Nesta quarta-feira (13/7), às 9h, o Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep) se reúne pela primeira vez no ano.
Na pauta, está a nomeação dos novos integrantes, que assumem para o mandato 2022-2024 já na iminência da votação do tombamento definitivo da Serra do Curral, prevista para agosto.
O processo de tornar o conjunto montanhoso patrimônio do estado é marcado por tensões dentro do conselho, acentuadas pelas polêmicas envolvendo o avanço da mineração no local nos últimos anos.
Na ocasião, os integrantes do conselho devem decidir se referendam ou não a decisão.
O tombamento provisório não altera as permissões dadas anteriormente para mineradoras instaladas no local, mas cria entraves para que novas licenças sejam aplicadas.
Fontes ligadas ao Conep ouvidas pelo Estado de Minas apontam que a medida não é suficiente para a proteção integral da serra e temem que sua aprovação na reunião de quarta-feira signifique a possibilidade de adiar, novamente, a discussão sobre a chancela definitiva da Serra do Curral como patrimônio do estado.
Em acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Iepha se comprometeu a encaminhar a votação pelo tombamento definitivo da serra até agosto deste ano.
Segundo fonte ouvida pela reportagem, que preferiu não se identificar para evitar represálias, há um receio de que o prazo possa ser estendido se houver uma decisão do Conep de que a proteção provisória é suficiente.
“A portaria é muito simplificada, não tem a mesma dimensão que o estudo feito e apresentado no Dossiê de Tombamento elaborado pela Praxis. Eles podem alegar ao MPMG que, como o provisório está referendado, é possível ter mais tempo para discutir o definitivo”, disse, se referindo ao documento feito por empresa contratada pelo Iepha e pronto desde o fim de 2020.
O temor é justificado por um histórico de medidas que adiaram a discussão do tombamento da Serra do Curral.
Em março deste ano, conselheiros do Conep, então em fim de mandato, chegaram a publicar uma carta aberta manifestando descontentamento com o andamento das tratativas sobre o tema e alegando interferência do governo estadual na agenda.
Um mês depois, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) deu aval para a instalação da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) na serra.
A preocupação com a possibilidade de a primeira reunião do Conep em 2022 se encaminhar para mais um entrave burocrático é compartilhada por ambientalistas que advogam contra a mineração no cartão-postal da capital mineira.
O movimento “Tira o Pé da Minha Serra” já convocou os participantes para o evento, que acontece na sede do Iepha, na Praça da Liberdade, em BH.
Segundo o grupo, é preciso pressionar os conselheiros pelo tombamento e a proteção integral da Serra do Curral.
Formação do conselho
O Conep é formado por 21 integrantes, sendo o cargo da presidência sempre assumido pelo secretário de Estado de Cultura e da secretaria-executiva pelo presidente do Iepha.
As demais 19 vagas são designadas pelo governador do Estado representando as seguintes instituições:
- Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - Sectes
- Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Semad
- Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana - Sedru
- Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão - Seplag
- Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais - ALMG
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan
- Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
- Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG
- Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento Minas Gerais - IAB-MG
- Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais - OAB-MG
- Associação Nacional de História - ANPUH
- Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais - ABRACOR
- Associação Mineira de Municípios - AMM
- Organização de Defesa do Patrimônio Cultural de Minas Gerais - ODEPAC-MG
- Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA-MG
- Quatro representantes da sociedade civil, detentores de notório saber e de experiência na área de patrimônio histórico material ou imaterial, designados pelo Governador do Estado.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a posse dos conselheiros às vésperas da votação do tombamento da Serra do Curral preocupa pela possibilidade da formação de um conselho com forte influência do governo de Minas.
O Executivo Estadual é apontado como facilitador de empreendimentos no local e favorável a um tombamento mais restrito que o proposto no dossiê e sem restrições às empresas que já conseguiram licenciamento para atuar na serra.
“O conselho anterior era um conselho que aprovaria o tombamento e não o empreendimento. Sobre esse novo, já não sabemos”, afirmou uma das fontes consultadas, que também optou por manter anonimato.
Pessoas ligadas aos órgãos de proteção do patrimônio e às instituições integrantes do Conep avaliam que a maior parte dos nomeados não tem autonomia para votar de forma independente.
Dos 21 integrantes, 12 são diretamente escolhidos por instituições estaduais.
Histórico de entraves
Em fevereiro de 2019, foi publicado no Diário Oficial de Minas o contrato assinado entre o Iepha e a Praxis Projetos e Consultoria Ltda. para a elaboração de um dossiê para tombamento da Serra do Curral.
O estudo ficou pronto no fim de 2020, quando, de acordo com fontes ouvidas pelo jornal, o Iepha buscou colocar o tema em pauta no Conep imediatamente, mas encontrou resistência por parte do governo estadual. Em abril de 2021, a presidente do Iepha, Michele Arroyo, foi exonerada e deu lugar a Felipe Cardoso Vale Pires.
O tema ficou travado até vir à tona na segunda reunião do Conep de 2021, ocorrida no dia 21 de dezembro. Na ocasião foi pautada a discussão de um plano de trabalho para a proteção da Serra do Curral. Alguns conselheiros questionaram a forma como o assunto foi posto à mesa, considerando a criação do plano de trabalho um passo atrás no processo, uma vez que o dossiê de tombamento já estava pronto.
Conselheiros ouvidos pela reportagem relataram que a reunião em dezembro de 2021 foi encerrada de forma abrupta, sem sequer registrar os argumentos apresentados.
Já em 2022, o clima de embate dentro do conselho permaneceu. Em 31 de março, o então presidente do Iepha, Felipe Cardoso Vale Pires instaurou Processo Administrativo Punitivo para apurar possíveis irregularidades no processo de contratação da Praxis, responsável pelo dossiê pronto há mais de um ano. O prazo de 60 dias para conclusão do processo já expirou. A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) sobre o resultado da investigação, mas não obteve resposta. De toda forma, o tombamento seguiu escanteado.
Em maio, após se pronunciar reclamando de falta de participação do Iepha no processo de licenciamento concedido à Tamisa, o então presidente do instituto, Felipe Cardoso Vale Pires, foi exonerado. O posto foi assumido por Marília Palhares Machado.