Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Na crise de saúde, faltam remédios. Saiba o que está mais difícil encontrar

 

Em um cenário no qual a chegada do frio e a proximidade do inverno fazem disparar os casos de doenças respiratórias, encontrar medicamentos como antibióticos e antigripais vem se tornando um desafio para parte dos pacientes, já que há falta de remédios tanto em farmácias quanto no Sistema Único de Saúde (SUS). A preocupação com o risco de desabastecimento já fez inclusive com que a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) encaminhassem ofício ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em 30 de maio, alertando para a situação.





 

“O desabastecimento nas redes pública e privada já alcança diferentes estados brasileiros. Há falta de antibióticos, antitérmicos, xaropes e antigripais, entre outros essenciais, o que representa um grave risco para a saúde da população”, diz trecho do documento. Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Saúde admite desabastecimento de pelo menos quatro medicamentos nos postos de saúde, entre antibióticos e anti-inflamatórios. Já o Conselho Regional de Farmácia orienta que os pacientes peçam aos médicos mais de uma opção de fármaco, além de indicar o genérico, para facilitar a busca.

 

O que a rede SUS constata e preocupa a frente de prefeitos já chegou também ao balcão das farmácias e, por extensão, aos pacientes que chegam com a receita em mãos. O farmacêutico Carlos Eduardo de Souza, que trabalha em uma drogaria no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, conta que há medicamentos em falta e que as distribuidoras têm limitado pedidos, além de os preços terem subido. “A situação dos antigripais está se normalizando, já os antibióticos têm faltado muito. Amoxicilinas com clavulanato são raridade; a azitromicina de uso pediátrico não tem também.”

 

Segundo o farmacêutico, esses produtos estão em falta há dois meses. “Até consegui comprar alguns na semana passada. Hoje recebi o e-mail de uma distribuidora oferecendo 12 por CNPJ, mas quando fui pedir, já havia acabado.” Carlos Eduardo observou também que a procura pelos medicamentos tem sido maior após a flexibilização do uso das máscaras. “Elas protegem não só contra a COVID-19, mas também contra gripe e até infecções bacterianas.” O farmacêutico ressalta que, este ano, a demanda cresceu muito em relação ao mesmo período do ano passado.





 

Fornecedores apontam que a falta de insumos é a razão para o desabastecimento, afirma. “Vão desde o princípio ativo a outros componentes na produção dos remédios, passando por frascos, recipientes e até o alumínio, segundo eles. Algumas são bombinhas pressurizadas de medicamentos para asma, por exemplo.” E a escassez não se limita aos antibióticos e antigripais: “Alguns viraram raridade, como os de uso contínuo e controlado. Medicamentos hipertensivos, diuréticos, são vários... A falta crônica na drogaria hoje é grande”, reclama.

 

(foto: Túlio Santos/EM/D.a press)
 

 

PEREGRINAÇÃO A escassez no estoque das farmácias se reflete do outro lado do balcão. A dentista Roberta Giordani, de 47 anos, por exemplo, enfrentou dificuldade de encontrar antibiótico para o filho, depois de levar o casal de gêmeos ao médico. Ela explica que para a filha conseguiu encontrar com facilidade, já para o menino enfrentou busca maior. “Estou desde ontem procurando. Liguei para três farmácias e fui em duas. Nenhuma tinha, nem previsão de chegar. Perguntei o motivo e disseram que era falta de matéria-prima.”

 

Em outra farmácia do Bairro Jardim América, também na Região Oeste de BH, antibióticos e antigripais da mesma forma sumiram das prateleiras. A farmacêutica Caroline Oliveira conta que a falta dos produtos vem ocorrendo há mais tempo. “Com a chegada do inverno, como são medicamentos que têm uma venda maior, vemos a falta de amoxicilina, azitromicina, além de xaropes para crianças. Já a procura por antigripais tem aumentado nas últimas semanas.”





