, aproximadamente.
Impactos ambientais múltiplos
A ação classifica o projeto como de grande porte e grande potencial poluidor, resultando em empreendimento de classe 06, a maior da matriz de classificação. O critério de escolha do local do empreendimento também foi fixado como de grau máximo, considerando que “haverá supressão de vegetação em Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade Especial”.
Assim o MPF afirma que o empreendimento “causará impactos ambientais múltiplos e expressivos em bioma especialmente protegido, afetando negativamente a fauna e a flora locais, com repercussão em corpos d’água, qualidade do ar, estabilidade geológica e composição da paisagem.”
O órgão federal lembra que o próprio Estudo de Impacto Ambiental da mineradora previu:
- alterações na qualidade do ar;
- nos níveis de ruído e de vibração;
- na dinâmica erosiva;
- no relevo e nas propriedades físicas e químicas do solo;
- nas taxas de recarga dos aquíferos;
- na dinâmica hídrica subterrânea;
- na disponibilidade hídrica;
- na qualidade das águas
- na morfologia fluvial
Haverá, segundo a própria empresa, perda de solo, assoreamento de cursos d’água, em especial os córregos Cubango, Triângulo e Fazenda, e extinção de nascentes. Inclusive, a extinção de duas nascentes e a intervenção na área de proteção de uma terceira levou a mineradora a classificar esse impacto como “negativo, permanente, irreversível, de importância e magnitude médias, resultando em alta significância”, segundo o MPF.
O projeto também prevê afetação a estruturas de captação de água, entre as quais se destaca a adutora do sistema de abastecimento do Rio das Velhas, que abastece parte da população dos municípios de Belo Horizonte e Sabará.
O MPF destaca ainda os impactos sobre a fauna e flora, descritos como consideráveis:
- redução do número de indivíduos das populações vegetais nativas;
- fragmentação florestal e aumento do efeito de borda;
- perda de biomassa;
- alteração da conectividade da paisagem;
- redução do número de animais da fauna
- alteração das comunidades de insetos vetores de endemias e das comunidades aquáticas
Danos irreversíveis
Outro ponto levantado pelo MPF é o fato de que algumas espécies vegetais e animais são encontradas apenas em Minas Gerais e estariam ameaçadas com o empreendimento.
Estima-se que a Mata Atlântica abrigue cerca de 20 mil espécies vegetais (35% das espécies existentes no Brasil, aproximadamente), incluindo inúmeras espécies ameaçadas de extinção. O bioma já perdeu quase 90% da sua área original. Em Minas Gerais, restam apenas 11,6% de Mata Atlântica.
“É fundamental entender-se a complexidade desse bioma e de seus componentes, para se perceber porque a legislação conferiu aos órgãos ambientais federais a responsabilidade de analisar e se pronunciar sobre quaisquer atividades que impliquem em sua supressão”, reitera o procurador.
De acordo com ele, “vários estudos apontam, por exemplo, que o desaparecimento de uma planta ou animal pode comprometer as condições de vida de outras classes de indivíduos. Além disso, a integridade da Mata Atlântica é fundamental para a manutenção do que se chama de regime hídrico permanente. Seus vários componentes (folhas, galhos, troncos, raízes e solo) agem como uma poderosa esponja, que retém a água da chuva e a libera aos poucos, alimentando o lençol freático.”
O procurador ressalta que com o desmatamento surgem problemas como a escassez, já enfrentada em muitas das cidades situadas no domínio da Mata Atlântica. “No caso desse empreendimento, lembremos que ele está localizado dentro da APA Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em espaço que integra o chamado Mosaico de Unidades de Conservação Federal da Serra do Espinhaço, numa rede de áreas protegidas, próximas umas às outras, com alto grau de associação entre os ecossistemas.”
Equívocos de interpretação
Para o MPF, quando a Lei 11.428/2006 e o Decreto 6.660/2008 estabeleceram a obrigatoriedade de aprovação prévia do Ibama, o objetivo era fazer uma segunda avaliação e dimensionamento das propostas, contribuindo com o estabelecimento de novas condicionantes em favor da preservação do bioma.
“Os órgãos estaduais que autorizaram a instalação do projeto dispensaram ilegalmente a anuência prévia do Ibama com fundamento numa interpretação administrativa obtusa, exarada em um parecer da Procuradoria Geral Federal que de forma alguma vincula os órgãos da Administração Pública competentes para atuar na matéria”, afirma o MPF na ação.
