Os moradores da Lagoinha, em Belo Horizonte, tentam impedir a instalação de um albergue na Rua Além Paraíba, nº 951. No imóvel desocupado funcionava o Colégio Polimig e, há pouco mais de um mês, a proprietária confirmou que a prefeitura da capital (PBH) vai alugar o espaço, com capacidade para atender 500 pessoas em situação de rua. Os moradores do bairro temem que os crimes e a violência na região possam aumentar ainda mais.
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Segundo a associação, os moradores são contra a decisão e não querem que nenhum outro equipamento de assistência social, no perímetro da Área de Diretrizes Especiais (ADE) Região da Lagoinha, seja instalado sem a aprovação da população local.
Ainda de acordo com a entidade, o Plano Diretor (Lei municipal nº 11.181/2019) estabelece as diretrizes que devem nortear a ação pública no território da ADE Região da Lagoinha. Pelo dispositivo, a Lagoinha deve ser um local de cultura, turismo, habitação e economia criativa, e não de assistência social.
“Dentro da ADE não poderia existir este tipo de equipamento. Já temos muitos equipamentos sociais aqui. Agora querem vir com um albergue de 500 pessoas. Esse impacto a Lagoinha não suporta”, diz Teresa.
Descumprimento de acordo
A associação ressalta que desde a audiência pública, feita em 26 de abril, ficou acordado com os moradores que a PBH, junto com a Câmara Municipal, destinaria os recursos para a elaboração do plano, bem como intensificaria as medidas de fiscalização, e criaria um mecanismo para organizar a assistência social na região.
Porém, a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, decidiu, sem consultar a população, instalar um albergue na região.
A presidente da associação destaca que não houve um estudo prévio que demonstrasse a demanda e a compatibilidade com as regras de uso e ocupação do solo para um albergue na região. Segundo Teresa, o Plano Municipal de Assistência Social (2022-2025), aprovado recentemente pela Resolução CMAS n° 10/2022, não indica a necessidade de criação de um albergue na regional Noroeste, muito menos na região da Lagoinha.
O plano revela, na verdade, que 60% da população em situação de rua está concentrada na regional Centro-Sul, enquanto a Noroeste tem 9%. São cerca de 300 a 400 pessoas em situação de rua na Lagoinha.
“Eles estão transferindo um problema da Região Centro-Sul para a Noroeste.”
Reunião para tentar resolver o problema
Teresa explica que o sistema de albergues ou casas de abrigamento são modelos ultrapassados de assistência que não contribuem para mudança da realidade de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade social. “Albergue não resolve o problema. Isso é uma questão de moradia social.”
De acordo com ela, nesta sexta-feira (24/6), alguns moradores terão uma reunião com a secretária Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte, Maíra Colares. O encontro foi solicitado pela vereadora Professora Marli (PP). A presidente da associação disse ainda que o movimento vai recorrer ao Ministério Público para impedir a instalação do albergue.
“A Lagoinha é sempre um depósito de Belo Horizonte. Tudo que eles não querem nos outros bairros trazem para a região, sem nos consultar e comunicar.”
“Queremos deixar claro que não estamos contra os moradores de rua”
Filipe Thales também é membro do Movimento Lagoinha Viva. Ele diz que os moradores são totalmente contra a implantação do albergue e da política de assistência social que opera no bairro. “Ela é ineficiente, está tratando pessoas em situação de rua sem acompanhamento da secretaria de Saúde. Esse tipo de empreendimento é de alto impacto e para fazer isso nas ADEs, é preciso seguir diversos requisitos, que não foram feitos.”
Segundo ele, o problema é a secretária Maíra Colares. “É ela que não dialoga. Fizemos um dossiê com quase 600 páginas mostrando que, nos últimos 30 anos, a prefeitura abandonou a Lagoinha. Estamos falando do berço da cidade de Belo Horizonte.” Apesar disso, Filipe frisa que os moradores não são contra as pessoas em situação de rua.
O bombeiro civil, Marcelo Augusto Athayde da Silva, de 30 anos, bombeiro civil, sempre morou no bairro e lembra que o índice de criminalidade no local já é alto.
“A rua já teve vários bueiros roubados, vários furtos e outros crimes que acontecem na região por causa dos usuários de drogas.” Para ele, a instalação do albergue no local só vai piorar ainda mais a situação. “Tinha um albergue na região da Pedreira Prado Lopes que foi para a Rua Itambé (Bairro Floresta) e agora estão tentando empurrar de novo pra cá.”
