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Estado de Minas GRANDE BH

ONG diz que estratégia de megaempreendimento dribla licenciamento rigoroso

Para ambientalistas, condomínio que projeta 150 mil novos moradores na Lagoa dos Ingleses licencia pequenas áreas para fugir de normas mais rígidas. Grupo nega


02/08/2022 04:00 - atualizado 02/08/2022 22:51

vista de área
Novo empreendimento ao lado de área já ocupada: para ativistas, licenciamento "pelas beiradas" poupa empreendedores de provar que não afetarão disponibilidade de água em área estratégica. Empresa nega (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


Quase quatro anos após o processo conturbado que levou à aprovação de licença prévia para expansão de megaempreendimento imobiliário na Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, na porção Sul da Região Metropolitana de BH, ambientalistas sustentam que está em curso uma estratégia para driblar uma regulação mais rigorosa por parte dos órgãos ambientais do estado. ONG que atua na região da Serra da Moeda aponta que a empresa dona do terreno do condomínio fracionou as áreas onde pretende construir, com o objetivo de conseguir regras de licenciamento mais brandas, em ação que, para os denunciantes, põe em risco o patrimônio hídrico do local.
 
A ONG Abrace a Serra da Moeda sustenta que a CSul Lagoa dos Ingleses adota uma estratégia jurídica para licenciar a expansão do condomínio sem a necessidade de mensurar os impactos globais que a atividade pode trazer. Segundo a organização, a empresa tem um projeto a longo prazo para construir em uma área de mais de 200 mil hectares, que formaria uma mancha urbana com mais de 150 mil novos habitantes no condomínio em Nova Lima.
 
Um empreendimento dessa magnitude implicaria em uma análise rigorosa, envolvendo, entre outros aspectos, um estudo que comprovasse a viabilidade hídrica para um loteamento em uma área tão grande, segundo os integrantes da organização. De acordo com o advogado da ONG Abrace a Serra da Moeda, Oswaldo Silva, a CSul optou por uma estratégia de avançar “aos poucos”.
 
“Um empreendimento do porte que estão planejando, para quase 200 mil pessoas mais comércio, uma cidade completa construída em estágios até 2065, é um empreendimento classe 5 (segundo maior potencial poluidor na gradação do estado). Tem um grau elevado de exigência ambiental. Aí o que eles fazem: pegam esses 20 mil e transformam em parcelas 100 hectares, uma ao lado da outra. Aí começam a pegar licença para 100 hectares, que seria classe 3, cujos requisitos são menores, nem precisa passar pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), por exemplo”, explica.
 
O que os integrantes da ONG apontam é que o empreendimento se baseia na Deliberação Normativa 217/2017 do Copam, que determina uma exigência menor para licenciar intervenções em áreas inferiores a 100 hectares. Com isso, o empreendedor consegue expandir aos poucos seu loteamento, sem precisar demonstrar que o impacto não afetará as nascentes e a disponibilidade hídrica da região.

Cronologia do megaempreendimento

Em fevereiro de 2021, a CSul teve o primeiro Licenciamento Ambiental Concomitante aprovado na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A decisão ampliou os direitos concedidos por licença prévia concedida pelo Copam em 2018, conferindo à empresa as licenças de Instalação e de Operação para uma área de 71,6 hectares. Cada hectare equivale a medida aproximada de um campo de futebol.
 
Nove meses depois, em novembro, a CSul conseguiu o segundo Licenciamento Ambiental Concomitante, desta vez de uma área de 95,24 hectares. Assim como na anterior, a área fica em Nova Lima. Segundo a ONG Abrace a Serra da Moeda, há uma terceira licença já em processo de solicitação na Semad.
 
Ainda segundo a pasta, a licença ambiental emitida já possui condicionante e medidas de monitoramento ambiental, inclusive dos recursos hídricos, aprovadas pelo Copam.
 
Em nota, a Semad informou que a CSul obteve licença prévia para o empreendimento, com previsão para desenvolvimento do loteamento ao longo de 50 anos, na classe 5, a mais alta classe possível para esse tipo de atividade. A secretaria salienta que a instalação e operação do empreendimento se dá em diferentes fases de desenvolvimento, o que já estava previsto no licenciamento. 
 
Ainda segundo a pasta, a licença ambiental emitida já possui condicionante e medidas de monitoramento ambiental, inclusive dos recursos hídricos, aprovadas pelo Copam.

Ambientalistas cobram monitoramento 

“Aqui ao lado, está a nascente mãe-d’água, que abastece 10 mil famílias no Vale do Paraopeba, em Brumadinho. Além disso, a Serra da Moeda é um divisor de águas. A Leste, nós temos a Bacia do Rio das Velhas; a Oeste, a do Rio Paraopeba. Então toda a água que cai aqui em cima abastece esses dois sistemas. Essa água que fica armazenada na vertente do Velhas, na época de seca, alimenta os cursos menores que, por sua vez, alimentam o rio. É um contribuinte para as duas principais fontes de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, afirma o ambientalista Cleverson Vidigal, da ONG Abrace a Serra da Moeda, destacando a importância da região para a disponibilidade hídrica na Grande BH.
 
