Jornal Estado de Minas

EFEITO DA POBREZA

Fome que virou emergência no 190 expõe tragédia nacional


Retrato da fome que aflige 33 milhões de pessoas no Brasil, um menino de 11 anos ligou para a Polícia Militar para pedir comida em Santa Luzia na noite de terça-feira. A família é liderada por uma mãe solo, que está desempregada, e mora no Bairro São Cosme, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.




 
No áudio, o menino Miguel Barros diz que tem cinco irmãos e não há comida em casa, só farinha e fubá. “Estou com fome. Nada pra comer, desde cedo”, afirmou. Os policiais do 35° Batalhão da PM chegaram à casa suspeitando de maus-tratos, mas encontraram a residência limpa e arrumada e as crianças estavam bem.
 
A mãe, Célia Arquimino Barros, de 46, não sabia que o menino tinha feito a ligação. Ela disse que tenta driblar a fome dos filhos com água e fubá mas não está conseguindo resolver o problema. Segundo Célia, que está desempregada, o auxílio do Bolsa Família há muito tempo não é suficiente para sustentá-los.
 
Após a ocorrência, os policiais compraram uma cesta básica e outros mantimentos para que a família pudesse comer. A história se espalhou e mobilizou outras pessoas, que organizaram doações para Célia e seus filhos. Quem quiser, pode encaminhar doaçõesà família por meio do 35º Batalhão.




 
situação de Célia e seus filhos está longe de ser única. De acordo com uma pesquisa divulgada em 8 de junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil neste ano. O número equivale a 15% da população do país e quase dobrou em relação a 2020, primeiro ano da pandemia.
 
Em pouco mais de um ano, 14 milhões de pessoas foram adicionadas à trágica conta dos que sofrem com a fome, de acordo com os dados do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de COVID-19 produzido pela Penssan, coletados entre novembro de 2021 e abril último, nos perímetros urbano e rural, em todas as cinco regiões do país. Em 2020, o número de pessoas que passavam fome era de 19 milhões.
 
A insegurança alimentar atinge mais da metade dos brasileiros: 125 milhões ou 60% da população. Segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), quem passa fome dentro de casa está sujeito a insegurança alimentar grave. Em outros níveis, ela é considerada moderada quando a qualidade da alimentação está comprometida e não há comida o suficiente para todos da família. E é leve quando se consome produtos de menor qualidade por medo de faltar comida.




 
De acordo com o estudo, na média nacional, três em cada 10 famílias enfrentam a incerteza quanto ao acesso à comida diariamente. No Sudeste, onde Célia vive com seus filhos, 16% das pessoas estão nessa situação. Uma tragédia ainda mais extensa nas regiões Norte e Nordeste do país, onde os índices chegam, respectivamente, a 28% e 33% da população. No Centro-Oeste são 16% e no Sul, 12%.
 
“Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013, reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares. As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, avalia Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan.
 
Apenas quatro a cada 10 domicílios brasileiros têm pleno acesso à alimentação. A pesquisa também revelou que 65% dos lares comandados por pessoas pretas ou pardas apresentam insegurança alimentar em algum grau; das casas com chefes de família brancos são 53,2%. Das famílias comandadas por mães solo, 19,2% sofrem com a fome; 11,9% das comandadas por homens.

*Estagiárias sob supervisão das subeditoras Jociane Morais e Rachel Botelho