Jornal Estado de Minas

MEIO AMBIENTE

Mineração na Serra do Curral: as suspeitas que rondam a Gute Sicht


Um avanço para abrir escavações de lavras minerárias e estradas em 5 hectares (ha) – em torno de cinco campos de futebol – da área tombada por Belo Horizonte na Serra do Curral. Denúncias de invasão a terrenos de mineradoras vizinhas. Falta de garantias a patrimônios naturais inestimáveis.



Suspeitas de descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que ainda permite o seu funcionamento. Enquanto as atenções estavam voltadas para a Taquaril Mineração S/A (Tamisa) e o licenciamento controverso, na vertente nova-limense, do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem alardes, entre a capital e Sabará, a Mineração Gute Sicht recebeu sinal verde do estado para revolver a área tombada da cadeia de montanhas. As atividades geraram uma lista de preocupações.

A empresa afirma estar dentro da legalidade, mas apenas se manifesta quanto ao que foi acertado com o goverrno do estado e não à Prefeitura de BeloHorizonte (PBH).

São mais de dois anos extraindo minério de ferro, empilhando rejeitos e estéril, o último deles com o amparo de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado em 2021 com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e renovado em 2022, mas sem a anuência da PBH.

Isso, até ser exposta pela reportagem do Estado de Minas, em 4 de maio, sendo, depois, interditada pela PBH, multada, alvo de ação civil pública (ACP) do município e de investigações de possíveis descumprimentos de condicionantes, invasão de terrenos vizinhos, entre outros, como mostra o EM.



Após 12 meses de vigência do TAC, a empresa e a Semad assinaram uma renovação exatamente no dia em que a reportagem foi publicada, garantindo mais um ano de exploração da área.

A mineração dentro da área belo-horizontina da Serra do Curral é visível. O mapeamento da PBH e dos satélites do Google Earth mostram as atividades minerárias em 5ha (71,4%) dos 7ha já tratorados e escavados dentro da área da capital mineira, que é tombada pelo município.

As próprias imagens desses satélites mostram presença e ação de caminhões e escavadeiras na porção belo-horizontina, desde antes da assinatura do TAC, em 2020, até 2022. Isso é só uma fração da concessão de lavra registrada para a empresa na Agência Nacional de Mineração (ANM), que chega a ser cinco vezes maior, alcançando 34,4 hectares.

De acordo com a Semad, a primeira fiscalização ao empreendimento ocorreu em 18 de maio de 2020. Nessa época, a empresa já minerava na porção de Belo Horizonte, como mostram as imagens de satélites, em uma área total de 4,84ha, de Belo Horizonte e Sabará. Foram constatadas irregularidades e falta de licença ambiental. A empresa foi autuada e, depois de recursos, apresentou justificativas de que tinha a "necessidade de efetuar ações emergenciais para controle e mitigação dos impactos ambientais no empreendimento", segundo consta no termo.





Para sanar as emergências e impactos, a mineradora sugeriu a pactuação do TAC com a Semad. Após processo que mudou de entendimento várias vezes, sendo mediado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 7 de maio de 2021, a Mineração Gute Sicht celebrou com a Semad o TAC que lhe permitiria permanecer com suas atividades sob as restrições de condicionantes.

Na época, contudo, a empresa já tinha ampliado sua operação para 7ha. Ou seja, após a fiscalização e durante a tramitação do acordo para celebrar os ajustes emergenciais, a área do empreendimento avançou mais 2,16ha, um acréscimo de 45% ao espaço que tinha sido originalmente autuado, mais de 50% disso em território de BH.

A reportagem apurou que a mineradora é investigada por suspeitas de outras atividades irregulares tanto em nível municipal quanto estadual. Uma dessas investigações tenta identificar se a Gute Sicht escavou 0,5ha (5.400 metros quadrados) de área de uma mineradora vizinha, entre Belo Horizonte e Sabará. A reportagem questionou a empresa sobre isso, mas não recebeu uma resposta específica.




CAVERNA RELEVANTE 

As atividades da empresa se encontram também a 250 metros da boca de uma caverna descrita pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como sendo de máxima relevância e que por isso não deveria sofrer qualquer impacto de atividades como essa, que envolvem escavações e circulação de maquinário pesado. A empresa não respondeu se tem estudos de impactos específicos para a formação ou se propõe medidas compensatórias.

“Surpreende-me que um TAC tenha sido emitido sem nem mesmo que fiscais ou nossos legisladores tomassem conhecimento sobre uma caverna de máxima relevância cada vez mais próxima da mineração. Essa caverna apresenta ambiente frágil e é abrigo de um opilião (um pequeno aracnídeo) que pode ser extinto se medidas urgentes de preservação da área não forem tomadas imediatamente. Até sugiro que um grupo de pesquisadores visite o local para averiguar o estado de preservação desta cavidade”, disse o espeleólogo e ambientalista Luciano Faria.

A Mineração Gute Sicht afirma que "não realiza e nunca realizou exploração mineral sem as autorizações dos órgãos responsáveis”. E completa: “Prestamos todos os esclarecimentos necessários ao estado e toda a documentação ambiental apresentada foi reconhecidamente lícita. Reafirmamos que nosso empreendimento está inteiramente de acordo com as leis e normas vigentes e nossa atividade está em conformidade com as exigências necessárias".




PBH questiona termo e Semad analisa pedido de licença

Vários itens estabelecidos no TAC assinado entre a Mineração Gute Sicht e a Semad vêm sendo questionados pela PBH e alguns podem até ser interpretados como não sendo cumpridos pelas partes. Já no segundo parágrafo da primeira cláusula, o TAC é claro ao determinar que "não antecipa ou afasta a necessidade de obtenção de certidões, alvarás, licenças e autorizações de qualquer natureza, exigidos pela legislação federal, estadual ou municipal, marcadamente licença ambiental, autorização para intervenção ambiental e outorga de direito de uso de recursos hídricos, que, porventura, façam-se exigíveis".

A PBH alega não ter autorizado qualquer intervenção na sua área tombada da Serra do Curral.

No quarto parágrafo da segunda cláusula do termo, foi determinado que a Mineração Gute Sicht "deverá comunicar ao órgão ambiental todos os desdobramentos das investigações policiais e ações judiciais que pendem contra si, especialmente no que concerne a eventual decisão que possa determinar a suspensão, no todo ou em parte, do regular exercício de suas atividades, para fins de avaliação quanto aos impactos em autorizações ambientais porventura existentes".

A empresa se encontra com a atividade interditada pela PBH e há uma ACP proposta contra o acordo que permite que minere na área. A reportagem indagou se tais informes foram feitos à Semad, sem obter resposta. Por outro lado, a Semad afirmou que "a empresa Gute Sicht continua operando por meio de TAC. Não foram lavrados novos autos de infração para a empresa após a celebração do TAC. O processo de licenciamento ambiental segue em análise, aguardando resposta do pedido de informações complementares (feitos à empresa)", afirma o órgão de estado.

O descumprimento total ou parcial do compromisso assumido pelo TAC implicará sua rescisão, resultando em suspensão ou embargo total e imediato das atividades. Segue-se uma multa de R$ 10.733,17 (correção de 2022) por obrigação descumprida. Caberão, ainda, a adoção imediata das sanções administrativas previstas na legislação e o encaminhamento imediato de cópia do processo administrativo que contém o TAC à Advocacia-Geral do Estado para execução.