“Ainda me questiono o porquê de tanta agressividade.” O desabafo é da advogada Verônica Suriani, de 40 anos, esfaqueada pelo ex-namorado no Bairro Gutierrez, Região Oeste de Belo Horizonte. O agressor, Bruno da Costa Val Fonseca, foi indiciado pela Polícia Civil nesta quinta-feira (23/6), após um mês da tentativa de feminicídio. A mulher só não foi morta graças à coragem da babá Patrícia Dias, que puxou a advogada das mãos do rapaz.
Mas, mesmo com o indiciamento, a mulher acredita que, ainda que o homem cumpra a pena, é necessário que ele receba um acompanhamento psicossocial, para que o mesmo erro não ocorra com outras mulheres. “Ele irá pagar para a sociedade o mal que fez, mas, se ele não fizer tratamento, isso pode acontecer com outras vítimas”, afirmou.
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“No meu caso, a questão foi muito séria, pois foi uma tentativa de feminicídio. Autores de agressão e ameça também devem ser tratados, assim eles terão ciência de que estão cometendo um crime. Talvez, se o Bruno tivesse esse acompanhamento, conforme a Lei, quando ocorreu a primeira agressão, há seis meses, nós não teríamos terminado numa situação tão triste e grave”, contou.
“No meu caso, a questão foi muito séria, pois foi uma tentativa de feminicídio. Autores de agressão e ameça também devem ser tratados, assim eles terão ciência de que estão cometendo um crime. Talvez, se o Bruno tivesse esse acompanhamento, conforme a Lei, quando ocorreu a primeira agressão, há seis meses, nós não teríamos terminado numa situação tão triste e grave”, contou.
Verônica havia acabado a relação em novembro de 2021, após o homem agredi-la. Desde então, Bruno não aceitava o fim do relacionamento, a ameaçando e perseguindo. Na noite anterior ao crime (22/6), ele teria invadido o apartamento dela. Por medo, no dia seguinte, a mulher resolveu sair do imóvel com os filhos, onde foi surpreendida com o ataque do agressor, que não se arrependeu.
Verônica já está se recuperando
Cerca de um mês após o crime, a advogada afirma que está fazendo acompanhamento médico psiquiátrico e psicológico. No dia da agressão, ela foi atingida nas costas, no peito, braços e na coxa pelo ex-namorado. “Estou frequentando o médico, mudei de casa e tentando me recuperar. Fisicamente já estou bem melhor. Ainda tenho muitas cicatrizes e com dificuldade para movimentar o braço, mas irei começar a fisioterapia. Agora, é cuidar da mente e da alma”, disse.
Em relação aos filhos, de 7 e 10 anos, que presenciaram o atentado, a vítima explica que eles já voltaram para a rotina normal. “As crianças já estão readaptadas na rotina normal e também estão fazendo terapia. Mas eles estão bem. A situação em si foi muito grave, mas ele ter agido de tal forma na frente dos meus filhos, foi de uma crueldade imensa.”
Ela conta que ainda se questiona o motivo de tanta agressividade. “Penso que é algo que ocorre com todas as mulheres agredidas, inclusive comigo. Eu me questiono o porquê de tanta agressividade com uma pessoa que ele compartilhou a vida e sonhos. Alguém que você amou e cuidou, sabe? Não tem causa e efeito que justifica isso.”
Conforme Verônica, é ‘assustador’, após fazer tanto o bem para alguém, terminar com uma tentativa de feminicídio. “Eu advoguei para a família, eu cuidei da família e dele, ajudei no emprego e na terapia. Eu era companheira, caminhamos por um bom tempo juntos, e a pessoa não tem gratidão. Então sempre fica o porquê”, ressaltou.
‘Me relacionei com uma pessoa aparentemente amável’
O crime contra à advogada não foi a primeira vez que Bruno teria comportamento agressivo. Segundo a Polícia Civil, já havia uma série de denúncias contra ele, incluindo a queixa de uma ex-namorada. A vítima, que na época tinha 26 anos, estava sendo perseguida e ameaçada pelo homem, pois este não aceitava o fim do relacionamento. A mulher contou que ele enviava mensagens intimidadoras para as amigas dela.
