Jornal Estado de Minas

ENFERMAGEM

Entidades de saúde alertam que piso para enfermeiros pode fechar hospitais

Fechamento de hospitais e a demissão em massa, prejudicando, principalmente, a população mais necessitada, atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses são os riscos apontados pelas entidades do setor de saúde diante da fixação do piso salarial para os enfermeiros em R$ 4.750,00, sem a criação de novos recursos para as entidades pagarem o custo adicional.





 

O novo piso para a categoria foi instituído por meio da Lei 14.434/2022, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em 5 de agosto.

 

A possibilidade de fechamento de hospitais e outras consequências da implantação do piso para os enfermeiros, sem a identificação de fontes de recursos para custear o aumento de despesas com funcionários, são apontadas pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Saúde (CNSaúde), em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a nova legislação. Outras entidades do setor também entraram com ação semelhante no STF.

 

 

 

A preocupação maior está entre os hospitais filantrópicos, que mais dependem dos recursos do SUS e que terão que pagar o piso de imediato, junto com os estabelecimentos da rede privada.

 

Pela lei aprovada pelo Congresso e promulgada por Bolsonaro, os hospitais públicos deverão adotar o piso dos enfermeiros a partir de 2023, tendo em vista a necessidade de adequação de seus orçamentos anuais.





 

Em Minas Gerais, existem 357 entidades hospitalares filantrópicas, incluindo Santas Casas, situados em 293 municípios, que são impactados pela medida, de acordo com a Federação das Santas Casas e Hospitais de Minas Gerais (Federassantas).   

 

“Infelizmente, o fantasma das demissões e do fechamento de serviços é algo possível de acontecer”, afirma a presidente da Federassantas, Katia Rocha, ao alertar dos riscos ao setor, caso não sejam criadas fontes de verbas públicas para compensar o aumento de despesas diante da obrigatoriedade do pagamento do piso salarial para a enfermagem.

 

Além dos R$ 4.750 para os enfermeiros, o piso abrange os técnicos de enfermagem (mínimo de R$ 3.325,00), os auxiliares de enfermagem e parteiras (R$ 2.375,00). “Hoje é impossível para nossas instituições fazer frente a esses valores sem a incorporação de novos públicos, porque as instituições já enfrentam, de longa data, o déficit no custeio do atendimento ao SUS”, afirma Katia Rocha.

 

“Não temos sobras de recursos financeiros. Muito pelo contrário, lidamos com déficit. Então, infelizmente, sem fonte de recurso novo, não temos condições de honrar (o pagamento do piso da enfermagem). Realmente, a lei fica impraticável no setor”, afirma a presidente da Federassantas.





 

“Na mesma velocidade que aprovaram uma lei (do piso para categoria dos enfermeiros) deveriam ter indicado de onde virão os recursos para o pagamento”, completa.

Dificuldades

O Hospital Aroldo Tourinho, mantido pela fundação hospitalar homônima, em Montes Claros, no Norte de Minas, é uma das instituições filantrópicas conveniadas ao SUS que têm a manutenção de seus serviços ameaçada por causa da obrigatoriedade de pagamento do piso da enfermagem. 

 

O hospital tem 736 funcionários, incluindo 60 enfermeiros, 237 técnicos de enfermagem e dois auxiliares de enfermagem.

 

De acordo com números divulgados pela Fundação Hospitalar Aroldo Tourinho, 80% das receitas da instituição vêm do SUS, totalizando R$ 2,5 milhões. Com o pagamento do piso da enfermagem, a despesa a funcionários da entidade filantrópica vai passar de R$ 2,05 milhões (em julho) para R$ 2,772 milhões em agosto, um aumento de 32,32 (R$ 724,6 mil).

 

O presidente da fundação, Paulo César de Almeida, alerta que, sem o aporte financeiro pelo Poder Público, o hospital “está em risco de fechar as portas”, pois os recursos recebidos do atendimento a particular e convênios correspondem a somente 20% de suas receitas, não sendo suficientes para cobrir as despesas do hospital.