Marcelo conta que vários moradores de rua vendem as coisas que ganham de doação. “A passarela tem hora que é inviável andar. Por que não fazer uma creche para a comunidade ou uma escola profissionalizante?”, questiona o bombeiro.
A aposentada Jerusalém Rocha, de 71 anos, pensa da mesma maneira. “Podia vir pra cá um asilo ou uma creche, mas não um albergue. Imagina o que vai virar aqui, vai ser terrível. Fora que os imóveis vão desvalorizar.”
Ela mora no bairro desde que nasceu e a há seis anos ocupa uma casa em frente ao antigo Colégio Polimig.
A aposentada reclama que a PBH nunca consultou os moradores sobre a instalação do albergue na rua. “É tudo de cima para baixo, não nos perguntam nada. Mas temos que participar, afinal quem mora aqui somos nós. Pagamos impostos em dia e não temos direito a nada.”
Medo e insegurança
Jerusalém teme que com o albergue na rua, os furtos e assaltos aumentem. Ela disse que já tentaram entrar na casa dela e só não conseguiram por causa dos cachorros. “Depois das 18h aqui é perigoso, imagina vindo pra cá o albergue?”
Segundo a aposentada, o objetivo dos moradores é tentar impedir que o abrigo seja instalado no prédio. Caso contrário, ela disse que precisará se mudar.
O mecânico Ubirajara Ferreira, de 45 anos, trabalha em uma oficina localizada quase em frente ao antigo colégio e mora a um quarteirão do local. Ele também é contra a instalação do albergue por acreditar que o lugar vai trazer mais transtornos para o bairro. “Já tem muitos assaltos, arrombamentos, furto de fiação. Vai ficar impossível morar aqui.”
O mecânico conta que a oficina já foi alvo de furto de cabos de energia. Ele também acredita que o local deveria ser transformado em uma creche ou posto de saúde, para beneficiar os moradores da comunidade. “Aqui no bairro já tem mais de cinco abrigos. Será que a Prefeitura colocaria um albergue no Bairro de Lourdes ou na Savassi?”
Ubirajara diz saber que entre os beneficiários do local estão pessoas necessitadas. “Muitas pessoas que não tem como se sustentar, pai de família que foi morar na rua. Mas, no meio deles também tem aqueles que agem de má-fé, usuários de drogas.” Ele conta que a esposa tem medo de chegar em casa do trabalho à noite. “Eu tenho que descer para buscar ela. Eles ficam na porta do supermercado pedindo dinheiro e intimidando as pessoas.”
O que diz a Prefeitura
A reportagem do Estado de Minas procurou a PBH para saber se já existe uma data para o albergue ser instalado na Rua Além Paraíba, quais os critérios para a escolha do local, além de um posicionamento a respeito da reclamação dos moradores de não terem sido consultados.
Em nota, a Prefeitura disse que a localização das casas de passagem segue avaliações técnicas e análise do georreferenciamento de dados de atendimento.
“São observados aspectos diferentes: demanda de acesso a serviços, disponibilidade de estruturas físicas que comportem a capacidade de vagas a serem implantadas, se possuem acessibilidade, se respeitam as normas ABNT, legislações urbanas e do SUAS.
É observado, ainda, se o local é de fácil acesso aos usuários e se a implantação da Unidade constitui resposta de proteção ao público que já utiliza o espaço público como forma de sobrevivência ou moradia, especialmente locais em que precisam reforço de oferta de serviços para contribuir com a superação de vida nas ruas.
O Tia Branca, unidade de acolhimento na modalidade de Casa de Passagem, integra a rede socioassistencial da Prefeitura de Belo Horizonte e vem passando por um reordenamento e qualificação de suas ofertas. Isso significa reorganização do serviço de modo a atender de forma mais adequada aos usuários, processo amplamente discutido junto ao Conselho Municipal de Assistência Social e o Ministério Público de Minas Gerais.
Trata-se de uma unidade instalada na década de 1990 e que requer adequação das atividades desenvolvidas e da estrutura física, de forma a respeitar as normativas vigentes e garantir maior proteção e efetividade no atendimento à população em situação de rua.
Nesse sentido, a unidade atual com 400 pessoas, está sendo reordenada para locais menores, sem redução do total de vagas, mas possibilitando o desmembramento de uma “grande unidade”, o que possibilita atenção mais especializada e acolhedora aos usuários.
Consequentemente, há mais efetividade na construção de projetos de vida que superem a situação de rua, considerando o atendimento de forma mais particularizada, garantindo acesso aos serviços de assistência social e ampliando o acesso a outras políticas públicas, como saúde, trabalho e emprego, moradia e educação.”