 

Sem previsão de normalização, a farmacêutica relata o desespero dos clientes. “Ficamos no escuro e vemos o paciente/cliente desesperado atrás de remédios para os filhos. Está tão difícil para a gente dispensar (clientes) por falta de remédio quanto para a classe farmacêutica, porque não tem o que fazer.”

 

 

Desabastecimento em centros de saúde

 

Na rede pública de saúde, a escassez encontrada em farmácias da capital se repete. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou, por meio de nota, que dos 26 medicamentos disponíveis nos centros de saúde para tratar doenças respiratórias e sintomas gripais, entre analgésicos, antipiréticos, anti-inflamatórios, antivirais e antimicrobianos, quatro estão com estoques desabastecidos e a reposição está atrasada.

 

Faltam azitromicina 40mg/ml (suspensão oral), amoxicilina 50mg + ácido clavulânico 12,5mg/ml (suspensão oral), amoxicilina 500mg ácido clavulânico 125mg (comprimido revestido) e prednisona fosfato sódico 3mg/ml (solução oral). A secretaria afirma que “os pedidos de compra desses medicamentos já foram feitos junto aos fornecedores, mas a entrega está em atraso. É importante esclarecer que o contato com os fornecedores é constante para manter o abastecimento dos estoques sempre em dia.”





 

A pasta orienta que, em caso de desabastecimento de algum medicamento, os pacientes procurem as equipes de Saúde da Família para que seja reavaliada a prescrição e a possibilidade de indicação de outro remédio.

 

CONSELHO A assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG), Débora Lacorte, explica que, para minimizar a falta de medicamentos, a orientação é fazer busca ativa e conversar com o profissional de saúde. “Na hora da consulta, a recomendação é que o médico prescreva mais de um medicamento, para que o paciente consiga buscar. O paciente também deve pedir orientação para a prescrição da base do genérico.”

 

Isso possibilita que o farmacêutico faça a troca de medicamento, conforme a legislação. “Com isso, o paciente tem mais opções. Deve procurar também a farmácia que ele tem mais costume, com o farmacêutico com quem tem mais contato, para uma orientação mais direta.”





 

A assessora técnica reitera que um dos fatores para explicar o desabastecimento é a falta de princípio ativo, que é importado. “É uma tendência nacional e quando falta princípio ativo, a produção cai. Nesta época do ano, os antibióticos associados com corticoides, muito utilizados no processo alérgico, têm ainda uma alta demanda, por causa do frio e também de crises de alergia, gripe e até COVID-19.”

 

No Farmácia de Minas, queixa de pacientes é pela espera, que é frequente (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
 

Espera crônica no Farmácia de Minas

 

Se pacientes vêm enfrentando dificuldade aguda para obter medicamentos em postos de saúde e drogarias, há quem encare problemas crônicos para ter acesso a eles. É o que indica a fila vista com frequência na unidade do programa Farmácia de Minas, na Avenida do Contorno, 8.495, Bairro Santo Agostinho, Centro-Sul de Belo Horizonte. Na manhã de ontem, a equipe do Estado de Minas registrou uma longa fila de pessoas esperando por atendimento.

 

A reclamação sobre a demora também é frequente. A técnica de enfermagem Ilda da Silva, de 77 anos, disse que chegou a passar mal enquanto esperava para retirar uma bombinha para tratar asma e bronquite. Apesar do contratempo, conseguiu sair de lá com o produto. “Quando recebo duas, como foi desta vez, eu venho de dois em dois meses. Mas quando me dão uma, preciso vir todo mês”, disse, depois de passar duas horas na fila. Em outras ocasiões, já saiu de lá sem o medicamento, o que é caro. “Eu não tenho condições de comprar. Essa bombinha custa R$ 980.”

 

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) foi procurada para comentar a situação no Farmácia de Minas e se manifestar sobre possível falta de medicamentos na rede estadual, mas, em nota, informou que a área técnica não teria tempo hábil para dar informações.