Cercada pelas casas, prédios e comércio e às margens do Anel Rodoviário, uma das rodovias mais carregadas de tráfego na capital, uma grande área verde ajuda a amenizar os efeitos do vaivém frenético de carros e pessoas em meio à selva de asfalto e concreto que atualmente abriga mais de 308 mil habitantes em 70 bairros com grandes disparidades sociais na Região Nordeste de Belo Horizonte.
O Parque Professor Guilherme Lage, no Bairro São Paulo, tem cerca de 120 mil metros quadrados por onde se espalham inúmeras nascentes e duas lagoas, sendo uma delas natural, além de pequenos mamíferos, aves e rica vegetação.
Batizada em homenagem ao educador que já foi secretário estadual de Educação, a área tem hoje cerca de 1.700 espécimes de mais de 150 tipos de plantas, entre elas acácias, sapucaias, paus-ferro, ipês, quaresmeiras, palmeiras, ciprestes, mangueiras, jatobás, barrigudas e árvores de pau-brasil. A fauna é composta por micos-estrela e gambás, anfíbios, répteis e pássaros como sabiás e bem-te-vis.
Parte da diversidade vegetal do lugar vem do fato de o parque ter sido implantado, em 1982, no antigo viveiro da Prefeitura de Belo Horizonte. Boa parte da vegetação foi plantada quando o lugar funcionava como Horto Municipal, onde se produziam mudas a serem plantadas e repostas em vias, praças e parques públicos da cidade. O viveiro foi transferido em 1991 para o Parque Jacques Cousteau, na Região Oeste.
Deixou como herança a área de preservação que hoje abriga também uma estrutura de quadras poliesportivas, playground, equipamentos para exercícios físicos, mesas de jogos, campo de futebol, pista de skate, trilha para caminhada e recantos para contemplação.
Apesar de parte da estrutura estar em bom estado, alguns brinquedos, antigos quiosques que abrigavam lanchonetes e praças de convivência estão depredados. A vegetação está bem cuidada, mas o acesso ao local, aberto 24 horas, com pouca iluminação e sem vigilância permanente, tornou-se fonte de preocupação para vizinhos e visitantes.
Vandalismo na entrada do parque
O portão na guarita da principal entrada, pela Rua Angola, no Bairro São Paulo, foi arrancado. A comunidade denuncia a frequência de usuários de drogas e pessoas em situação de rua, gerando preconceito e insegurança. Quem hoje visita o parque, que já teve épocas de intensas atividades culturais e esportivas, avalia que o espaço está subaproveitado e com menos visitantes do que comportaria.
Vanessa Cordeiro, de 33 anos, empresária e nascida na região, lembra da unidade em seus tempos de criança, “quando havia um parquinho até com roda gigante”. “Tinha movimentos culturais, tinha peça de teatro aos domingos. Depois, ficou um bom tempo abandonado. Um ano antes da pandemia, começamos movimentos de recuperação da agenda do parque. Hoje já temos atividades como capoeira, maracatu, estamos tentando conscientizar a população para que use o espaço público que é nosso de direito”, explica.
O resgate de uma tradição
O afastamento de visitantes do Parque Guilherme Lage é uma preocupação também de Evanildo Lourenço Alves, de 52, mestre de capoeira, o mestre Niltinho, que diz lembrar da inauguração do Guilherme Lage, onde brincava, jogava bola e participava de rodas de capoeira.
“Por muito tempo o parque ficou esquecido. A questão de usuários de drogas e da ocupação por pessoas em situação de rua abrange outras áreas da cidade. Mas essa gente está em situação de risco social, precisamos promover saúde pública e outras atividades como forma de acolhimento”, defende.
Mestre Niltinho avalia que as atividades promovidas pela manhã no espaço ajudam a promover uma aproximação com essas pessoas, que passam a ver outros frequentadores e a ser vistas com outros olhos. “São pessoas, algumas muito bacanas, que contam sobre suas vidas, não escondem que são usuárias, falam dos motivos de estarem nessa situação. Muitos treinam, e a gente ajuda também com palavras e diálogo.”