 

“Se não houver um aporte adicional de recursos por parte dos entes públicos – União, Estado e Municípios –, a sobrevivência dos hospitais filantrópicos está ameaçada com a aprovação piso da enfermagem”, adverte Almeida.

 

“A medida é justa e legítima, uma conquista pretendida pela categoria há muitos anos. A questão não é que seja justa ou injusta. A questão é saber quem vai pagar a conta. Como superar o ônus do novo piso”, observa o dirigente do Hospital Aroldo Tourinho.

Números

 Na ADI protocolada no STF, a qual foi designado como relator o ministro Luís Roberto Barroso, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Saúde (CNSaúde) alerta que, sem a criação de novas fontes de receitas para o setor, a obrigatoriedade do pagamento imediato do piso para a enfermagem terá como uma das consequências  “o fechamento de hospitais (sobretudo os sem fins lucrativos e aqueles localizados em regiões menos favorecidas do país), com consequente diminuição do número de leitos à disposição da população”.





 

A CNSaúde destaca que é a confederação sindical máxima no setor hospitalar, de clínicas, laboratórios e demais serviços de saúde do Brasil e que o setor congrega mais de 250 mil estabelecimentos de saúde, dos quais são 4.198 hospitais, empregando mais de 2,5 milhões de trabalhadores. Desse total, 190.358 vagas formais de trabalho foram criadas apenas nos últimos 12 meses, lembra a entidade.

 

Na ação encaminhada ao Supremo, a Confederação dos Estabelecimentos e Serviços de Saúde anexa um estudo sobre a média dos salários pagos atuais aos enfermeiros em todos os estados brasileiros. Em Minas Gerais, a média salarial dos enfermeiros é de R$ 2.961,00, o que implica em aumento de 60% para alcançar os R$ 4.750,00 do piso fixado para a categoria.

 

Conforme o estudo, São Paulo paga o melhor salário médio aos enfermeiros – R$ 4.322,00 – 10% abaixo do piso. A Paraíba é o estado onde a categoria recebe a menor média salarial, R$ 2,052,23, o significa a necessidade de um reajuste de 131% para alcançar o valor mínimo fixado pela Lei  14.434/2022.





 

Na Adi, além de ressaltar os impactos do piso para os hospitais e para a clientela do SUS, a CNSaúde ressalta o valor da atuação dos enfermeiros.

 

“A importância dos profissionais da enfermagem no sistema de saúde é autoevidente: são eles que acompanham o dia-a-dia dos pacientes, verificam os sinais   vitais e aplicam medicamentos.  A notabilidade dessa atuação ficou ainda mais em voga no enfrentamento da pandemia da COVID-19, em que aqueles que atuaram na linha de frente contribuíram – decisivamente – para poupar muitas vidas”, descreve.

 

Por outro lado, a entidade ressalta a criação do piso diante da falta de dinheiro para o pagamento do valor salarial mínimo para a categoria: “no caso concreto do chamado ‘piso da enfermagem’, fica claro descumprimento de uma máxima econômica basilar. É que primeiro se arruma o dinheiro para fazer frente a um determinado investimento e depois se aplica esse recurso. Nunca o contrário”.

Conquista da categoria

A presidente em exercício do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG), Maria do Socorro Pacheco Pena, afirma que o piso dos enfermeiros é uma conquista histórica da categoria e que espera que o valor mínimo seja pago por uma questão de Justiça.





 

“A enfermagem tem um papel relevante na assistência e na gerência das unidades de saúde públicas e privadas; A pandemia veio apenas rasgar o véu dessa importância para uma sociedade, que, muitas vezes, não compreendia esse trabalho. A sociedade nos enxergou. A partir daí, foi construída uma série de elogios e de palmas.  Mas o que  queremos mesmo é dignidade salarial, condições de trabalho dignas”, diz Maria do Socorro Pena. 

 

“Esse piso (é) mais do que uma vitória, é uma justiça histórica. A luta pelo piso salarial da enfermagem ultrapassa a 34 anos. O piso é constitucional. É direito e seguiu todos os ritos necessários. Tivemos uma vitória com sinônimo de justiça histórica”, afirma a presidente do Coren-MG.