Em março deste ano, a ONG Abrace a Serra da Moeda interpôs recurso administrativo na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pedindo a reconsideração da decisão do Copam que aprovou Licença Prévia para a expansão da Csul em 2018; a suspensão das licenças de Operação e Instalação concedidas no ano passado; e que a empresa instale instrumentos para monitorar o nível da água em nascentes e reservatórios próximos aos pontos de bombeamento para o condomínio.
 
De acordo com o geólogo Ronald Fleischer, da ONG, o que a organização pede é que haja uma forma de fiscalizar os impactos do avanço do empreendimento imobiliário na região. “Construíram em 100 hectares e não baixou o nível da água, tudo bem. Mais 200 hectares, não baixou nada também, ok. Mais 300 hectares e foi verificado que começou a baixar, então, que se pare o empreendimento e se cobre uma avaliação. O que queremos é obrigar que exista um monitoramento para medir o impacto de cada avanço”, explica.
 
A argumentação apresentada no recurso feito junto à Semad reforça a explicação de Fleischer. O documento cita também que o acompanhamento dos recursos hídricos da região ainda permitirá conhecer a realidade da área, que tem sido afetada pela falta de chuvas nos últimos anos.
 
“Não é razoável aprovar a viabilidade hídrica de um loteamento para 150 mil pessoas, numa área total de 2.015,30 hectares, que terá seu ápice de impactos em três ou quatro décadas. Nesse período há muitas circunstâncias locais que podem alterar a análise de impacto do empreendimento e, por outro lado, é uma oportunidade para os empreendedores e poder público aumentarem o conhecimento científico sobre os aquíferos da região, hoje muito mal conhecidos. Outro aspecto relevante é uma análise apurada da evolução climática da região, devido à imprevisibilidade pluviométrica evidente nos últimos anos, o que compromete a recarga do aquífero”, aponta trecho do documento. 

O outro lado 

Em nota, a Csul afirma que a denúncia da ONG Abrace a Serra da Moeda é baseada em um argumento falso, sustentando que as licenças de Instalação e Operação devem ser feitas por áreas menores, uma vez concedida a Licença Prévia. Como o projeto de expansão da empresa se dará ao longo de 30 anos, de acordo com a empresa ela segue o rito técnico no enquadramento específico do órgão licenciador.
 
A empresa ainda aponta que o licenciamento ambiental da expansão foi completo, com mais de 90 reuniões ao longo de cinco anos de processo, envolvendo prefeituras, ONGs e comunidades do entorno, passando inclusive por audiência pública, seguindo o devido trâmite legal.
 
Segundo a empresa, foi apresentado aos órgãos públicos um estudo inédito que prevê um projeto de desenvolvimento urbano sustentável, com planejamento para implantação em mais de 30 anos, levando em consideração as premissas de sustentabilidade, mobilidade e conceitos de novo urbanismo, com bairros integrados com a natureza ao seu redor.
 
A nota informa ainda que foi feito um estudo hidrológico de larga escala, inédito para a região em termos de complexidade e detalhamento. A empresa sustenta que foram investidos 43 meses e mais de R$ 10 milhões em pesquisa hidrogeológica que comprovou, segundo a Csul, com dados primários, a capacidade de abastecimento de água para a região.
 
“O Grupo CSul reafirma a transparência dada a todo o processo e sua legalidade, tanto que não há decisões judiciais contrárias que indiquem falha de procedimento ou desacordo com a legislação ambiental”, conclui a nota da empresa. 

150 mil habitantes

A comunidade do empreendimento que vem sendo licenciado em Nova Lima equivaleria hoje à 18ª cidade mais populosa do estado, segundo o IBGE. Reuniria mais moradores que 535 municípios mineiros.

Saiba mais
 
Histórico de embates

A história recente entre a CSul e o Copam envolve bastante desgaste. Antes de conseguir a aprovação de licença prévia no conselho, em setembro de 2018, a empresa passou por dois anos de deliberações, esbarrando na oposição de integrantes que questionavam, entre outros pontos, a viabilidade hídrica do projeto.

O longo imbróglio no Copam ocorreu para a aprovação da primeira fase do licenciamento, já que a Licença Prévia não permite o loteamento efetivamente. Para isso, a empresa precisa das licenças de Instalação e de Operação, justamente as que estão sendo obtidas para áreas reduzidas via Semad, sem precisar passar pelo conselho – órgão de licenciamento ligado à secretaria, mas formado por integrantes do governo estadual e entidades, de ONGs e de outras organizações da sociedade civil que tenham atuação na área de meio ambiente.
 


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