O capoeirista, que tem uma academia de capoeira no bairro, passou a levar alunos duas vezes por semana para prática do esporte ao ar livre, ao mesmo tempo em que compartilha os ensinamentos e incentiva a participação de alguns frequentadores do espaço que estão em situação de vulnerabilidade.
Arthur Bacha Silva, de 30, advogado, morador do Bairro Santa Efigênia, frequenta as aulas de capoeira no parque às terças e quintas-feiras. “Conheci o parque por intermédio da capoeira, quando começamos a ocupar esse espaço com treinos e rodas. Várias pessoas frequentam as aulas com a gente. Acabamos fazendo um trabalho de busca de pessoas que estão em cenário de uso de droga”, afirma.
Morador do Bairro Providência, o autônomo Guilherme Dias Cruz, de 37, pratica no parque exercícios físicos e também é adepto da capoeira. “Estamos em um espaço que foi reduto da capoeira em BH nas décadas de 1970 e 80, e continua hoje, com o mestre Niltinho, referência do grupo Porto de Minas, nascido e criado no bairro, um promotor de manifestações culturais em nossa comunidade. Ele me motivou a vir treinar e a buscar conhecimento”, afirma.
Contraste de sons e na conservação
A partir da entrada do Parque Guilherme Lage, o visitante que caminha entre as árvores vai ouvindo o silêncio sendo quebrado por grupos de adolescentes que usam a quadra poliesportiva e pelo canto de muitos pássaros que aproveitam o acolhimento da área verde. Ao longe, é possível ouvir os sons dos veículos que transitam pelo agitado Anel Rodoviário, ruído que vai crescendo à medida que se caminha em direção ao outro extremo da unidade.
Em visitas quase diárias, Débora Pereira Santos Melgaço, de 31 anos, que mora há um ano no vizinho Bairro Pirajá, já se habituou a esses contrastes. “Conheço o parque desde a infância, porque nasci em bairro vizinho. Era muito bom. Natureza, ar livre, tranquilidade, isso é o que mais me atrai. Como meus filhos de 10 e 6 anos estudam próximo, vou buscá-los e sempre passo com eles pelo parque.”
Os contrastes não se resumem aos sons, entende ela. “Na minha opinião, o parque piorou no aspecto de que tinha mais atrativos, como barraquinhas de alimentos, atividades culturais e esportivas, e não havia usuários de drogas. Mas quanto aos equipamentos de ginástica e as quadras, estão muito bem”, avalia.
Almita Nunes de Carvalho, de 71, tecelã aposentada, confessa “um certo temor” quando vai ao parque. “Fica muito vazio e a gente que é mulher fica cismada. Faço caminhada, porque sou hipertensa, dou umas corridinhas. Atualmente, me sinto insegura em todo lugar, mas aqui é muito deserto e tenho até uma vizinha que não vem porque tem medo”, afirma.
"Tinha movimentos culturais, tinha peça de teatro aos domingos. Depois, ficou um bom tempo abandonado. Um ano antes da pandemia, começamos movimentos de recuperação da agenda do parque"
Vanessa Cordeiro, empresária
Ela guarda na memória os tempos em que o local era um horto florestal, e diz que nestes 50 anos em que mora no bairro, não viu florescer por lá nenhuma outra área de lazer. “No início, o horto ficou meio abandonado, as mudas foram crescendo e a população que ocupava o entorno começou a batalhar para criar um parque.”
A aposentada viu o crescimento do espaço e conta que chegou a participar de um grupo com pessoas da comunidade e da prefeitura que discutia a revitalização do parque. “Depois, sem ver muitos resultados, as pessoas foram se dispersando e acabou”, relata. Hoje, o lugar faz parte de sua memória afetiva.
“Vinha com meu filho quando era pequeno, e passeio aqui revendo os brinquedos e recordando da infância dele. Vêm na memória as brincadeiras e o que ele falava. É meu filho de criação. Hoje é um rapaz, e ficam as lembranças que o parque me ajuda a cultivar.”