“Eu não sabia que o Bruno tinha boletim de ocorrência e medida protetiva por causa de outra ex-namorada. Eu desconhecia esse fato. Então, isso já ocorreu com uma pessoa e, depois, aconteceu comigo. É o padrão do machismo aceitável na sociedade, que coloca a mulher na posição de objeto. Por isso, o acompanhamento psicossocial é importante”, contou Verônica.
Segundo a mulher, após o ocorrido, recebeu muito apoio da Comissão de Enfrentamento da Violência Contra Mulher da OAB, sobretudo da advogada Isabela Pedersoli, que também acredita na relevância do tratamento do agressor. “Ela reafirma muito isso. É necessário recuperar esse agressor que, quando era adolescente, observava esse tipo de agressão na sua casa e isso fica legítimo para a sociedade. Um empurrão, um tapa e, depois, uma tentativa de feminicídio, como foi o meu caso”, disse.
A advogada afirma que espera mais movimentos governamentais para cuidar das vítimas de violência doméstica e do agressor. “Porque isso acaba sendo uma doença social que está sendo legitimada. São questões de 1900, quando era permitido o homem agredir a mulher. Mudou-se a lei, mas o fato ainda ocorre. São mulheres agredidas diariamente e, muitas vezes, somos tratadas socialmente para não sermos agressivas e, por isso, aceitamos essa agressão na esperança que não irá ocorrer novamente. Mas, infelizmente, não é a última”, completou.
Conforme Verônica, esse tipo de comportamento ainda está enraizado na nossa cultura. “Por exemplo, se a mulher não é uma boa dona de casa, muitos acreditam que isso já é motivo para a agressão ser aceitável. Ainda escutamos pessoas dizendo isso, pois há um hábito cultural que devemos trabalhar para não existir mais”, ressaltou.
Apesar do carinho que recebeu de muitas pessoas, ela conta que, depois da agressão, algumas pessoas ainda questionam o fato dela ter se relacionado com Bruno. “Isso é algo que me magoa muito. Eu me envolvi com uma pessoa aparentemente amável, respeitável e instruído. Tínhamos uma vida completamente normal, meus filhos gostavam muito dele. O Bruno nunca falou alto com as crianças. No entanto, por causa de uma negativa no relacionamento, ele se tornou agressivo. Essas afirmações são outras agressões contra a vítima, como se a culpa fosse nossa”, disse.
Medo de denúncia está 'associada a fatores sociais e jurídicos'
Segundo a advogada, o medo de mulheres em denunciar os agressores está relacionado a fatores sociais e jurídicos. “Isso porque, muitas vezes, ficamos desamparadas. Mesmo sendo advogada, eu me senti um pouco assim. Hoje faço acompanhamento pelo Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna), mas penso que deveria ter recebido essa assistência na primeira agressão. A Lei é muito interessante, mas o programa ainda é falho”, afirmou.
Além disso, Verônica ressalta que, muitas vezes, as vítimas têm vergonha da situação. “Eu vejo que as mulheres têm uma vergonha social por passar esse constrangimento. Depois do que aconteceu comigo, eu fiquei impressionada com a quantidade de mulheres que me ligaram, para relatar situações de agressão”, contou.
Ela conta que, apesar de tudo, recebeu muito carinho. “O lado bom de ter vivido isso, foi ver o lado humano das pessoas. Eu fui muito acolhida, muita gente orou por mim, me ligou, mandou mensagem, flores, e esse é o lado que devemos cativar. É difícil viver a limiar do bem e do mal, mas eu senti muito amor por pessoas que eu nem conhecia”, afirmou.
Para a mulher, a denúncia contra agressão é fundamental. “Existe um padrão de agressividade, que vai evoluindo até chegar em tentativa de morte. Acredito que, quanto mais rápido a situação for resolvida, melhor é para a vítima. Por isso, a Lei precisa ser eficaz”, finalizou.
*Estagiária sob supervisão