“Nós pretendemos problematizar a necessidade de uma melhor compreensão do fenômeno da população em situação de rua para trabalhar efetivamente os direitos dessas pessoas”, diz o professor André Luiz Freitas, coordenador-geral do Observatório.
A questão da população em situação de rua no país tem uma relação muito direta com o racismo estrutural e a herança da escravidão, explica Freitas. “No Brasil, a cada dez pessoas em situação de rua, sete são negras. São séculos de violência e violação de direitos dessas pessoas: após a abolição da escravatura, elas foram simplesmente despejadas nas ruas da cidade, sem moradia, sem trabalho, renda, educação.”
Em Belo Horizonte, 84% das pessoas em situação de rua são negras. A capital é a segunda com a maior proporção, após São Paulo.
A plataforma, segundo o pesquisador, tem como princípio norteador a realização de projetos de ensino, extensão e pesquisa social aplicada com diálogo e respeito à centralidade, à autonomia e ao protagonismo das pessoas em situação de rua no país.
A data escolhida para o lançamento marca o Dia Latinoamericano e Nacional de Luta da População em Situação de Rua, em homenagem às pessoas em situação de rua que morreram no Massacre da Sé, em 19 de agosto de 2004.
Como funciona a plataforma
O Observatório é uma das cinco plataformas de direitos humanos do Programa Polos, que tem 27 anos de história na UFMG e é interdisciplinar – tem pesquisadores das áreas do direito, ciências sociais, comunicação, psicologia, arquitetura, entre outros.
O trabalho começou em 2021, com o projeto Incontáveis, em diálogo com o Movimento Nacional da População em Situação de Rua e a Pastoral Nacional do Povo da Rua, segundo o professor André Luiz Freitas. “No início da pandemia, tínhamos muito receio de que essa população ficasse mais invisibilizada, estigmatizada, criminalizada, patologizada”.
A plataforma tem seis eixos principais – cidadania, assistência social e saúde; moradia; infância; adolescências e juventudes; mulheres, gêneros e famílias; justiça; trabalho e tecnologias sociais – e três transversais – violências estruturais: racismo, gênero e capital; diálogo com práticas locais, regionais e nacionais; diálogo com experiências internacionais.
Parte significativa dos dados utilizados na plataforma vêm do Ministério da Cidadania, como do CadÚnico, base de dados sobre famílias em pobreza e extrema pobreza no Brasil que permite o acesso a políticas sociais como o Auxílio Brasil.
São disponibilizadas informações da população de rua divididas por regiões, estados e municípios do país. Também há dados sobre moradia e o déficit habitacional, além de divisões por gênero, raça e idade. No entanto, segundo o professor, ainda falta muita informação. "Nem todas as bases têm gênero e orientação sexual. Também é necessário ampliar as séries históricas e os estudos sobre precarização da moradia, por exemplo".
O trabalho do grupo foi responsável por incluir no Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a COVID-19 do Ministério da Saúde 160 mil pessoas em situação de rua. “Inicialmente estavam previstas vacinas para 66 mil pessoas. Nós conseguimos corrigir esse número ‘simplesmente’ apresentando dados corretos.”
“Além de regulares, consistentes, transparentes, eles deveriam estar acessíveis para toda a população. Esse não é o caso”, diz o professor. O trabalho da plataforma também é, portanto, de organizar, desfragmentar e tornar inteligível para as pessoas o que não é efetivamente publicizado pelo Estado, além de fundamentar a formulação de políticas públicas.
*Estagiária com supervisão do subeditor Diogo Finelli