Em meio a denúncias de pedidos de demissão de pediatras em massa e de más condições de trabalho para os médicos, pacientes da UPA Norte, em Belo Horizonte, têm dificuldades em conseguir consultas para crianças. O cenário vivido na unidade do Bairro Novo Aarão Reis se soma a um histórico conturbado entre a gestão do sistema de saúde da capital e os profissionais da área.
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A costureira Elisabete Alcântara estava em situação parecida, mas ainda sem conseguir passar pela primeira etapa de atendimento com a filha Adácia, de 12 anos. “Já estamos aqui há uma hora. Ela está muito gripada e vomitando, tendo dor de cabeça. Não falaram nada sobre o atendimento, pediram só para esperar e não fizeram a triagem”.
A UPA Norte é alvo de denúncia do “Comitê de Enfrentamento CRM no SUSBH não!”, que afirma que 14 pediatras pediram demissão na unidade no início de junho. Segundo a doula Polly do Amaral, que integra o grupo denunciante, a situação se estende à UPA Leste.
“A gente fica sabendo que essa situação está caótica sim. Tem demora para chamar os concursados, demora para homologar concurso e isso tem muito tempo. Além disso, tem muitos contratos que são temporários e isso pro profissional também é complicado. E aí, junto com esse caos todo, acontece de 14 pedirem demissão da UPA Norte e 6 da Leste”, disse.
De acordo com o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sindibel), desde o fim de 2021, a UPA Norte já contabiliza 12 demissões de pediatras. O médico e coordenador de comunicação do sindicato, Bruno Pedralva, afirma que há um histórico de denúncias de funcionários à gerência da unidade no Bairro Novo Aarão Reis
“Nós temos contato direto com os pediatras e os servidores das UPAs, em especial na UPA Norte, estamos diante de um problema com o gerente local. Os pediatras saíram com críticas em relação ao cotidiano de trabalho. É uma série de fatores, que inclui a sobrecarga de trabalho e problemas de gestão”, aponta.
Segundo Pedralva, o Sindibel organiza uma visita à UPA Norte ainda nesta semana para apurar as denúncias dos trabalhadores com mais detalhes e entender a realidade do trabalho no local.
Moradores da região Norte foram ouvidos pelo Estado de Minas e confirmaram que a dificuldade em conseguir atendimento na UPA já vem de algum tempo. Fernanda de Almeida voltava da escola com os filhos Gabriela, 8, e Samuel, 3, quando relatou à reportagem sua última experiência na unidade de saúde.
“Quando eu trago eles aqui, sempre demora. Na última vez que eu vim, há uns dois meses, estava com falta de pediatra, agora não sei como está. Teve outra vez que eu vim aqui e me informaram que a espera para atendimento era de cerca de seis horas, aí eu voltei para casa. Não dá pra correr o risco de esperar esse tempo todo e ficar sem a consulta”, reclamou.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que foram rescindidos os contratos de cinco pediatras na UPA Norte e um na UPA Leste e que o quadro será reposto para o atendimento dos pacientes.
A secretaria ainda ressaltou que foram contratados 16 médicos generalistas para a UPA Norte e 18 para a UPA Leste neste ano e que os profissionais estão aptos a atender o público infantil.
Reivindicações dos médicos
Procurado pela reportagem, o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed) se posicionou ressaltando críticas antigas à operação do sistema público de saúde na capital. A categoria reclama de sobrecarga de trabalho e remuneração não compatível com o oferecido em outras cidades da Região Metropolitana.
“Essas demissões vêm mesmo acontecendo nos últimos meses. Contudo, é uma situação que nós estamos alertando há anos. Há uma situação de sobrecarga, falta de apoio e de assédio por parte de algumas gerências. Isso já foi denunciado pelo Sinmed e a prefeitura não tem mostrado uma postura de tentar resolver essa situação. O que estamos vendo é uma tentativa de criar uma cortina de fumaça. Dizer que, nesse momento, descobriu-se uma sobrecarga, que há uma remuneração menor do que na região metropolitana e uma situação de insegurança para os profissionais chega a ser um desrespeito à inteligência das pessoas”, afirma o diretor do sindicato, Artur Oliveira.
Oliveira reforçou o posicionamento dizendo que a dificuldade em fixar médicos na rede pública de BH diminui a segurança dos profissionais que tentam permanecer no trabalho. “Se agora dissermos que a culpa é de quem pediu demissão, isso aumenta a insegurança, reduz a tranquilidade de quem ainda está lá prestando atendimento e precisa lidar com uma demanda alta para poucos profissionais. Quem está para aposentar, vai correr para se aposentar, a tendência é perdermos mais funcionários. Não posso dizer que estamos à beira de uma situação de caos, nós já estamos no meio do caos”.
A PBH informa que, como uma medida para garantir o atendimento da população, o município concedeu um aumento no valor dos plantões extras de 35% em todas as unidades da rede SUS da cidade. O banco de currículos para contratação imediata de médicos segue ativo. Os interessados devem acessar o portal da Prefeitura para realização do cadastro.