Um gari, que não teve seu nome divulgado, de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, ganhou na Justiça do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) o direito de receber uma indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil, após sofrer lesões durante o serviço de coleta de seringas descartadas inadequadamente. A decisão é dos desembargadores da Primeira Turma do TRT-MG.
O homem conta que foi contratado em março de 2016. Os acidentes teriam ocorrido nos dias 23 de outubro e 26 de dezembro, no ano de 2017. Ele teve que ser afastado durante sete e cinco dias, respectivamente.
Segundo o trabalhador, os acidentes com as seringas ocorreram durante os serviços em vias públicas no município de Ribeirão das Neves. O gari também afirmou que ficou com receio de ter sido contaminado por algum vírus, como o HIV ou hepatite dos tipos B e C, e que isso lhe causou traumas psicológicos que persistem até hoje.
Ele recebeu orientações médicas para a realização de exames mensalmente, durante seis meses; mas a empresa contratante se negou a prestar assistência. Já em janeiro de 2018, quando o gari comunicou à empresa sobre a necessidade de realização de cirurgia para retirada de pedra nos rins, ele acabou sendo dispensado antes do procedimento cirúrgico.
Essa dispensa de forma discriminatória, na opinião do gari, teria motivado o pedido de indenização, com a alegação de falta de assistência na recuperação após os dois acidentes de trabalho.
Por outro lado, a empresa reconheceu a ocorrência dos acidentes, mas alega que que eles aconteceram por um caso "fortuito", e que sempre forneceu os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A empresa também negou que tenha havido discriminação na dispensa do funcionário.
Decisão Judicial
Ao decidir em primeiro grau, o juízo da Vara do Trabalho de Ribeirão das Neves negou os pedidos do gari. Mas o profissional recorreu da decisão, ratificando o pedido de indenização por danos morais. A juíza convocada Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, como relatora, entendeu que não se evidenciou qualquer conduta ilícita da empregadora relativa à dispensa do empregado, não restando provada a suposta conduta discriminatória.
A juíza entendeu que as lesões sofridas com material perfurocortante não resultaram no adoecimento do coletor, portanto, não há provas de uma possível conduta discriminatória por parte da empresa.
“Sobre a necessidade de realização de procedimento cirúrgico, com o diagnóstico de pedra nos rins, também não se trata de doença que suscita estigma ou preconceito, o que não afasta eventual ato ilícito da empregadora, pela dispensa de empregado que poderia não contar com capacidade laborativa plena, o que, todavia, extrapola o limite do pedido inicial”, completou.
Ela também ressaltou a falta de atestado ou relatório médico que comprovasse incapacidade laborativa no momento da dispensa. A magistrada reconheceu que, no caso da dispensa, não há que se falar em obrigação de indenizar.
Por outro lado, Rogêdo Ribeiro reconheceu como incontroversos os acidentes de trabalho sofridos pelo gari.
“O empregado se afastou de suas atividades laborais por cinco dias e sofreu novo acidente em outubro de 2017; ele usou medicação, porém não retornou para avaliação”, constou o relatório médico.
A juíza destacou o direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
“Assim sendo, o poder diretivo conferido ao empregador, a par de lhe assegurar a prerrogativa de organizar a forma de execução dos serviços, também lhe impõe o dever de zelar pela ordem dentro do ambiente de trabalho e, inclusive, cuidar da integridade física de todos os seus empregados”, ressaltou Ribeiro.
A julgadora reconheceu o trabalhador, no desempenho de suas funções, sofreu típico acidente de trabalho.
“A atividade desenvolvida pela empresa era de risco para aquele tipo de acidente, o que permite a aplicação da responsabilidade objetiva. Responsabilidade que independe de culpa, pois aquele que, por meio de sua atividade, cria um risco de dano, é obrigado a repará-lo, independentemente de prova de culpa ou dolo”, concluiu a juíza.
Ela também concluiu que não há que se cogitar em culpa exclusiva da vítima ou culpa de terceiro para afastar a responsabilização do acidente. Ribeiro ressaltou que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de se atribuir a responsabilidade objetiva do empregador nas atividades de gari.
“Em especial as atribuições relacionadas à coleta de lixo urbano em vias públicas, tendo em vista o risco acentuado de acidentes dessa natureza”, completou.
Após identificar a presença do dano e da responsabilidade objetiva da empresa, a Ribeiro concluiu que é inarredável o dever de indenizar.
“Não podemos olvidar a angústia sofrida pelo trabalhador em razão do risco de contaminação com uma série de patologias, como o HIV, hepatite B, hepatite C”, destacou.
Por fim, a juíza concluiu que a empresa tem o dever de pagar uma indenização equitativa e que compense a vítima pelo sofrimento que lhe foi causado; o valor estabelecido é de R$ 20 mil.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região informou que houve recurso de revista, mas ele não prosseguiu, tendo em vista que não foi comprovado o pagamento das custas. O homem já recebeu os seus créditos trabalhistas e o processo foi arquivado definitivamente.