O projeto de recuperação da Lagoa da Pampulha apresentado pelas prefeituras de Belo Horizonte e Contagem e pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) foi comemorado pela população da capital, mas visto com certa desconfiança por ambientalistas. A principal crítica é de que o plano de despoluição de um dos principais cartões-postais da cidade deveria ter sido alvo de debate em toda a sociedade. O acordo para realização das obras foi assinado ontem pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), e o presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Guilherme Duarte. Ao todo, serão investidos R$ 146,5 milhões na manutenção e melhorias de natureza continuada, obras de expansão de rede e ligações previstas, além da quarta etapa do programa de despoluição da lagoa.
Segundo o subprocurador-geral do contencioso, Caio Perona, em cinco anos o plano de ação deve ser concluído e não existirá mais despejo de esgoto na lagoa. “Atualmente, o esgoto de 30 mil pessoas vai parar na Lagoa da Pampulha. Isso impede a geração atual de usufruir da lagoa como as gerações passadas usufruíram. Com o plano, pretendemos voltar a ter a lagoa como um ponto de lazer e qualidade de vida para a população da Grande BH.” O presidente da Copasa, Guilherme Duarte, frisou a parceria da companhia com as prefeituras e garantiu todos os recursos para que a obra seja feita. “A Copasa garante toda a engenharia, toda a parte técnica para que as obras sejam feitas. Coloco aqui o compromisso da Copasa com as prefeituras de Belo Horizonte e Contagem. Esse plano é a obra prioritária para a companhia”, afirmou.
“A natureza estava pedindo socorro. Estamos cumprindo nossa missão nesta manhã ao assinar este plano de ação. Já existiram muitas propostas para limpar a Lagoa da Pampulha, mas, pela primeira vez, vamos atacar a origem do problema, onde se joga esgoto”, disse Fuad Noman. “Pela primeira vez, estamos tratando a causa do problema, a bacia hidrográfica da lagoa. Com isso, a população que vive próxima a esses lugares, que joga esgoto nos córregos que abastecem a lagoa, será diretamente impactada, com saneamento básico e qualidade de vida”, completou Marília Campos".
Reconhecida pela Unesco como patrimônio mundial da humanidade em 2016, a Lagoa da Pampulha está localizada na sub-bacia do Ribeirão do Onça, afluente da margem esquerda do Rio das Velhas. Nela deságuam diversos afluentes, como os ribeirões Sarandi e Ressaca, os quais recebem dejetos domésticos e industriais de vários bairros da região metropolitana.
Expectativa
A população vê os investimentos na Pampulha com esperança, a fim de dar nova vida à paisagem local e resolver os problemas de enchentes nos locais mais afetados. Moradora de Contagem, próximo ao Córrego Sarandi, a megarista Luciana Carvalho, de 36 anos, diz que as obras anunciadas podem colocar fim a uma dor de cabeça de longa data, já que parte das ruas são alagadas. “Temos de ver se isso vai sair do papel. Todos nós estamos cansados de promessas. Quando chove, inunda toda essa parte. Temos que atravessar ponte e é um caos e às vezes esperar a água baixar.”
O motorista de aplicativo Paulo Henrique Gilberti, de 30, considera que as intervenções serão fundamentais para preservar o aspecto natural da lagoa. “Belo Horizonte ganhará muito. Essa despoluição vai movimentar a economia, pois as pessoas poderão praticar esportes aquáticos e andar de lancha. O espaço será muito mais utilizado de forma sadia, além de ser importante para a fauna e flora. Sem contar que certamente as casas em volta serão mais valorizadas se a lagoa estiver despoluída.”
Natural de Fortaleza, a bióloga Wanderleia Almeida, de 54, se encantou com a lagoa, mas se decepcionou ao ver uma grande quantidade de lixo e esgoto nas margens. “Já vinha acompanhando de longe essa questão dos problemas que envolvem a Pampulha. Será importante meio de despoluir o local. Temos poucos lugares limpos. A água que não tem oxigênio fica sem vida. Não adianta ter beleza se ela não foi bem cuidada.”
O médico sanitarista e ambientalista Apolo Heringer, também criador do Projeto Manuelzão, vê o plano apresentado pelo poder público com ressalvas: “Precisamos de um projeto que fosse discutido através dos comitês e das ONGs. O projeto não poderia ser lançado entre prefeituras e Copasa. Já foram gastos milhões e não teve um resultado impactante até hoje. Vários tratamentos são feitos e algas são retiradas, mas diariamente chegam esgoto e terra na lagoa. O assoreamento aparece a todo momento”.
O ambientalista se mostra cético quando ao desenvolvimento do projeto, no qual serão investidos R$ 146,5 milhões na manutenção e melhorias de natureza continuada, obras de expansão de rede e ligações previstas, além da quarta etapa do programa de despoluição da lagoa. “Desconfio de todo o projeto anunciado sobre a Pampulha. Eles estão fazendo os anúncios há décadas, sempre em época de eleições. É necessário trabalhar por metas. Se a meta for resolver a questão da Pampulha de verdade, tínhamos que questionar a Copasa se as pessoas vão realmente poder nadar e praticar esportes. Cobraremos que o tratamento de esgoto seja uma coisa séria”, disse. “Hoje, a maior parte da bacia da Pampulha pertence a Contagem, mas Belo Horizonte tem maior densidade demográfica. Temos de ver qual cidade terá maior responsabilidade no projeto”, acrescenta Apolo.
O presidente da Associação dos Bairros Cabral, Cândida Ferreira e Adjacências, Paulo Gomes, também ironizou o projeto pela falta de consulta à população. Pertencentes a Contagem, os bairros estão localizados na bacia do Córrego do Tapera, que é contribuinte para a Bacia do Sarandi e cujos descartes de esgoto vão parar na Pampulha: “Não somos participantes de nenhuma conversação ou entendimento desse processo. Ficamos sabendo pela imprensa, mas não temos conhecimento. Temos hoje o Córrego do Tapera com índices muito altos de resíduos residenciais dos bairros Kennedy, Morada Nova e Jardim do Lago e Cabral e todos são levados para a Pampulha, que é uma coisa contínua”.
Ele chama a atenção pela valorização de um dos espaços mais procurados pelos turistas em Minas Gerais: “Já fizemos várias ações junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e notificações à Copasa. Foram gastos milhões em dinheiro e não vemos ações práticas. O benefício vem não só pela questão ambiental da própria lagoa, mas é patrimônio da humanidade e o nosso cartão-postal. É uma questão de civilidade respeitarmos as águas, mas isso não é respeitado sistematicamente. Vêm planos, projetos e convênios e não há efetividade das poucas ações a serem feitas”. Gomes defende que a Copasa faça intervenções que levem o esgoto até o Riberião do Onça. “Defendemos que os cursos d'agua tenham em seu leito o que é de natureza. Os resíduos têm que ser recolhidos e se cobra muito caro por isso. Eles têm de se levados para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Onça”, propõe.