Ainda convivendo com oscilações no número de casos de COVID-19, Belo Horizonte já voltou, há meses, a ter ritmo intenso em lojas, bares e restaurantes. Mas o transporte público ainda não acompanha a retomada. Quem precisa de ônibus após às 22h na capital enfrenta uma via crucis diária para se deslocar e a falta de coletivos afeta diretamente o funcionamento da cidade à noite. Nesse cenário, entidades dos setores de comércio e serviço lançaram pesquisa para coletar dados de funcionários que dependem do transporte público noturno na capital e sugerir medidas. Um alívio é esperado em breve: projeto de lei que estabelece subsídios às empresas de transporte para incrementar a oferta de viagens sem aumentar tarifas, construído pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a Câmara Municipal em acordo com o setor, foi aprovado e dever ser enviado para sanção do prefeito Fuad Noman nos próximos dias.
“Os ônibus não voltaram igual era antes da pandemia não, agora ficam sempre cheios e tem menos ônibus circulando. Moro em Ibirité e o ônibus demora demais, se perco um, fico mofando no ponto”. A fala é de Reginaldo da Costa, que trabalha como frentista em um posto de gasolina na Rua da Bahia, Centro-Sul da capital. Ele sai do serviço todos os dias após as 22h. O relato de Reginaldo é repetido em uníssono pelos trabalhadores que contaram à reportagem o desafio de voltar para a casa tarde da noite em BH. Dados da BHTrans mostram que as reclamações são comprovadas nos números: Belo Horizonte ainda não conseguiu retomar a oferta de ônibus ao patamar pré-coronavírus. A demanda de passageiros, por outro lado, se aproxima gradativamente.
De acordo com dados da última atualização divulgada pela BHTrans, desde o início de maio até 17 de junho, a demanda diária de passageiros por transporte público em Belo Horizonte foi de 75% da média pré-pandemia. A oferta de ônibus, no entanto, foi de 67% no mesmo comparativo.
De acordo com dados da última atualização divulgada pela BHTrans, desde o início de maio até 17 de junho, a demanda diária de passageiros por transporte público em Belo Horizonte foi de 75% da média pré-pandemia. A oferta de ônibus, no entanto, foi de 67% no mesmo comparativo.
Para Juliano, garçom da Cantina do Lucas, no Centro, a defasagem aumenta durante a noite. O funcionário do tradicional restaurante do Edifício Maletta corre contra o tempo para conseguir pegar as conduções que o levam do Centro da capital até sua casa, passando pela Estação Vilarinho. “O último ônibus que atende o meu bairro sai da Estação Vilarinho às 23h55. Para pegá-lo,tenho que sair daqui às 11h. Vou andando a pé até a Avenida Paraná, pego o 61, que vai até a estação. Antes da pandemia, a gente tinha duas opções de transporte noturno, a linha 630 e a 631, e simplesmente acabou. O tempo é contadinho, várias vezes aconteceu de eu perder o ônibus e aí tenho que ir para o Uber. O orçamento aperta. Se perco o ônibus, só pego outro por volta das 4h30”, conta.
Para criar uma base de dados sobre os trabalhadores que dependem do transporte público depois das 22h em BH, uma pesquisa foi lançada na quarta-feira. Quem trabalha à noite pode responder o formulário com informações sobre horários, trajetos e linhas de ônibus no site mg.abrasel.com.br. As informações serão recolhidas e apresentadas à BHTrans e à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) como reivindicação para melhorias na oferta dos coletivos.
Os resultados da pesquisa devem ficar prontos até 6 de julho. A iniciativa parte de entidades do setor terciário da capital: Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Associação Mineira de Supermercados (Amis), Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) e Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG).
CAPITAL DOS BARES Desde que a flexibilização das regras de isolamento social da pandemia permitiu a volta do belo-horizontino às mesas espalhadas pela cidade, o título de “Capital Mundial dos Bares” passou a ter prazo de validade: a aproximação da meia-noite significa o fechamento da maioriados estabelecimentos, já que praticamente não há transporte para funcionários após o horário.
Para o presidente da Abrasel-MG, Matheus Daniel Pires de Moraes, a falta de ônibus limita o funcionamento noturno de bares e restaurantes e desacelera a retomada econômica do setor, um dos mais prejudicados pelo período pandêmico. “Estabelecimentos fecham mais cedo pela falta de transporte público. Isso tira a possibilidade de faturamento e temos que lembrar das dívidas que vieram forte por conta da pandemia. Além de ser uma perda cultural e turística para a cidade”, aponta.
INTEGRAÇÃO O presidente da Abrasel avalia que o subsídio às empresas de ônibus não resolverá todo o problema, já que muitos dos funcionários moram em cidades da Região Metropolitana. “Precisamos de integração. A ideia da pesquisa é produzir dados para fazermos um sistema de transporte inteligente”.
Para Samuel Pereira, dono de um bar no Edifício Maletta, o retorno sonolento dos ônibus após o momento mais crítico da pandemia significa fechar a cozinha e o estabelecimento mais cedo do que o horário tradicional. “Os horários estão péssimos. Meu cozinheiro mora no Bairro Nacional, em Contagem, e ele até montou um grupo de WhatsApp junto com o pessoal que trabalha aqui e usa a mesma linha para contarem o horário que o ônibus está vindo. O último ônibus que ele tem para pegar é às 23h30, estourando 23h40. E como eu faço sem cozinheiro aqui? Tenho que fechar mais cedo”.
