Jornal Estado de Minas

APERTADAS DE COSTURA

Reflexos do isolamento: por que a pandemia lotou costureiras de serviço


Apertadas de costura, à procura de mão de obra e tornando o tempo cada vez mais elástico para dar conta do serviço... Desmancha daqui, faz bainha dali, enquanto corta, alinhava e arremata: assim segue a vida movimentada das costureiras especializadas em consertos de roupas, que, após a flexibilização em Belo Horizonte, veem crescer a pilha de pedidos entregues por clientes. Tanto que algumas, a exemplo de Renilde Lopes de Oliveira Gualberto, há 20 anos na atividade e há sete em uma galeria do Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste da capital, não estão pegando serviço no momento, conforme avisa o cartaz afixado na porta de vidro do seu espaço.





“Estou trabalhando praticamente sozinha, pois minha filha, Sara, vem para desmanchar as roupas e atender as pessoas”, conta a moradora do município vizinho de Sabará. “Tinha duas ajudantes, mas uma resolveu abrir negócio próprio. Veio uma diarista para teste, e não deu certo: estragou um vestido e tive que pagar pelo erro. Custou caro”, diz a costureira.

O crescimento no setor de consertos de roupas, segundo as costureiras, deve-se à volta à vida social e ao trabalho presencial. “Estou pedindo de 15 a 20 dias para entrega – antes era uma semana. Com a pandemia, as pessoas ficaram em casa e engordaram um pouco, então tenho muita roupa, de homens e mulheres, para alargar a cintura, tirar elásticos, descer bainhas. Recebo também peças novas para ajustes, pois há um retorno às lojas”, afirma a autônoma, lembrando que o frio que começa é tempo de arrumar as roupas que ficaram no armário.

Tradicionalmente, há dois períodos semelhantes de aquecimento no setor: o fim de ano, devido à temporada de festas, e o verão, com consertos de biquínis e outros trajes para curtir o mar, piscinas e cachoeiras. “Como não tenho condições de receber mais encomendas, encaminho para as amigas”, avisa Renilde, casada, quatro filhos e acostumada a acordar às 5h para estar na loja o mais cedo possível. “Tem dia que chego em casa às 20h.”





Segundo o presidente do Sindicato dos Alfaiates e Costureiras de Belo Horizonte, Marlon Belarmino de Souza, o Marlon Capitão, há um crescimento na demanda de consertos de roupas, em função, principalmente, do longo período da pandemia. A expectativa é de aumento, tendo em vistas as previsões da meteorologia para um inverno rigoroso, o que significa reforma de jaquetas, casacos e outras roupas para encarar as baixas temperaturas.

LIÇÕES DA PANDEMIA 


Com larga experiência no setor de costura, Guiomar Aparecida de Oliveira Campos, de 61, vê um crescimento de 60% no conserto de roupas em relação aos tempos pré-pandemia. “A costura sempre foi uma atividade abençoada, e, graças a Deus, temos muito a fazer agora. Acredito que esse crescimento no conserto de roupas é uma lição da pandemia: as pessoas estão consumindo menos, comprando menos, e o planeta agradece. Antes, havia um desperdício, um exagero, até jogavam peças no lixo”, afirma a costureira, que ficou viúva aos 31 anos, com seis filhos, e teve mais três do segundo casamento. “A costura me ajudou a criar a família”, resume.

Para entrega do serviço, Guiomar, que ocupa um box na Galeria da Moda, também no Bairro Cidade Nova, perto da Feira dos Produtores, conta com o auxílio de quatro filhas e de duas diaristas. Entre elas Cleidimar Rodrigues Jesus, moradora do Bairro Cristina, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.





No ofício das linhas, agulhas, tecidos, aviamentos e tesouras desde os 16 anos, a piauiense residente em Minas desde criança passou por várias confecções e chegou à nova ocupação por acaso. Entrou na galeria para uma compra, ouviu que Guiomar precisava de costureira e se ofereceu. Está feliz e aprendeu, na caminhada, que a atividade serve como terapia e, claro, para ganhar o sustento. “Alimento e roupa, todo mundo sempre vai comprar. Ninguém vai andar pelado”, brinca Cleidimar, que tem um filho de 27 anos e um neto de 7.

De pregar um botão a salvar um casamento

Nestes tempos de “aperto de costura”, Laurença Divânia Ferreira Pinto conta, às vezes, com a ajuda do marido, Juvenal Paulo, que desmancha as roupas para que a mulher, então, faça o serviço encomendado pelo cliente. “Não podemos reclamar. Trabalho a vida toda com costura e estamos com muito serviço”, afirma Laurença, que ocupa um box na Galeria da Moda, onde trabalha das 9h às 19h.

Nesta reportagem, a equipe do Estado de Minas encontrou clientes com suas sacolas cheias de roupas caminhando em direção às lojas de consertos, que vão do simples pregar de um botão aos cerzidos, trocas de zíperes, ajustes em calças jeans e reformas em peças de couro. “Sei que vai demorar, mas prefiro esperar. São duas peças finas, vale a pena trazer para quem entende do riscado”, conta uma moradora do Bairro Cidade Nova.

Como o bom humor costuma dar remendo a qualquer situação, diante das máquinas que trabalham a todo vapor pilotadas pelas profissionais, basta puxar uma linha para revelar mais uma história. Que o diga a vendedora de uma lanchonete, que comprou um vestido preto, transparente, e acabou achando “sexy demais”, conforme revelou. “Achei melhor colocar o forro antes de meu marido pedir o divórcio”, explicou, às gargalhadas.