As 11 universidades federais sediadas em Minas Gerais chegam ao meio do ano com quase R$ 150 milhões a menos no caixa, um misto de indignação e incerteza e uma ameaça real a pelo menos 215 mil alunos matriculados em seus câmpus. Sofrendo os efeitos de uma crise histórica na educação pelo nono ano consecutivo, reitores reagem ao novo corte orçamentário de 14,5% imposto às instituições da rede federal de ensino pela União: desta vez, afirmam ter chegado ao limite, sem sobra onde quer que seja e com passivo de anos anteriores. Enquanto algumas ainda analisam os efeitos de mais um contingenciamento, outras avisam que se a situação não for revertida, simplesmente terão de interromper atividades acadêmicas e administrativas no segundo semestre. Dirigentes não descartam acionar a Justiça caso falhem as vias do diálogo com o governo federal.
“Esse corte não é assimilável. Chegamos ao nosso limite. É inadmissível que se faça isso com as universidades, patrimônio do nosso país. Elas estão sangrando há muitos anos. Tentamos fazer adequações, minimizar gastos, mas não tem mais de onde tirar (recursos)”, afirma a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Goulart Almeida. Com mais esse corte, a instituição, uma das maiores do país, volta ao patamar orçamentário do ano de 2008. Na época, ela tinha 30 mil alunos. Hoje, são 50 mil. Ela dobrou também seu espaço físico e tem atualmente mais de 60% dos estudantes vindos escolas públicas, com necessidade de apoio importante para se manterem no câmpus.
Para se ter uma ideia do baque, em 2013, a Federal contava com orçamento de R$ 350 milhões. No ano seguinte, quando houve o primeiro contingenciamento, perdeu R$ 20 milhões. A partir daí, os recursos desceram em queda livre, chegando hoje a R$ 150 milhões. Na rubrica investimentos, a tesourada foi de 80% nos últimos anos. “Temos um cenário de inflação, aumento de preços e a sociedade precisa cada vez mais das universidades. Estamos ainda atendendo aos impactos da pandemia, fazendo pesquisa de ponta e cuidando de pessoas mais vulneráveis”, diz a reitora, acrescentando que o corte não afeta só as aulas, mas “todos os serviços que a universidade oferece ao estado”. “Fazemos mais que aulas. De forma imediata, não só a academia, mas a sociedade mineira vai perder. Não podemos exercer nosso papel de agente de mobilidade e modificação social. Queria saber se a sociedade está de acordo em cortar em áreas essenciais, que esse serviço não esteja disponível no momento no qual mais precisa.”
REUNIÕES
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) espera já a partir de hoje as primeiras reuniões nos ministérios da Educação e da Economia para tratar da situação. Os reitores estão ainda encarregados de acionar as bases parlamentares de cada estado para tentar com o Legislativo solucionar o problema. A terceira frente dessa batalha está nas mãos da assessoria jurídica da associação, que vai detalhar normas e resoluções publicadas para avaliar possibilidade de ação judicial.
O presidente da Andifes, Marcus David, reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira, diz ser preocupante um contingenciamento que toca o Ministério da Educação e também o da Ciência, Tecnologia e Inovações. “O corte de R$ 3 bilhões inclui as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem lei aprovada pelo Congresso ano passado proibindo seu contingenciamento”, relata.
Marcus David explica que a ameaça de universidades pararem se estende a todo o país. “Nenhuma política fiscal se sustenta por longo prazo. E políticas fiscais de austeridade, se aplicadas por longo período, acabam causando desorganização tamanha que funções do Estado deixam de ser cumpridas. Logo, chega-se ao ponto de não se poder mais cortar sem interromper a função do Estado; nesse caso, interromper educação, ciência e tecnologia”, explica. O reitor teme consequências graves do corte, que atinge todo o orçamento discricionário (área administrativa, faturas de consumo, pagamento de bolsas de pesquisa, assistência estudantil).
DÉFICIT
Ele prevê um segundo semestre caótico, diante de um planejamento feito com base na Lei Orçamentária Anual (LOA) liberada integralmente para execução no fim de 2021. “As universidades estão totalmente na carne, a situação compromete o funcionamento mínimo delas. No meio do ano, cortam-se 15% do total. Muitas instituições já estavam com déficit programado para 2022 por causa dos anos anteriores. Não tinha passivo quem conseguiu trazer alguma ‘gordura’ do período em que as aulas foram ministradas remotamente. Quando voltamos totalmente presencial, vem esse baque. Não é possível administrar.”
Sandra Goulart, da UFMG, se diz “estarrecida”. “A universidade já fez o que era possível. Todos os setores serão afetados, desde a contratação de pessoal da limpeza até bolsas de estudantes, pesquisa, manutenção de laboratórios. Corremos o risco de fato de não poder chegar ao fim do ano. Estamos impedidos de cumprir nossa missão maior, que é atender à sociedade, pois não é só mais um corte, é um corte em cima de inúmeros outros.”
