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Estado de Minas SERRA DO CURRAL

Com R$ 1,2 mi em multas, mineradora segue escavando

Gute Sicht, que atua em área considerada protegida pela Prefeitura de BH, acumula 18 autuações municipais e interdição


23/06/2022 04:00 - atualizado 22/06/2022 22:28

Área minerada pela empresa nos limites de Belo Horizonte é alvo de questionamento, punição e embargo pelo município, mas exploração prossegue
(foto: edésio ferreira/EM/D.A Press)

 

O incessante escavar do solo para remover minério e despejar em caçambas de caminhões em área considerada tombada por Belo Horizonte da Serra do Curral já rendeu mais de R$ 1,2 milhão em multas para a mineradora Gute Sicht, segundo informações da fiscalização da prefeitura da capital mineira.

 

O empreendimento Mina Boa Vista foi interditado pela Prefeitura de BH em 25 de maio e, apesar de a Advocacia-Geral do Estado (AGE) defender o Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) que permitiu a atividade – e o estado inclusive cancelar multas e embargos de seus próprios fiscais –, a Procuradoria-Geral do Município contesta a manifestação da empresa e da AGE na 5ª Vara da Fazenda.

 

A PBH informa que a mineradora Gute Sicht já acumula 18 autuações, que totalizam R$1.268.656,75 em multas, por provocar degradação ambiental e por descumprimento da interdição municipal. A reportagem esteve na mina e constatou que as atividades prosseguem a pleno vapor.

 

As autuações, interdição e ação civil pública movidas pelo município ocorrem depois que a reportagem do EM denunciou que a mineradora operava na Serra do Curral, em 4 de maio, em momento em que todas as atenções estavam voltadas para o licenciamento da Taquaril Mineração S/A (Tamisa) concedido pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

 

De acordo com a contestação sustentada pelo procurador do município e subprocurador-geral do contencioso, Caio Perona, “a Mina Boa Vista já causou danos irreversíveis à Serra do Curral”. 

 

“A permissão (para minerar por meio do TAC) esvazia o regramento da legislação nacional, ao admitir a continuidade da operação, preterindo a exigência de prévio licenciamento ambiental, em clara violação ao artigo 24 da Constituição Federal”, afirma.

 

A Procuradoria da capital aponta também para violação constitucional “na medida em que o dispositivo da lei estadual viola os princípios da prevenção, precaução e da proporcionalidade na acepção da proteção insuficiente. Isso porque o afastamento da exigência de prévio licenciamento ambiental como requisito indeclinável ao desempenho de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente enfraquece a proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, justifica.

 

Para a PBH, o empreendimento não poderia ser licenciado sem a anuência dos órgãos municipais, entre eles os órgãos de proteção ao patrimônio público, já que se trata de área tombada pelo município de Belo Horizonte. “Ao contrário do que argumenta o estado de Minas Gerais, o TAC foi firmado com finalidade de substituir o licenciamento ambiental, diante da impossibilidade de o Município de Belo Horizonte anuir com a exploração minerária, uma vez que o empreendimento se localiza no perímetro de tombamento municipal da Serra do Curral”, sustenta a contestação.

 

DOIS ANOS DE
EXPLORAÇÃO

 

Já são mais de dois anos extraindo minério de ferro, empilhando rejeitos e estéril na Serra do Curral, apenas no último ano sob amparo do TAC celebrado em 2021 com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad) e renovado em 2022, sem a anuência da Prefeitura de BH.

 

O mapeamento de satélites mostra atividades minerárias em 5 hectares (ha) – (71,4%) – dos 7ha já tratorados e escavados dentro da área da capital mineira, que é tombada pelo município. Isso representa apenas uma fração da concessão de lavra registrada para a empresa na Agência Nacional de Mineração (ANM), que chega a ser cinco vezes maior, alcançando 34,4ha.

 

De acordo com a Semad, a primeira fiscalização ao empreendimento ocorreu em 18 de maio de 2020. Na época, a empresa já minerava na porção de Belo Horizonte, como mostram imagens de satélites, em uma área total de 4,84ha, na capital e em Sabará.

 

Foram constatadas irregularidades e falta de licença ambiental. A empresa foi autuada e, depois de recursos, apresentou justificativas de que tinha a “necessidade de efetuar ações emergenciais para controle e mitigação dos impactos ambientais no empreendimento”, segundo consta no termo.

 

Para sanar as emergências e impactos, a mineradora sugeriu a pactuação do TAC com a Semad. Após processo que mudou de entendimento várias vezes, sendo mediado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 7 de maio de 2021, a Mineração Gute Sicht celebrou com a Semad o TAC que lhe permitiria permanecer com suas atividades sob as restrições de condicionantes.

 

Na época, contudo, a empresa já tinha ampliado sua operação para 7ha. Ou seja, após a fiscalização e durante a tramitação do acordo para celebrar os ajustes emergenciais, a área do empreendimento avançou mais 2,16ha, acréscimo de 45% ao espaço que tinha sido originalmente autuado, mais de 50% disso em território de BH.

