Caminhar pelo Centro de Belo Horizonte não é missão das mais simples. Com calçadas irregulares, pouca sinalização e escassez de pontos para travessias, a mobilidade na área, que hoje representa uma espécie de corrida de obstáculos para pedestres, deve ser modificada por um projeto da prefeitura, que até o dia 30 mantém consulta pública on-line, no site oficial, para receber sugestão dos cidadãos.
A maior parte das intervenções, coordenadas pela BHTrans, vai se concentrar nas imediações do Terminal Rodoviário de Belo Horizonte e de shoppings populares. A medida pretende recompor o passeio de algumas vias, promover acréscimos de calçada, implantar travessia elevada e ilha de refúgio para pedestres, além de regular travessias e instalar semáforos.
Para a diretora de cidades do Instituto de Arquitetos do Brasil em Minas (IAB-MG), Elisabete de Andrade, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), as intervenções no Centro de BH são necessárias, mas essa necessidade não é exclusividade da capital mineira. Ela explica que as más condições para locomoção a pé nos grandes centros urbanos são característica comum no país.
“No Brasil, a escolha e a preferência são pelo transporte em automóvel individual. De uma forma geral, o deslocamento foi pensado para esse modal. E, com esse privilégio dado ao carro, o pedestre fica sem espaço. Pense comigo: em quantas faixas de pedestre os motoristas realmente param na cidade? Essa necessidade de ambientação para o pedestre é real”, comenta.
A professora avalia que o Centro de BH é um ponto importante para iniciar projetos para melhorar a qualidade no trânsito de pedestres pela cidade. Com uma concentração elevada tanto de automóveis quanto de pessoas que se deslocam a pé, é preciso investir na qualidade de infraestrutura e de sinalização para evitar acidentes e promover um aproveitamento eficiente do espaço urbano, afirma.
Para a arquiteta, a região do Centro mais próxima da rodoviária merece ainda mais atenção, por estar nas imediações do Complexo da Lagoinha, um conjunto de estruturas que evidenciam o protagonismo dos automóveis no trânsito da cidade.
“É perigoso, porque quem precisa passar ali, passa correndo e se aventurando. Tem umas imagens de passeios que estão colocadas no material de consulta pública que você vê que, se fossem prolongados, já seria uma maior segurança para o pedestre. É preciso também melhoria na qualidade de pavimentação do passeio e de manutenção”, afirma, avaliando que o formato de consulta pública é acertado para o projeto, por permitir a participação de quem passa pela região.
É o caso do cabeleireiro Jailton Barbosa, de 50 anos. Ele não apenas se desloca pela região, como trabalha lá há quase duas décadas. O relato de quem presencia a disputa por espaço no trânsito frenético de pessoas a pé e motorizadas é marcado por histórias de acidentes. Para ele, medidas que facilitem a vida dos pedestres são aguardadas com esperança.
“Aqui é muito perigoso, porque os ônibus tentam sair da rodoviária e o pessoal está descendo, então não há preferência. Já presenciei muitos acidentes aqui perto da rodoviária. Às vezes, o ônibus esbarra em outro veículo que está descendo. É difícil de atravessar aqui, merecia um semáforo, realmente. Se a pessoa for cadeirante ou usar muleta tem mais dificuldade ainda”, aponta.
Endereços das intervenções
O plano prevê alteração, por exemplo, na esquina das avenidas Oiapoque e 21 de Abril, onde não há sinalização semafórica para con- trole de passagem e os pedestres disputam espaço com os carros. No entorno estão previstas, ainda, intervenções nas ruas Saturnino de Brito, Curitiba, Guaicurus, São Paulo e na Avenida Santos Dumont. A Rua Guaicurus, próximo à São Paulo, por exemplo, conta com um grande fluxo diário de pedestres que se arriscam na travessia entre os carros, já que não há faixa no local.
O projeto também contempla mudanças na altura da Galeria do Ouvidor, na esquina das ruas São Paulo, Carijós e Tamoios, e no encontro com a Avenida Amazonas. No site da Prefeitura de BH, a população pode apontar outros pontos de atenção.
De acordo com a prefeitura, as obras devem começar em setembro, com prazo de quatro meses de execução. A iniciativa está prevista no Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (PlanMobBH), publicado em 2017.