O órgão federal ressalta ainda que “o entendimento equivocado foi aplicado, apesar de a própria direção regional do Ibama ter-se posicionado contrariamente ao projeto nos termos em que foi liberado pelo licenciador.”
A defesa da necessidade de aprovação prévia foi, inclusive, uma das razões para o voto do Ibama, contrário à aprovação do empreendimento, na votação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) ocorrida na madrugada de 29 de abril.
De acordo com o MPF, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) chegou a requerer a aprovação prévia ao Ibama, mas acabou dispensando-a ao tomar conhecimento de um parecer da Procuradoria Federal Especializada.
“Com a devida vênia, entendemos ter havido aí vários problemas, que partem de uma interpretação equivocada da lei, feita pela Procuradoria Federal especializada, até a adoção de um mero parecer, que não vincula a Administração. Na verdade, a própria Superintendência do Ibama em Minas Gerais posicionou-se contrária à adoção irrefletida das razões do parecer, tendo se manifestado na defesa da exigência da anuência, de modo a possibilitar a proteção do bioma, em dupla checagem e eventual incremento das condicionantes impostas ao empreendedor”, afirma o procurador da República.
“O que o MPF defende é que a anuência prévia do órgão federal não é condição para o licenciamento ambiental, mas sim para os atos de supressão vegetal em si, nos termos dos artigos 14, §1º da Lei 11.428/06 e art. 19 do Decreto 6.660/08. Além disso, a exigência legal, em nenhum momento direciona-se ao órgão licenciador, mas sim ao empreendedor, que não pode suprimir vegetação da Mata Atlântica sem essa autorização”, completa.
Recomendação não atendida
Com base nesse entendimento, e diante da gravidade dos múltiplos impactos do empreendimento, em 9 de maio, o MPF emitiu recomendação à Tâmisa, para que ela fizesse os “atos necessários à obtenção de anuência prévia a ser expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, anteriormente a qualquer ato de supressão de vegetação do bioma da Mata Atlântica na região do empreendimento do Complexo Minerário Serra do Taquaril.”
Em 16 de maio, a empresa informou que não concordava com os termos da recomendação e disse entender cumpridas as obrigações ambientais ao ter atendido todas as medidas exigidas no licenciamento feito pelos órgãos estaduais.
Para o Ministério Público Federal, “Em se tratando de supressão vegetal do bioma Mata Atlântica, ao não dispor de anuência prévia para supressão, o empreendedor, mesmo que de posse da licença ambiental, está impedido de promover quaisquer atos de supressão, pela patente ausência de requisito legal. A imposição se dá por norma especial, constante do Decreto nº 6.660/08, e é cristalina ao dispor sobre a cumulatividade necessária do licenciamento com a anuência prévia.”
“Um procedimento não exclui o outro, até porque, como já se disse, o instituto da anuência prévia do órgão federal funciona como uma segunda camada de checagem, na medida que outorga ao Ibama ou ao ICMBio a possibilidade de analisar os documentos relativos ao empreendimento, para dimensionar seus impactos na vegetação, realizar diligências in loco e efetuar considerações técnicas sobre o bioma, proibindo o desmatamento ou, se for o caso, apresentando novas condicionantes, para além daquelas impostas pelo órgão estadual licenciador”, lembra a ação.
“Fato é que o Complexo Minerário da Tâmisa irá desmatar principalmente a formação de Mata Atlântica denominada campo rupestre, que, por suas características intrínsecas, é irreparável ou pelo menos de dificílima reparação. Por sinal, naquele local específico, algumas regiões de campos rupestres contam com vegetação primária, ou seja, sem indícios de ação antrópica, requisito posto pelo artigo 32 da Lei 11.428/06 como motivo proibitivo para atividade de mineração”, cita o procurador.
Para ele, é essencial que o Ibama possa fazer os devidos estudos. Por isso, outro pedido da ação é que seja determinado ao Ibama que, se for o caso, cumpra a lei da mata Atlântica para só autorizar retirada de vegetação secundária, única permissível em caso de atividade minerária. “Caso não seja possível identificar claramente o estágio sucessional da vegetação existente na área do projeto, os estudos do órgão ambiental devem adotar, com base nos princípios da precaução e in dubio pro natura, a classificação mais restritiva.”