"De forma imediata, não só a academia, mas a sociedade mineira vai perder. Não podemos exercer nosso papel de agente de mobilidade e modificação social. Queria saber se a sociedade está de acordo em cortar em áreas essenciais"
Sandra Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais
Risco iminente de colapso
"De forma imediata, não só a academia, mas a sociedade mineira vai perder. Não podemos exercer nosso papel de agente de mobilidade e modificação social. Queria saber se a sociedade está de acordo em cortar em áreas essenciais"
Sandra Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais
Os efeitos do bloqueio de quase R$ 150 milhões das 11 universidades federais em Minas Gerais começarão a ser sentidos em breve, sendo o mais drástico deles a interrupção das atividades. É o caso da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata mineira, onde as atividades acadêmicas e administrativas podem ser interrompidas antes do fim deste ano se não houver recomposição orçamentária. A instituição explica que a administração já se preocupava com as perspectivas de funcionamento, uma vez que os recursos para este ano já eram insuficientes para manutenção das atividades rotineiras e cumprimento dos contratos.
Juntas, as 11 federais tiveram cerca de R$ 1 bilhão aprovado para este ano na Lei de Orçamento Anual (LOA). “Considerando os valores da LOA de 2019 corrigidos pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), ou seja, valores destinados para a universidade antes da pandemia e, portanto, tomados como base para pensar as necessidades da instituição neste ano, em que as atividades acadêmicas presenciais estão sendo retomadas, a UFV teve uma redução de 42,14%. Com o corte de mais 14,5% anunciado pelo governo, a situação será insustentável”, disse por meio de nota.
Na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), no Campo das Vertentes, o risco de suspensão das atividades antes do fim do ano também é real. Foram cortados R$ 8,2 milhões, valor já destinado e empenhado para a manutenção cotidiana do câmpus. Se mantido o bloqueio até dezembro, a instituição já fala em “colapso”. “Esse bloqueio representa ameaça ao pagamento de bolsas, contratos já fechados com fornecedores, obras preventivas necessárias nos nossos prédios. Estamos trabalhando com outros reitores, os Ifets (institutos federais) e Andifes para, junto com o Congresso, reverter a situação”, afirma o reitor da UFSJ, Marcelo Andrade.
ASSISTÊNCIA COMPROMETIDA
Até então protegida custe o que custe das reduções de despesas a que as universidades se viram obrigadas a fazer em anos anteriores, desta vez, nem a assistência estudantil escapa. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), também na Zona da Mata, o funcionamento do Restaurante Universitário está em risco, ao lado das bolsas científicas, de apoio, de extensão, pagamento de fornecedores e manutenção de funcionários terceirizados. A UFJF já patinava havia anos com orçamento reduzido. Agora, perdeu R$ 30 milhões, um baque nos recursos para este ano, que já amargavam 20% a menos que em 2021. A universidade informa que “o bloqueio compromete gravemente a manutenção da universidade, afetando diretamente projetos de pesquisa, inovação, extensão e cultura – além de ameaçar a permanência dos estudantes em situação vulnerável, vinculados à assistência estudantil”.
Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo mineiro, o corte é de R$ 19,3 milhões, que deixarão de ser usados em atividades de ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil e que afetarão a oferta do conjunto de ações da instituição. “É inaceitável que o Estado brasileiro, cuja responsabilidade constitucional é fomentar a educação pública, promova bloqueios e contingenciamentos em áreas estratégias como saúde, educação, ciência e bem-estar social. A UFU e as demais instituições federais de ensino são duramente afetadas por esse bloqueio, o que gerará impactos negativos para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da inovação e da formação dos estudantes em todos os níveis de ensino, do infantil ao pós-doutorado”, afirmam em nota conjunta o reitor Valder Steffen Júnior e seu vice, Carlos Henrique Martins da Silva. Na mesma região, a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) informou que está avaliando os impactos do bloqueio da ordem de R$ 6,4 milhões na execução orçamentária da instituição para compatibilizar o orçamento com suas necessidades.
No Sul de Minas, a Universidade Federal de Alfenas (Unifal) estuda os impactos do corte de R$ 6 milhões, mas já sabe que estarão na corda bamba compromissos assumidos com fornecedores, editais de bolsas, assistência estudantil, obras e equipamentos. A Unifal destaca que toda ação restritiva ganha proporções muito maiores por causa do momento em que o bloqueio foi feito, obrigando que decisões “mais duras” sejam tomadas com o ano em curso.
Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), na Região Central, a expectativa é de que os reflexos do corte de R$ 9,1 milhões já sejam sentidos a partir de setembro. O pró-reitor de planejamento e administração, Eleonardo Lucas Pereira, diz que serão afetados especialmente os setores de serviços, além dos diversos processos de compra em andamento.