“O nosso salário é a alegria do povo”. Com esta afirmação, José Hermínio Ferreira Pinto, o “mestre Hermínio”, revela o espírito e o perfil dos componentes dos grupos de catopês, marujos e caboclinhos, os protagonistas das Festas de Agosto, que encantam moradores e visitantes de Montes Claros.
Dando sequência à programação das festas, na manhã deste sábado (20/8), foi realizado o cortejo do Império do Divino Espírito Santo, acompanhado por milhares de pessoas nas ruas centrais da cidade-polo do Norte de Minas.
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Os mestres e integrantes dos grupos folclóricos das Festas de Agosto de Montes Claros são, na maioria, trabalhadores simples que, durante o evento, deixam suas atividades cotidianas para se dedicar aos festejos. Eles carregam na alma a devoção, com o sentimento de fé e muita alegria. Recebem muito carinho por parte do público, que os trata como astros, com pedidos de “selfies” e gravações de vídeos para postagens nas redes sociais.
Mestre Hermínio, de 63 anos, é um dos astros das festividades marcados pela simplicidade. Morador do Bairro Renascença, local humilde da cidade, ele trabalha como padeiro e chefia um dos dois grupos de marujos que desfilam durante o evento.
“A gente fica muito contente. O pessoal aplaude... a gente procura fazer o melhor possível. Ai, o pessoal agrada (agradece) muito. Então, este que é o salário da alegria. (A alegria) é tudo que a gente pode fazer e pode receber nas Festas (de Agosto) de Montes Claros, sempre agradecendo’, relata ele.
Na manhã deste sábado, seguindo a tradição, dominado pela cor vermelha, o Cortejo do Divino Espírito Santo saiu da Praça Doutor João Alves (Praça do Automóvel Clube) e passou pelas ruas Dom Joao Pimenta e Camilo Prates, Praça Doutor Carlos e Rua Governador Valadares, até chegar à Igrejinha do Rosário, na Avenida Coronel Prates.
Dentro da capela, além de missa celebrada pelo padre Joao Batista Lopes, os grupos se apresentaram entoando cantos religiosos.
Uma das manifestações mais antigas de Minas
As Festas de Agosto da cidade-polo do Norte do estado representam uma das manifestações da cultura popular mais antigas de Minas Gerais, com registro oficial de quase dois séculos.
De acordo com o livro “Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes”, do historiador Hermes de Paula, o primeiro registro oficial de realização da festividade no município é de 1839, portanto há 183 anos.
Hermes de Paula registra que os festejos marcaram a coroação do Imperador Dom Pedro II em 1841. Ele também disse ainda antigamente, no mesmo período das Festas de Agosto, eram na cidade as “cavalhadas”, que não acontecem mais.
Já o professor, pesquisador e doutor em Antropologia, João Batista Almeida Costa, que integrou o corpo docente do mestrado em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), ressalta que as Festas de Agosto teriam sido iniciadas bem antes do ano registrado por Hermes de Paula.
Segundo ele, o explorador francês Auguste de Saint-Hilaire faz o primeiro registro das festas em 1817, no livro “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais”, publicado em 1822.
Almeida Costa também afirma que os grupos de catopês de Montes Claros (que se equivalem aos congados de outros lugares) tiveram a origem na cultura negra, ainda nos tempos da escravidão. Os marujos foram oriundos das tradições portuguesas enquanto os caboclinhos representam os indígenas.
Retorno depois de dois anos
Nesta semana, a alegria e animação dos catopês, marujos e caboclinhos retornaram às ruas de Montes Claros depois de dois anos de suspensão por causa da pandemia de COVID-19.
“A rua é nossa de novo depois de dois anos”, comemora o mestre Hermínio. Com gratidão a Deus pela “volta” do evento, ele confidencia que teve receio de que as festividades não viessem acontecer mais devido aos efeito da pandemia, à qual se referiu como “coisa da fraqueza humana”.
Por outro lado, ele salienta que nunca perdeu a esperança e a fé em Deus. “O senhor tem dado muita alegria pra gente e um pouquinho de esperança. A gente tinha um pouquinho de esperança. Essa esperança foi crescendo e chegamos até aqui”, afirma o mestre do grupo de “marujada” de Montes Claros.
Novos mestres
Hermínio é um dos representantes da nova geração de mestres dos grupos de catopês, marujos e caboclinhho. Eles assumiram os seus postos devido ao falecimento dos antigos mestres nos últimos anos. Hermínio passou a comandar o segundo grupo de marujos de Montes Claros (que tem 37 componentes) em 2016, após à morte do mestre “Tone Cachoeira”, que liderava o grupo.
O “caçula” da nova geração de mestres dos conjuntos de dançantes das Festas de Agosto é Joao Pimenta dos Santos Júnior,. Ele substitui ao pai, João Pimenta dos Santos, o Mestre Zanza, que faleceu em 25 de outubro de 2021, aos 88 anos.
O Mestre Zanza era presidente da Associação de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros, cargo herdado pelo seu filho, que é chamado de Mestre Zanza Júnior.
“Pra mim, é motivo de muita emoção e de muita responsabilidade também estar à frente da associação e das festas. A gente faz tudo com muito amor, carinho e devoção”, afirmou o Zanza Júnior.
Ele ressalta que Mestre Zanza sempre será lembrado nas Festas de Agosto. “Pra mim, é a mesma coisa da gente continuar vendo ele nos desfiles nas ruas”, afirma Junior, lembrando que sua família vai continuar se dedicando à preservação da manifestação folclórica e religiosa.
“Ele (Mestre Zanza) deixou um legado para nossa família, mas um legado que compartilho com toda população, com um sentimento de pertencimento a cada um de nós”.
O Mestre Zanza também era um trabalhador simples – trabalhou como pintor de parede antes de aposentar. O filho dele, Júnior, é construtor e formado em Psicologia.
O sucessor do Mestre Zanza afirma. “eu, meus irmãos e minhas irmãs, vamos continuar remando nessa caminhada de fé e devoção”. É assim, com esse espírito, que as Festas de Agosto prosseguem ao longo de séculos, de geração para geração".