Jornal Estado de Minas

TRADIÇÃO

Montes Claros: início das Festas de Agosto colore as ruas nesta quinta (18)


As ruas do Centro de Montes Claros, no Norte de Minas, ganham a partir desta quinta-feira (18), a animação e o colorido das roupas e fitas dos grupos de catopês, marujos e caboclinhos. Eles são astros das Festas de Agosto, que representam uma das manifestações da cultura popular mais antigas de Minas Gerais, com registro oficial de quase dois séculos.



 

A tradição, que atrai centenas de visitantes à cidade-polo do Norte de Minas, volta a ser realizada depois de dois anos de suspensão, por  causa da pandemia do Coronavírus (COVID-19). As festividades prosseguem até o próximo domingo (21/08), com uma programação artística, além da parte religiosa e folclórica.

Na manhã desta quinta-feira, foi realizado o cortejo de Nossa Senhora do Rosário (nas cores azul e branco), que saiu da Praça Dr. João Alves (Automóvel Clube), em direção à Igrejinha do Rosário.

Na sexta-feira (19/08), haverá o Reinado de São Benedito (nas cores branco e rosa). Já para  manhã de sábado (20/08), está marcado o Cortejo do Império do Divino Espírito Santo (cor vermelha).





 

O desfile de encerramento será no domingo (21/08), com a participação dos integrantes de todos os cortejos. Eles sairão da Praça da Matriz e vão percorrer as ruas  centrais da cidade até a Igrejinha do Rosário.

História centenária 

 Oficialmente, de acordo com o livro “Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes”, do historiador Hermes de Paula, o primeiro registro de realização das Festas de Agosto na cidade é de 1839, portanto há 183 anos. Hermes de Paula também registra que as festividades marcaram a coroação do Imperador Dom Pedro II em 1841.

 

O professor, pesquisador e doutor Antropologia João Batista Almeida Costa, que integrou o corpo docente do mestrado em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), ressalta que as Festas de Agosto teriam sido iniciadas bem antes do ano registrado por Hermes de Paula.



Segundo ele,  o explorador francês Auguste de Saint-Hilaire faz o primeiro  registro das  festas em 1811, no livro “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais”, publicado em 1822.

 

“O  surgimento das Festas de Agosto tem várias temporalidades. A primordial, ou seja a origem da mesma, está vinculada aos festejos à Senhora do Rosário e se perde no tempo. O viajante francês Saint-Hilaire, quando passa pelo Arraial das Formigas dos Montes Claros de Nossa Senhora e São José, no mês de agosto, informa em seu relato a realização do festejo com o batuque dos negros. Como ele não suportava o toque dos tambores, foi conhecer as minas de salitre que existiam no entorno do arraial e também a Lapa Grande, onde deixou sua assinatura numa das paredes”, descreve o pesquisador.

 

Costa também afirma que os festejos de  São Benedito e do Divino Espírito Santo foram “juntados” à Festa de Nossa Senhora do Rosário em 1910, por determinação do primeiro bispo da cidade, dom Joao Pimenta. “Os  marujos que festejavam em maio o Divino Espírito Santo e os Caboclinhos, que festejavam São Benedito em outubro, se agregaram aos festejos dos Catopês à Senhora do Rosário”, assegura explica.

 

O pesquisador e  antropólogo ressalta a relevância cultural do evento. “A  presença dos festantes catopês, marujos e caboclinhos, celebrando a Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espirito Santo, é o memento mais fundamental da nossa cultura, pois nela está a alma de cada um de nós e da nossa cidade, que reverbera em toda a região. Respira, transpira e exulta nossa identidade”, opina.





 

“Ficamos dois anos sem a realização presencial das Festas de Agosto e, creio, todos sentimos a ausência do pulsar de nossa alma nesse momento cultural, religioso e festivo, ainda mais no tempo do isolamento. Retornar aos festejos e estar com os Ternos louvando aos Santos, com  os cortejos simbolicamente retratando nossa sociedade, é alargar nossa alma, nossa alegria”, completa o pesquisador.

 

Origem na cultura negra

 

Os grupos de catopês, dançantes das Festas de Agosto de Montes  Claros, correspondem aos conjuntos de congadas de outros lugares. Eles tiveram a origem na cultura negra. No livro “Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes” (cuja primeira edição foi lançada em 1857), o historiador Hermes de Paula descreve os grupos: “os componentes são pretos muitos dóceis e alegres”.

 

O professor e doutor em antropologia Joao Batista Almeida Costa ressalta que os catopês de Montes Claros evidenciam uma origem diferenciada das congadas de Minas Gerais, relacionada com  os negros.

 

“Isto pode ser comprovado pela forma como (os catopês) dançam, louvando os santos, em pé sem se curvar, chorando a escravidão, cantando músicas que nas comunidades quilombolas norte mineiras também são cantadas. E na bandeira dos catopês é ostentada a frase "Com Nossa Senhora do Rosário seremos felizes", evidenciando a alegria e não o sofrimento. Metaforicamente essa frase informa a presença majoritária de afrodescendentes livres e não sujeitados à escravidão”, observa.

 

“É  possível afirmar que a raiz dos catopês não são os congados mineiros, mas os festejos ao Rei de Congo, como ocorria na África e no Nordeste brasileiro, sendo assim, ele é mais próximo aos maracatus do que aos Congados”, assegura Almeida Costa.