Agentes da “Operação Descarrilar” cumpriram na manhã desta quinta-feira (2/6), 19 mandados de busca e apreensão em Belo Horizonte e região metropolitana, por crimes de furto e receptação de ferro gusa, material usado para produção de aço, furtado de linhas férreas.
De acordo com o delegado José Luiz Quintão, do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio (Depatri) da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), e responsável pela Operação Descarrilar, disse que parte do interesse pelo ferro gusa vem do seu alto valor agregado. “É um material que compõe diversos produtos industrializados, e grande parte dele é destinado à exportação."
A produção do ferro gusa é uma atividade do setor siderúrgico de extrema importância econômica, pelo fato de corresponder à grande parte do custo da produção do aço.
De acordo com dados da Delegacia Especializada em Investigação e Repressão a Crimes Rurais (Deicra), somente em 2021, 150 toneladas do material foram apreendidas.
O delegado explicou também que a investigação realizada hoje é uma continuação de outra operação do ano passado. “Desde o ano passado conseguimos realizar diversas prisões, prisões em flagrante, interceptamos carga furtada e a investigação continuou evoluindo. Hoje, cumprimos os mandados de busca e apreensão em BH e região metropolitana em alvos já identificados antes e catalogados no sistema. Alguns mandados de prisão temporária foram apresentados e serão cumpridos também”, esclareceu.
“Autores do furo embarcam nos trens na região metropolitana e vão despejando o material ao longo da viagem. Grupos criminosos são responsáveis por subtrair, recolher, armazenar, encaminhar e revender ao consumidor final", explica o delegado.
Ainda de acordo com a Depatri, foi possível apurar que os integrantes arregimentavam pessoas em situação de vulnerabilidade social a fim de contribuírem para o roubo e coleta do produto. Até o momento, cerca de 200 toneladas do material foram restituídas às vítimas. Houve também a prisão em flagrante de receptadores.
A reportagem do Estado de Minas buscou entender o que nesse mercado atrai os olhares dos criminosos, com explicações de especialistas e membros da Polícia, responsáveis por agir nesses casos.
Furtos acontecem pela existência de mercado consumidor
Ludmila Ribeiro, especialista em segurança pública e membro do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da UFMG, explica porque essas ondas de furto ocorrem. “Existem duas questões que são muito importantes de pensar, não somente para ferro gusa, mas para furto de qualquer coisa. A primeira, é se existe ou não um mercado consumidor. Porque, por exemplo, eles não iriam furtar celular de flip se não tiver mercado para comprar. A segunda questão que influencia muito, é o quão difícil é praticar esse crime. Então, por exemplo, o fio de cobre. Onde é mais fácil furtar, qual horário, com poucas câmeras e pouco movimento na rua?”, explicou.
Ela argumentou também, que, no caso do ferro gusa, “ao que tudo indica, os ladrões tinham amplo conhecimento de qual era a rotina de transporte do ferro e exatamente por isso, fica muito mais fácil, sem muita chance de serem pegos”, completou.
Justamente pelo conhecimento das rotinas de transporte e manuseio do ferro gusa, os ladrões acabam conseguindo furtar grandes quantidades. Para Ludmila, o Estado e as forças de segurança responsáveis devem agir impedindo parte do caminho “essencial” do esquema.
“A primeira medida que o Estado pode tomar, e me parece que já estão agindo exatamente dessa forma, é entender como se dá a organização. Quais são os pontos de furto e também a dinâmica relacionada ao comércio. Porque nesse caso do ferro gusa, é muito difícil conseguir fiscalizar todo mundo que compra a mercadoria. Então mais interessante é tentar interromper algum ponto da ‘cadeia de produção’, como interceptar quem vende.”
A especialista exemplificou que a dinâmica pode ser feita de forma bem parecida ao combate do tráfico de drogas. “No mercado de drogas, uma das partes mais importantes é o embarque da droga nos portos. Então, investigações eficientes conseguem interceptar o intermediador que faz o transporte até o porto.Os trens no Brasil, retornando ao caso da mineração, todos eles deságuam em portos, por isso são bem parecidos com o mercado do tráfico de drogas.”
Ela esclarece também, que se o mercado for unicamente interno, seria necessário ações rodoviárias de segurança. “Se o mercado consumidor for totalmente interno, vai ser necessário vigilantes em rodovias que circunscrevem o local do furto, próximos a linha de trem”, contou.
Mercado de ferro gusa em Minas Gerais
De acordo com dados da Associação Brasileira de Fundição (Abifa) , do Sindicato da Indústria da Fundição no Estado de Minas Gerais (Sifumg) e do Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (Sindifer-MG), em Minas, está instalado o maior e mais importante parque industrial produtor de ferro gusa do Brasil.
O estado tem uma ampla e avançada tecnologia de produção e está habilitada para produzir ferro gusa com qualquer especificação. Além disso, possui um dos sistemas mais significativos de sustentabilidade industrial, em alguns casos, indo além do que a legislação exige, o que lhe confere um elevado grau qualidade, com baixo teor de impurezas.
Minas produz ferro gusa para o mercado nacional e internacional. Nas exportações, a mercadoria é destinada a vários continentes, como Ásia, América e Europa, com destaque para: Estados Unidos, China, Taiwan, Holanda e México.
O principal cliente do setor de fundição é a indústria automobilística, que consome 46% da produção de ferro gusa. Minas é o segundo maior fabricante de peças fundidas do Brasil, depois de São Paulo, respondendo por 25% da produção nacional.
Guerra da Ucrânia influenciou no aumento de preços
A guerra entre Rússia e Ucrânia afetou todos os segmentos da economia mundial, mas aqueles que possuem commodities sofrem ainda mais, pois dependem da oferta e demanda internacional para que o preço seja definido. A indústria do ferro gusa, por exemplo, tem sofrido com os aumentos sucessivos no preço. Somente em março, houve um aumento de 60%, logo após receber ajuste em janeiro e fevereiro que juntos, somavam 41,6% de acordo com a Abifa.
Rússia, Ucrânia e Brasil são os maiores produtores mundiais de ferro-gusa e que os dois primeiros países eram responsáveis, por exemplo, pelo abastecimento de 80% da Europa. Mas, como estão em guerra, resta ao Brasil atender todo o mercado com seu produto.
A guerra não tem uma previsão para “acabar”, então, com a alta sucessiva de preços, o setor corre risco de colapsar se os custos não forem repassados.