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Estado de Minas MINERAÇÃO

Casa de Pedra: megabarragem da CSN em obras volta a preocupar vizinhos

Em Congonhas, maior represa de rejeitos urbana do mundo passa por intervenções depois de erosão em encosta, deixando comunidade apreensiva


21/08/2022 04:00 - atualizado 21/08/2022 07:29

Morador observa de casa a estrutura gigante
Morador observa de casa a estrutura gigante: algumas moradias podem ser atingidas em segundos, em caso de desastre. Empresa garante que estrutura é segura (foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS)
Congonhas –  Depois de evacuações, abandono de equipamentos públicos e apreensão com desmoronamentos na área da maior barragem urbana do mundo, os olhos de 2,5 mil pessoas diretamente ameaçadas se voltam para as obras que se iniciaram em uma área erodida de 2 mil metros quadrados, um rombo aberto pelas chuvas de fevereiro em parte de morro natural que apoia a Barragem Casa de Pedra, em Congonhas, cidade histórica da Região Central mineira, a 82 quilômetros de Belo Horizonte.

Na segunda-feira (8/8) operários começaram limpeza para cobrir de concreto o local de deslizamentos, de forma a impedir que mais chuvas ameacem o terreno. A empresa e as declarações na Agência Nacional de Mineração dão conta de que as barragens estão estáveis.


As obras representam mais dias de angústia para a população dos bairros congonhenses Dom Oscar, Cristo Rei, Residencial Gualter Monteiro e Eldorado, principalmente por não ser essa a única intervenção no complexo de barragens da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na cidade.

Acima da Barragem Casa de Pedra está o barramento B4, uma das estruturas construídas com ampliação de capacidade a montante, a mesma técnica de alteamento das barragens que se romperam em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019), e que deveria ter sido desmanchada neste ano. Ela está tendo os cursos de água que a formaram desviados para ser descaracterizada, um processo delicado, que deve ser concluído apenas em 2028, segundo a empresa.

Outro fator que também preocupa a população e ativistas ambientais é a quantidade de água entrando na Barragem Casa de Pedra, parte dela com aspecto lamacento, mesmo nesta época de chuvas escassas. Uma situação que não deveria ocorrer, já que a barragem oficialmente não recebe mais rejeitos e não pode ser ampliada.

Um desses cursos é a antiga canaleta que levava água com rejeitos do tratamento do minério de ferro, responsável por criar a barragem. A reportagem constatou, em dia de céu limpo, o aspecto escuro da água, que pode ser indicativo de rejeitos. Outros dutos que parecem vir das prensas de desidratação também ingressam na Casa de Pedra com o mesmo aspecto.

“São vários cursos com essa água de aparência suspeita. Vemos também acúmulos que parecem divisões alagadas dentro da estrutura da barragem. Água, a gente sabe que entra e sai da barragem, mas a Casa de Pedra não deveria mais receber rejeitos. Isso tudo nos preocupa. Será que esse comportamento contribuiu ou causou saturações que terminaram com o deslizamento de fevereiro?”, questiona o diretor da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), o ambientalista Sandoval de Souza.

A CSN afirma que a água com aspecto escuro não contém rejeitos da produção de minério de ferro, que segundo a empresa são estocados em pilhas a seco. De acordo com explicação da mineradora, o aspecto da água se deve a sedimentos em suspensão drenados da área interna de atividades e que correm por diversos canais até as chamadas lagoas de clarificação.

Menina caminha sobre livros que sobraram do acervo da Creche Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida
Menina caminha sobre o que sobrou do acervo da Creche Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, abandonada por medoda barragem (foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS)

Após deslizamento, o medo da correção

Durante o desprendimento das encostas da Barragem Casa de Pedra, em fevereiro, a população dos bairros abaixo ficou em pânico. Muitos moradores evacuaram suas casas, até porque o Rio Maranhão transbordou, alagando ruas e moradias. 

O curso é afluente do Rio Paraopeba, acima de Brumadinho, e está assoreado. O local que deslizou é um terreno natural que apoia o chamado Dique de Sela, parte da represa que desde 2017 precisa passar por reparos e é alvo de procedimentos jurídicos.

O anúncio das obras foi visto com desconfiança, mesmo com a CSN convidando a prefeitura, Defesa Civil, bombeiros e polícia para conhecer os pontos de intervenção. Foi nessa época, quando se comparou as obras de revestimento à cortina de concreto da região da BR-356, próximo da curva do Ponteio, em Belo Horizonte, que as coisas tomaram mais uma vez contornos preocupantes para a comunidae.

Isso porque a intervenção demandaria a inserção de drenos horizontais profundos (DHP), parte do escoamento do subsolo do terreno sob a estrutura concretada, procedimento similar ao gatilho que fez romper a Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, matando 270 pessoas em Brumadinho. Na época, o Ministério do Trabalho divulgou laudo técnico apontando que foram inseridos 15 dos 29 drenos previstos, procedimento não concluído devido à ruptura.