 

A Mineração Gute Sicht se defende afirmando que “não realiza e nunca realizou exploração mineral sem as autorizações dos órgãos responsáveis.” “Prestamos todos os esclarecimentos necessários ao estado e toda a documentação ambiental apresentada foi reconhecidamente lícita. Reafirmamos que nosso empreendimento está inteiramente de acordo com as leis e normas vigentes e nossa atividade está em conformidade com as exigências necessárias.”

 

Local de extração no símbolo da capital: acordo que sustenta a atividade prevê cancelamento em caso de irregularidades
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press %u2013 6/6/22)

 

Estado cancela ação de agentes estaduais

 

Mais uma manobra salvou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permite à mineradora Gute Sicht Ltda. escavar em área considerada tombada da Serra do Curral, em Belo Horizonte. A empresa foi multada pela própria fiscalização estadual, por meio de fiscais da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Central. A companhia foi punida em R$ 107 mil e deveria ter suas atividades embargadas. Mas, em vez disso, a autuação foi cassada.

 

Em 12 de junho deste ano, foi indexado ao sistema da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) o Auto de Infração (AI) 296.500/2022 da Supram/Central, que previa a multa e a determinação de embargo das atividades da empresa.

 

A reportagem do EM teve acesso ao auto de infração, documento que descreve que a empresa transgrediu cláusulas da legislação ambiental, por “causar intervenção que resulte em degradação ou dano ao patrimônio natural ou cultural; violar ou adulterar ou apresentar informação total ou parcialmente falsa, enganosa ou omissa no licenciamento ou qualquer outro procedimento administrativo ambiental”.

 

Somente isso seria teoricamente suficiente para encerrar o TAC que a empresa celebrou com o governo de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 2021, e que foi renovado em 4 de maio de 2022, mesmo diante das denúncias do Estado de Minas sobre a atuação da mineradora em área restrita, e apesar de até a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) ter multado e embargado o empreendimento, por entender que atuava na área tombada da formação montanhosa que é um dos símbolos da capital mineira.

 

De acordo com o termo, “o descumprimento total ou parcial do compromisso assumido pelo TAC implicará sua rescisão, resultando em suspensão ou embargo total e imediato das atividades”. Uma vez descumprido o TAC, segue-se, também, de acordo com a documentação, multa de R$ 10.733,17 (correção de 2022) por obrigação descumprida. “Caberá, ainda, a adoção imediata das sanções administrativas previstas na legislação e o encaminhamento imediato de cópia do processo administrativo que contém o TAC à Advocacia-Geral do Estado para execução”, salienta o termo.

 

Apesar dessa autuação, a Semad seguiu um entendimento que se assemelha ao da Advocacia-Geral do Estado (AGE), que vem defendendo a legalidade do TAC por considerar a empresa de “utilidade pública” e a localização de suas atividades não estar ainda determinada, apesar de o próprio Termo localizá-la entre Belo Horizonte, onde a Serra do Curral é tombada, e Sabará.

 

Isso depois de o Decreto 48.443/2022, do governador Romeu Zema (Novo), reconhecer a Serra do Curral como bem de relevante interesse cultural, que foi seguido do acautelamento da formação pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), o que impede expansão e novas instalações de atividades.

 

“Análise mais
aprofundada”

 

De acordo com a Semad, o auto de infração que poderia pôr fim ao TAC foi desconsiderado. “O referido auto de infração foi cancelado pela Supram Central para uma análise mais aprofundada em relação a questões de uso e ocupação do solo, devido à localização do empreendimento, que está no limite dos municípios de Belo Horizonte e Sabará”, argumentou a secretaria.

 

No próprio dia 12, quando a autuação passou a constar no sistema da Semad, a reportagem do Estado de Minas informou que vários itens estabelecidos no TAC assinado entre a Mineração Gute Sicht e a Semad eram questionados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e órgãos ambientais.

 

No segundo parágrafo da primeira cláusula, o TAC é claro ao determinar que “não antecipa ou afasta a necessidade de obtenção de certidões, alvarás, licenças e autorizações de qualquer natureza exigidos pela legislação federal, estadual ou municipal, marcadamente licença ambiental, autorização para intervenção ambiental e outorga de direito de uso de recursos hídricos que, porventura, façam-se exigíveis”. A PBH alega não ter autorizado qualquer intervenção na sua área tombada da Serra do Curral.

 

No quarto parágrafo da segunda cláusula do Termo, foi determinado que a Mineração Gute Sicht “deverá comunicar ao órgão ambiental todos os desdobramentos das investigações policiais e ações judiciais que pendem contra si, especialmente no que concerne a eventual decisão que possa determinar a suspensão, no todo ou em parte, do regular exercício de suas atividades, para fins de avaliação quanto aos impactos em autorizações ambientais porventura existentes”.

A empresa se encontra com a atividade interditada pela PBH e há uma ação civil pública proposta contra o acordo que lhe permite minerar na área. A empresa, porém, reitera que opera “inteiramente de acordo com as leis e normas vigentes”.  


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