O Ministério Público Federal (MPF) pediu, nesta segunda-feira (20/6), a suspensão imediata das licenças concedidas à Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) pelo Governo de Minas. Em ação ajuizada contra o estado, o órgão aponta que a permissão para que a empresa se instalasse na Serra do Curral foi dada sem consultar uma comunidade tradicional quilombola afetada pelo empreendimento.
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A comunidade em questão fica no Bairro Santa Efigênia, próxima ao Hospital da Baleia. Ela é reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007 e, dez anos depois, foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da capital. Em 2018, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) ampliou o reconhecimento do grupo Manzo Ngunzo Kaiango para âmbito estadual.
Segundo o MPF, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) confirmou não ter realizado nenhum contato com a comunidade porque a Tamisa informou à pasta que o empreendimento não causaria nenhum impacto à área habitada pelo grupo tradicional.
A ação cita que a relação histórica e espiritual da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango com a Serra do Curral e a Mata da Baleia é amplamente documentada nos dossiês apresentados para reconhecimento do grupo como patrimônio municipal e estadual.
“A conduta do Estado de Minas Gerais, ao ignorar a obrigatoriedade da consulta, macula do vício de nulidade todo o procedimento em que foram concedidas as licenças ambientais em favor de um empreendimento altamente poluidor, que afetará recursos naturais que viabilizam a manutenção das práticas culturais, sociais e religiosas da comunidade quilombola de Manzo”, afirma o MPF em nota.
Questionado pela reportagem sobre se o estado recorrerá da ação do MPF, o governo de Minas respondeu que, em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, não comenta ações judiciais e informa que, quando intimado, se pronuncia nos autos dos processos.
A Tamisa informou que não comenta ações nas quais não foi citada e intimada. A mineradora voltou a se posicionar afirmando que o licenciamento foi pautado pelo estrito cumprimento de toda a legislação e normatização aplicável e que comprovará a lisura dos processos perante a Justiça em momento oportuno.
De volta à Justiça Federal
O pedido de suspensão da mineração pela ausência de consulta à comunidade quilombola marca o retorno do ‘caso Tamisa’ à Justiça Federal.
No início de maio, a Prefeitura de Belo Horizonte acionou o estado e a Tamisa na Justiça Federal alegando ter sido excluída do processo de decisão tomada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em favor da mineradora.
A ação foi contestada pelos réus. Ambos apontaram que a Justiça Federal não tinha competência para julgar o caso e solicitaram o deslocamento do processo para o âmbito estadual.
O juiz Carlos Roberto de Carvalho, da 22ª Vara Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais, entendeu que a solicitação era procedente e determinou que o caso ficasse a cargo da 5ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, onde já tramitam outros processos relativos à presença da Tamisa na Serra do Curral.
Segundo o MPF, ao ignorar a comunidade quilombola, o estado descumpriu uma obrigação prevista em convenção internacional, o que atribui à Justiça Federal a competência para julgar o caso
A ação cita violação da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina que os países devem respeitar a importância que povos têm com as terras que ocupam. O documento também aponta que há desrespeito aos artigos 215 e 216 da Constituição da República de 1988, que prevêem a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e dos modos de criar, fazer e viver como patrimônio cultural.