Após essa polêmica, a CSN informou que não serão necessários os DHP. “É importante destacar que não serão realizados drenos horizontais profundos, pois o talude natural não está saturado; portanto, não demanda drenagem interna. As atividades de manutenção têm previsão de ser concluídas antes do novo ciclo de chuvas, no fim do ano”, informou a companhia por meio de nota da sua assessoria de imprensa.

A mineradora acrescentou que “o processo erosivo no terreno natural do Dique de Sela foi totalmente gerado por causas naturais, sem qualquer relação com as atividades da empresa” e que se vale do período de estiagem para as “obras de manutenção dos taludes naturais na região” do dique. 

De acordo com a companhia, a técnica é usada para manutenção, reforço e preservação de terrenos passíveis de erosões superficiais. “Trata-se, portanto, de uma obra preventiva e programada para evitar quaisquer riscos de erosões em decorrência de possíveis chuvas, como as que assolaram o estado no início do ano. Após esse procedimento, o talude é finalizado com um revestimento de tela metálica e concreto projetado para sua proteção superficial”, informou a nota.

Rosângela Magela Costa Procópio, dona de casa
(foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS)

"Tiraram a creche, a escola, os professores e funcionários, mas as crianças que estão em perigo continuam morando aqui, debaixo da barragem"

Rosângela Magela Costa Procópio, dona de casa



Abandono e depredação


Além do medo que a Barragem Casa de Pedra traz a mais de 2,5 mil pessoas que vivem sob o maciço de 84 metros de altura e que represa 63 milhões de metros cúbicos de minério (cinco vezes o conteúdo total da barragem rompida em Brumadinho), a desconfiança com a estrutura tem trazido situações de degradação social.

Após a instalação de placas com rotas de evacuação, posicionamento de sirenes e explicações sobre como fugir em caso de rompimento – algumas das áreas habitadas podem ser soterradas em menos de 30 segundos – os funcionários de uma creche e de uma escola na área de inundação cobraram medidas práticas de emergência a serem tomadas junto aos alunos e a discussão na Justiça resultou no abandono dos locais públicos.

Com isso, tanto a Creche Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida quanto a Escola Municipal Conceição Lima se tornaram alvo de vandalismo, furto dos materiais que as constituem, além de terem se tornado pontos de consumo de drogas e de insegurança para a comunidade. Dentro das estruturas, todas as janelas foram quebradas ou arrancadas, e os vidros quebrados revestem todo o piso, já tomado também por mato alto e lixo deixado por usuários de drogas. Os forros do teto foram desprendidos e levados, bem como os extintores e até a mangueira de incêndio.

“Virou mais uma preocupação para a gente. A questão foi para a Justiça e abandonaram a creche e a escola. Já tem até gente invadindo o lugar para morar. Usuários de drogas e marginais também ficam por lá e tiram nosso sossego. Já não bastava o medo de rompimento, as enchentes, agora temos mais esse problema que veio da situação da barragem”, desabafou a faxineira Fernanda Camila Soares, de 34 anos, que mora no Bairro Residencial Gualter Monteiro com o marido e a filha de 12 anos.

“Tiraram a creche, a escola, os professores e funcionários, mas as crianças que estão em perigo continuam morando aqui, debaixo da barragem. Achei que isso estava errado e ainda trouxe esse problema de marginalidade para a comunidade. Por que não fizeram um centro comunitário ou espaço de lazer, em vez de deixar virar boca de fumo?”, questiona a dona de casa Rosângela Magela Costa Procópio, de 60, também vizinha das edificações.

Por meio de nota, a CSN informou que “não houve qualquer alteração nos níveis de estabilidade da barragem (construída pelo método a jusante), que teve seu laudo de estabilidade renovado em março de 2022, conforme auditoria realizada por empresa independente, e devidamente registrado no site da Agência Nacional de Mineração (ANM). Isso significa que a estrutura é segura, estável, e não se encontra em qualquer nível de emergência”.

“Risco ou paliativo”

As barragens de mineração deveriam ser desmanchadas, independentemente de seus métodos construtivos, pois as intervenções que sofrem apenas adiam problemas e riscos, segundo avaliação do engenheiro Julio Grillo, ambientalista do Fórum Permanente do Rio São Francisco e ex-superintendente do Ibama. “Todas as intervenções são riscos ou paliativos. As barragens só têm uma solução: o descomissionamento. Qualquer outra obra vai ser um respiro por um tempo e, quando as empresas terminarem de minerar, esse passivo vai ficar para a sociedade. A vigilância vai ficar para a sociedade. Porque a barragem sem vigilância se rompe. Há outras possibilidades de manejo dos rejeitos. Mas essa 'mineriodependência' do estado parece ampliar a tolerância do poder público com as mineradoras", critica o engenheiro.


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