Vizinho de corredor de Samuel, o gerente da Cantina do Lucas, Antônio Mourão, conta que o restaurante está fechando, todos os dias, uma hora mais cedo do que costumava antes da pandemia. Além disso, o estabelecimento tem dificuldades para contratar. “Durante a pandemia, funcionamos com metade da equipe e depois voltamos a contratar. Às vezes, a gente faz a ficha do funcionário, vai ver a questão do transporte e percebe que não tem ônibus. Até para admitir está difícil”.
Uma das contrapartidas do Projeto de Lei que estabelece subsídio de R$ 243,4 milhões às empresas de ônibus, já aprovado na Câmara Municipal e que deve ser enviado para sanção do prefeito nos próximos dias,é que as empresas retomem o número de viagens noturnas à média do último trimestre pré-pandemia (novembro/2019 – janeiro/2020) já no primeiro dia útil após o pagamento do subsídio.
Para o presidente da CDL-BH, Marcelo de Souza e Silva, o aumento das viagens é positivo, mas é necessário rever o contrato com as empresas. “A pesquisa que estamos propondo é para a gente ter a dimensão de qual é a necessidade para buscar uma solução para o horário noturno ser atendido”.
Um dos pontos , segundo o presidente da CDL, é aumentar a capilaridade do transporte, já que o comércio – inclusive os estabelecimentos que funcionam até mais tarde – se desenvolveu em diferentes pontos da capital. “Os shopping centers, por exemplo, fecham as portas às 22h, mas os funcionários saem de lá às 23h, 23h30. Existem centros comerciais em vários lugares e tem público para isso. Hoje, outro fator muito importante é a descentralização do comércio, não é apenas a Região Central que concentra as atividades”, conclui.
Injeção de R$ 234,4 mi para melhorar o sistema
Mariana Costa * e Ana Laura Queiroz
Aprovado na última semana pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), o Projeto de Lei (PL) 336/2022, que estabelece subsídio de R$ 234,4 milhões para o transporte coletivo de Belo Horizonte, deverá ser enviado para sanção do prefeito Fuad Noman (PSD) nos próximos dias. A expectativa era de que o PL chegasse ao gabinete do prefeito na quarta-feira, pórem, a PBH informou que ainda não o recebeu. Segundo a Câmara, o texto ainda na está na Casa para redação final. O objetivo do subsídio é melhorar a qualidade da prestação do serviço, com ampliação do número de ônibus e redução do tempo de espera dos usuários. Um alívio aguardado com ansiedade pelos passageiros diante do sufoco diário no transporte.
O aporte financeiro será repassado às empresas até março de 2023 e passa a valer no dia seguinte à assinatura do Executivo. O PL autoriza ainda a concessão de R$ 11 milhões para o transporte suplementar, além de R$ 900 mil para o táxi lotação. Do valor total, R$163,5 milhões são originários da Prefeitura de BH, R$ 74 milhões da Câmara Municipal e R$ 5,9 milhões de emenda de autoria do vereador Gabriel Azevedo (sem partido).
O número de viagens diárias em dias úteis deve ter um aumento imediato de, no mínimo, 15% em relação à média de viagens no mês de março deste ano. Após 15 dias, um novo aumento, desta vez de 30% na frota, totalizando cerca de 22 mil viagens por dia. Está prevista, ainda, a retomada do transporte público em período noturno, balizada pela mesma demanda do último trimestre pré-pandemia. Enquanto valer o subsídio, as concessionárias não vão poder aumentar as tarifas dos transportes.
Acordo que serviu de base para o PL foi assinado em 12 de maio pela Prefeitura de Belo Horizonte, Câmara Municipal, Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra-BH) e Consórcio Operacional. Em caso de descumprimento das exigências acordadas, o pagamento do subsídio relativo ao mês seguinte será suspenso.
VALORES Para as concessionárias de transporte público coletivo convencional, será repassado um valor de R$ 30 milhões por mês, referentes a abril, maio e junho deste ano; e R$ 17,75 milhões por mês, cobrindo julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. Para janeiro, fevereiro e março de 2023, serão encaminhados R$ 10 milhões por mês.
Para os permissionários de transporte suplementar, por sua vez, será destinado R$ 1,457 milhão por mês referentes a abril, maio e junho; e R$ 862 mil por mês referentes a julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. Além de R$ 485,33 por mês em janeiro, fevereiro e março do próximo ano.
ESPERA E LOTAÇÃO Para quem precisa usar o serviço de transporte coletivo na capital, a rotina é de espera, demora e veículos lotados. A balconista Fabiana de Figueiredo, moradora do Bairro Riacho, em Contagem, usa o serviço para ir a consultas médicas na Região Central de BH. Ela conta que se não consegue pegar um veículo, precisa ficar até duas horas no ponto esperando o próximo. “Ou até mais.”
Fabiana diz que antes da pandemia não havia esse problema. “Era ótimo, eles vinham no horário certinho.” A balconista reclama ainda que, no domingo, tem apenas um coletivo para chegar ao Centro de BH, que faz o percurso de ida e volta. Ela espera que com a concessão do subsídio para as empresas do transporte a situação se normalize.
A estudante Milena Oliveira, de 16 anos, moradora do Bairro Serra, na Região Centro-Sul de BH, utiliza o transporte coletivo três vezes por semana. “Geralmente, pego no sábado para voltar do meu curso e ele demora bem mais para chegar.” Ela diz que chega a ficar de 30 a 50 minutos no ponto esperando.