O planejamento é executar um plano de melhoria na rota de pedestres por ano. Para a diretora de cidades do Instituto de Arquitetos do Brasil em Minas (IAB-MG), Elisabete de Andrade, outras regiões da cidade também precisam ser contempladas. “Seria interessante para vários outros pontos da cidade: Barreiro, Vilarinho, todas as áreas que são centralidades de BH, para que seja uma cidade que acolha. Há locais em que existe uma dimensão de abandono: como o carro passa rápido, a cidade fica vazia e perigosa. A gente pode pôr vida nas nossas cidades aumentando o número de pessoas que conseguem se locomover e se sentir seguras como pedestres”, pontua.
Desafio é maior para quem tem deficiência
As dificuldades de deslocamento em Belo Horizonte, especialmente na área central, ganham contornos ainda mais complicados quando envolvem uma pessoa com deficiência. Para esse público, a escassez de semáforos e espaços seguros para atravessar as ruas se soma à falta de rampas e passeios desnivelados, que dificultam a vida de quem precisa se locomover pela região.
Baiano, o vendedor Antônio Carlos está em Belo Horizonte há menos de um ano, mas já acumula histórias com os percalços enfrentados no Centro da capital mineira. De cadeira de rodas, ele trabalha perto da rodoviária três vezes por semana, vendendo balas e chocolates nas ruas.
“Vim para BH para trabalhar, fazer fisioterapia e fazer cursos, terminar meus estudos. Mas esta região é péssima, os locais não têm acesso, rampas. Tenho que subir meio-fio, descer meio-fio, às vezes chego até a me descontrolar com a cadeira e cair, e o pessoal tem que me ajudar a levantar de novo. Para uma pessoa que não tem problemas de mobilidade já é difícil, imagine para quem é cadeirante? Às vezes, tem motoristas que não cooperam, não esperam. Outros querem passar primeiro. Tem locais em que não tem faixa, outros têm, mas estão apagadas”, relata.
Antônio Carlos espera que seu trabalho fique mais seguro com o investimento na sinalização do Centro. “Um semáforo ajudaria bastante aqui. Principalmente para as pessoas atravessarem, porque este pedacinho aqui tem muito trânsito, carro, moto... Com as pessoas passando e indo para a rodoviária toda hora, se torna muito perigoso.”
SEM SAÍDA Para os deficientes visuais, os desafios e obstáculos também se acumulam. A grande concentração de ambulantes e pessoas em situação de rua cria barreiras extras em um ambiente com pouca sinalização para esse público, o que torna o Centro de BH um ambiente em que é difícil se locomover. “Para a gente, passar pela Praça da Rodoviária é impossível. Tem muito camelô, moradores de rua e a gente fica sem referência nenhuma para passar pelo meio da praça. Infelizmente, isso aumentou em todas as cidades. Aquele entorno da praça também é muito ruim. Se eu vou pela Avenida Paraná, por exemplo, tem uns caixotes de ferro que atrapalham quem vai passar”, conta o analista de suporte técnico Kellerson Souto Viana, de 47.
Ele também sugere mudanças na instalação das faixas de piso podotátil, que têm alto-relevo para indicar aos deficientes visuais onde parar e onde seguir. Ele aponta que o espaço destinado a informar a necessidade de parar e prestar atenção antes de atravessar ruas e passar por garagens deveria ser maior, facilitando a interpretação e evitando acidentes.
A crítica é endossada pela diretora financeira e administrativa da Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte (Adevibel), Jussara Pereira. Ela, que tem um filho cego, afirma que há casos em que as faixas com piso em relevo terminam em bancas de jornal, postes e buracos. Jussara aprova a consulta pública para intervenções que facilitem a vida dos pedestres na capital e tem sugestões para que as medidas sejam abrangentes também para pessoas com deficiência.
“Acho que deveria haver uma sinalização para os próprios pedestres. Para evitarem parar na frente de rampas, para perceber e se conscientizarem quando há uma pessoa deficiente visual... Não justifica eu deixar meu filho em casa porque o espaço é dele também, então as pessoas têm que entender que é importante criar um ambiente inclusivo”, afirma.
ENQUANTO ISSO...
…Obras para reduzir áreas de risco geológico
A Prefeitura de BH acena com 200 obras dentro do programa de Gestão de Risco Geológico-Geotécnico na cidade, pelo menos 70 delas com previsão de conclusão para este ano. O anúncio foi feito pelo prefeito Fuad Noman (PSD), em sua conta do Twitter. A promessa é mapear e fazer um diagnóstico dos riscos geológicos em todas as regiões, com o objetivo de apontar as situações mais preocupantes. “Será possível realizar o planejamento adequado para identificar e executar as intervenções necessárias, reduzindo ainda mais os riscos”, segundo o prefeito.