Em mais um capítulo da história sobre a proteção da Serra do Curral, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) publicou, nesse domingo (19/6), uma portaria que determina a proteção provisória do local em uma área superior à tombada em BH e em esfera nacional. A medida, no entanto, não altera a permissão dada para a Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) e é apontada por ambientalistas como redundante e nociva aos moldes do tombamento definitivo da serra.
Portaria nº 22/2022, apresenta a área protegida por acautelamento provisório como sendo 71% maior do que o tombamento municipal de Belo Horizonte e 44 vezes superior à área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A medida, no entanto, apenas determina que expansões ou novas intervenções na serra passem pela aprovação do Iepha.
A Na prática, isso significa que a instalação da Tamisa na Serra do Curral segue válida a partir do licenciamento ambiental aprovado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) no fim de abril.
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) reiterou que a liberação da Tamisa na serra ocorreu de forma legal, mas que entende que a empresa não pode fazer alterações no local onde se instalou até a avaliação do tombamento definitivo da serra.
“Todo o rito firmado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) seguiu dentro da legalidade e, portanto, a licença da Tamisa permanece válida (cabe explicar que Tamisa tem uma licença prévia e de instalação, que não permite operações). Agora, a partir do acautelamento, há um entendimento pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de que a Tamisa não poderá fazer nenhuma ação de supressão de vegetação até a avaliação do tombamento”, informa a secretaria.
Ambientalistas ouvidos pelo Estado de Minas criticaram a portaria do Iepha por não alterar a liberação de mineradoras que já estão na região. De acordo com o engenheiro ambiental Felipe Gomes, o texto tem detalhes que mantém a Serra do Curral exposta a atividade de exploração
“Essa medida provisória faz o acautelamento e aí realmente traz uma primeira proteção, mas no seu artigo quarto ela deixa brecha para, se os municípios onde ocorrer o empreendimento estiverem de acordo, a atividade pode ocorrer e ela não deixa explícita a proibição da atividade mineral, bem como ela não revoga qualquer ato já concedido como a licença da Tamisa ou o Termo de Ajustamento de Conduta da Gute Sicht”, avalia.
O artigo citado por Felipe prevê que os municípios compreendidos na área provisoriamente protegida pela portaria (Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima) façam uma gestão compartilhada da área determinada.
O sociólogo e integrante do Movimento Salve a Serra do Curral, Flávio Torre, corrobora a visão do engenheiro. Segundo ele, a portaria subverte a hierarquia legal quando afirma que serão considerados os parâmetros de uso, ocupação e parcelamento do solo previstos nos planos diretores e na legislação dos municípios. “Isso não existe, o município não pode ter uma lei que se sobrepõe à do estado. A importância de uma proteção a nível estadual está justamente na possibilidade de suplantar a forma como cidades diferentes querem dar uso a um bem tombado”.
A ambientalista e integrante do Projeto Manuelzão, Jeanine Oliveira, vê a portaria, assim como decreto do governador Romeu Zema (Novo) na semana passada, como uma tentativa de arrefecer a discussão sobre a proteção da Serra do Curral. Segundo ela, a medida efetiva para evitar a destruição do patrimônio ambiental, cultural e histórico está à disposição do governo estadual: a revogação das licenças emitidas às mineradoras.
“É mais um capítulo da narrativa fajuta que o governador Zema e o governo do estado estão contando na tentativa de dizer que tentam preservar a Serra do Curral. O que vai impedir na verdade é a suspensão da licença.O Estado de Minas Gerais só vai realmente mostrar que quer proteger a Serra quando suspender a licença e os TACs. Essa portaria até seria eficiente se tivesse sido publicada antes de autorizarem a presença da Tamisa em Nova Lima”, comenta.
Tombamento definitivo da Serra do Curral
Questionado pela reportagem, o Iepha afirma que cumprirá o acordo firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e levará a discussão do tombamento ao Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) até o fim de agosto. Os efeitos da portaria publicada no domingo vão até a avaliação de um processo de proteção definitivo.
Embora, segundo especialistas, seja publicada com um pretexto de criar uma proteção provisória, eles apontam trechos do texto da portaria que colocam em risco a extensão do tombamento definitivo.
“Os considerandos iniciais da portaria apontam a necessidade de se realizar a complementação dos estudos técnicos para aprovar o tombamento. Esse estudo aprofundado foi feito pela Praxis e já está pronto. Esse pode ser um indício da tentativa de alterar o perímetro definido no estudo anterior e que é muito completo. Pode ser uma estratégia para tentar tirar a área da Tamisa do perímetro tombado, por exemplo”, afirma Flávio Torre.
Jeanine Oliveira manifesta a mesma preocupação. Embora avalie que a medida é redundante e não apresenta alterações em relação ao risco que a serra já corre, ela acredita que a área protegida pela portaria (que inclui a área da fazenda Ana da Cruz, onde a Tamisa conseguiu liberação para se instalar) não será a mesma no tombamento definitivo, permitindo a atividade mineradora no local.
Em nota sobre o acautelamento provisório de área na Serra do Curral, a Tamisa "reitera que cumpriu todas as exigências da legislação vigente para a obtenção das licenças do seu empreendimento junto aos órgãos competentes, que a habilitou a iniciar a instalação do seu projeto".
Ainda segunda a nota, "a empresa acredita ainda que a segurança jurídica é fundamental para a construção e manutenção de um ambiente estável para todas as relações e reafirma o seu compromisso com a ética, o cumprimento à legislação e a sua confiança na verdade e na Justiça".
Tamisa reitera cumprimento de exigências
Em nota sobre o acautelamento provisório de área na Serra do Curral, a Tamisa "reitera que cumpriu todas as exigências da legislação vigente para a obtenção das licenças do seu empreendimento junto aos órgãos competentes, que a habilitou a iniciar a instalação do seu projeto".
Ainda segunda a nota, "a empresa acredita ainda que a segurança jurídica é fundamental para a construção e manutenção de um ambiente estável para todas as relações e reafirma o seu compromisso com a ética, o cumprimento à legislação e a sua confiança na verdade e na Justiça".
Atuando em frentes diferentes
Enquanto o Iepha publicava a portaria para acautelamento provisória da Serra do Curral, a Advocacia Geral do Estado (AGE) agia na Justiça para solicitar o indeferimento do pedido de suspensão do TAC que permite a ação da Mineração Gute Sicht em Belo Horizonte e Sabará.
A prefeitura da capital acionou a Justiça pedindo a suspensão do TAC que, desde 2020, permite a mineração na Serra do Curral. Alegando a necessidade de investimentos para a geração de emprego e renda, o governo estadual recorreu pela manutenção da medida que autoriza a atividade mineradora na serra.
O processo corre na 5ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte.