A dependência em drogas lícitas ou ilícitas é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A Lei de Drogas, de 2006, incorpora esse reconhecimento à legislação brasileira, e garante o direito à atenção e ressocialização dos dependentes químicos. Apesar disso, muitos usuários de drogas não estão em hospitais, mas atrás das grades.
O caso de um jovem que foi preso nesta quarta-feira (8/6) em Varginha após roubar um celular para trocá-lo por três pedras de crack é um exemplo do que ocorre cotidianamente. Segundo o advogado criminalista Fabiano Lopes, 1/3 dos 1 milhão de detentos no Brasil foram condenados ou estão aguardando o julgamento de crimes desse tipo.
Ele chama esses crimes de "parasitários" à Lei de Drogas, cometidos para sustentar o vício ou sob coação de traficantes. Teoricamente, todos esses infratores têm direito ao tratamento de saúde adequado e podem ter suas penas alteradas pela constatação de dependência química.
Lei de Drogas
Segundo Fabiano Lopes, advogado criminalista, o outro 1/3 das pessoas encarceradas foi condenada pela Lei de Drogas. A lei distingue traficantes de drogas, puníveis pela lei, e usuários. Com isso, a dependência química é enquadrada como uma questão de saúde pública, o que prevê o direito do usuário ao tratamento adequado.
Porém, a maioria desses presos, estimou Fabiano, são na verdade usuários.
"Há um problema social na aplicação da lei", afirmou o advogado. Quem decide se uma pessoa flagrada por porte de drogas é traficante ou usuário é o juiz, com base na quantidade da substância e natureza da ocorrência. Esse critério, subjetivo, tem aberto margens para que o tratamento da dependência como questão de saúde pública não seja a regra, apesar de ser a lei.
O advogado chamou a atenção para o fato de, na maioria das vezes, jovens das classes altas serem rapidamente qualificados como usuários, enquanto pessoas de bairros periféricos e baixa renda serem enquadradas como traficantes. "A própria defesa, que o acusado tem direito pelo Ministério Público Federal, trata diferentemente as pessoas de acordo com sua origem e condição social", afirmou Fabiano.
Nesses casos, também prevalece o direito ao tratamento adequado da doença, em hospital especializado. Cabe à defesa do acusado provar que o crime foi cometido motivado pela dependência química. Podem ser utilizados exames toxicológicos laboratoriais e clínicos, realizados por um psicólogo ou psiquiatra, para provar a situação de dependência.
Recuperação
"Eu acho que a cadeia não faz bem para ninguém com dependência química. A pessoa fica com remorso, revolta", comentou Fabrício Martins, que atualmente trabalha como monitor no Centro de Recuperação de Dependência Química, em Ravena, Sabará.
Fabrício foi internado no centro em 2017, após período em que esteve na prisão. Ele comentou que viu muitas agressões na cadeia, e que a circulação de drogas era comum. Após ser solto, ele procurou tratamento.
"Tenho que ter muita tranquilidade para entender que até hoje sou dependente químico, em tratamento. Vivo um dia após o outro", afirmou Fabrício. Ele destacou a importância do acompanhamento da assistência social e dos psicólogos no seu tratamento, assim como o apoio da família.
O Centro de Recuperação de Dependência Química (Credeq) foi fundado em 2000. Entre os fundadores estão Wellington Vieira e Diva Lisboa. O princípio que levou os dois a fundarem a comunidade terapêutica é a compreensão de que a dependência química é uma doença, que exige um tratamento profissional e adequado. Atualmente, o centro é subsidiado pelo governo federal.
* Estagiário sob supervisão do subeditor Diogo Finelli.