A Transporte Urbano São Miguel (Tusmil) opera o sistema de transporte público de Juiz de Fora desde 1962. São 60 anos na vida cotidiana do cidadão juiz-forano. Só que, desde 2016, quando venceu a última licitação aberta pela Prefeitura para a prestação do serviço, as críticas à empresa cresceram.
Na última licitação, a Tusmil se juntou com a Gil e formaram o Consórcio Manchester. Mas, desde que foram proclamadas vencedoras do pregão, o consórcio passou a enfrentar problemas. Primeiro, a Gil entrou em grave crise financeira. Para evitar maiores transtornos, a Tusmil assumiu o compromisso com os funcionários, com as dívidas e com as linhas que a empresa atendia.
Só que desde o início da pandemia, quem está “mal das pernas”, ou melhor, “mal das rodas”, é a Tusmil. Em 2022, a situação piorou. Quase que diariamente há denúncias, principalmente nas redes sociais, de ônibus da empresa quebrados e acidentes. Um deles, na garagem da empresa, vitimou Francisco Venâncio Pereira Filho, de 62 anos.
Na madrugada de 4 de junho, o motorista terminava o expediente quando foi atropelado por um ônibus que desceu um morro. Ele morreu na hora.
Na madrugada de 4 de junho, o motorista terminava o expediente quando foi atropelado por um ônibus que desceu um morro. Ele morreu na hora.
A morte de Francisco Venâncio está sendo investigada pela Polícia Civil, que pediu o adiamento da conclusão do inquérito em virtude da “complexidade” do caso. Em perícia contratada pela Tusmil não foi apontada falha mecânica do ônibus.
O falecimento do trabalhador levou a Prefeitura de Juiz de Fora a decretar a caducidade do contrato com o Consórcio Manchester. Ou seja, uma rescisão do vínculo. Na assinatura do decreto, a prefeita Margarida Salomão (PT) disse que a Prefeitura recebia uma média de sete notificações diárias contra a Tusmil.
Até meados de setembro, o consórcio é obrigado a continuar operando o transporte público. Enquanto isso, a prefeitura define o próximo passo: se vai abrir uma nova licitação, fará uma contratação emergencial, irá assumir o controle das linhas geridas pela Tusmil, ou convocar a segunda colocada da licitação de 2016.
Venda de consórcio já tem comprador
A melhor saída, segundo o diretor da Tusmil, Júlio Noel, é vender o Consórcio. Ele garante que há comprador. Em entrevista ao Estado de Minas não revelou o nome da empresa.
“Há uns três meses nós iniciamos uma negociação, e os representantes deste grupo vieram a Juiz de Fora especialmente para ter essa conversa com a Prefeita e ajustar tudo para assumir a empresa. Conseguimos agendar previamente um encontro com ela, mas em cima da hora foi desmarcado, deixando a cargo do secretário de Mobilidade Urbana atendê-los”, disse Noel.
O grande receio desses empresários é comprar uma empresa que está rompida com a Prefeitura. Ou seja, se o decreto de caducidade continuar valendo, não haverá interesse por parte das empresas de adquirir a Tusmil.
“Neste caso, faríamos uma reorganização societária, incluindo um investidor na Tusmil, que assumiria os ativos e os passivos da empresa”, declarou Noel.
Com a tarifa congelada em R$ 3,75 desde 2019, a prefeitura tem repassado subsídios para as empresas do transporte público. Para 2022, a PJF reservou mais de R$ 22 milhões do orçamento para este fim. No ano passado, no segundo semestre, foram quase R$ 12 milhões. No entanto, para o diretor da Tusmil, o valor é insuficiente.
“Ao congelar a tarifa desde 2019, pagando por apenas seis meses em 2021 um subsídio muito inferior ao necessário, a Prefeitura de Juiz de Fora cometeu sim diversas faltas contratuais e administrativas que colocam em risco a viabilidade do contrato de concessão”, comentou Noel.
Em planilha enviada à reportagem, a Tusmil informa que nos cinco primeiros meses de 2022, os dois consórcios que operam o transporte público em Juiz de Fora, receberam apenas R$ 2,7 milhões de subsídios da Prefeitura. E que, com isso, o sistema acumula um déficit de R$ 24.919.031,30. A Tusmil não informou o prejuízo específico do Consórcio Manchester.
Noel também justifica os problemas da Tusmil com outro argumento: que a Prefeitura de Juiz de Fora não fez um equilíbrio das linhas com o Consórcio Via JF, outra empresa que presta o serviço de transporte público na cidade. Ou seja, na fala do diretor, a Tusmil fica com as linhas mais deficitárias, como as 11 que atendem a zona rural. Só que, em contrapartida, o Consórcio Manchester opera todas as linhas que vão para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
“O fato de a Prefeitura se recusar a implementar a correta troca de linhas com o Consórcio Via JF para manter o equilíbrio entre ambos os consórcios, conforme, inclusive, foi objeto de mais de uma decisão judicial em favor da Tusmil”, reclamou Júlio.
'Tusmil não está quebrada'
Mesmo diante destes números, o diretor garante: a Tusmil não está quebrada.
“Não se pode falar isto. A empresa sempre foi saudável. Com a pandemia é que passou a acumular prejuízos, mas ainda assim manteve liquidez. O agravamento do problema se deu justamente em razão da precipitada abertura de processo de caducidade, que abalou o crédito da Tusmil, por motivos óbvios”, afirmou Noel.
A reportagem do Estado de Minas procurou a Prefeitura de Juiz de Fora e expôs todos os comentários de Júlio Noel. No entanto, em nota, a PJF optou por não se manifestar.
Rescisão aumenta notificações
O decreto de caducidade fez o número de notificações diárias de problemas nos veículos da Tusmil saltar de sete para mais de dez, segundo a Prefeitura. Na explicação do diretor Júlio Noel, esse crescimento está diretamente ligado à rescisão decretada pela PJF.
“O decreto de caducidade do contrato com a Tusmil vem dificultando a negociação para obter, junto a fornecedores, insumos e materiais necessários para manter a operação das linhas”, destacou Noel.
Outro ponto levantado pela Prefeitura no decreto de rescisão é que há coletivos da Tusmil com mais de 10 anos de carroceria rodando pela cidade, o que é proibido pelo edital. Para Júlio Noel este é outro ponto que deveria ser modificado, para dar um respiro a mais no caixa da empresa, que emprega cerca de 1.000 funcionários.
“Uma dessas medidas seria a extensão da vida útil máxima dos veículos prevista em contrato, pelo menos de 10 para 12 anos, tal como ocorreu em diversos municípios brasileiros, sendo Belo Horizonte o maior exemplo. Não faz o menor sentido as empresas serem obrigadas a renovarem suas frotas no meio de uma pandemia, com demanda baixa e diversos veículos fora de circulação”, disse.
“Portanto, a retirada dos veículos ociosos e a extensão da vida útil dos ônibus seriam medidas saneadoras que a Prefeitura de Juiz de Fora deveria ter tomado”, explica Noel.