Jornal Estado de Minas

VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO

Embriaguez provoca 2.832 ocorrências de trânsito em Minas em sete meses



“Ainda não sabemos o que vamos fazer, mas queremos o que todo mundo iria querer: justiça.” A fala é da tia do bebê Anthony Fonseca, de 1 mês, que morreu na noite de quarta-feira, após um motorista de 33 anos, com sinais de embriaguez, bater no carro em que ele estava com a família na MG-424, altura do Km 22, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Quatro pessoas ficaram feridas.




 
Anthony e a família voltavam de uma consulta médica quando um dos carros atravessou a pista e bateu de frente com o veículo em que estavam. Apesar de o homem dizer para a Polícia Militar que perdeu o controle da direção, populares afirmam que ele estava embriagado e que logo após a colisão tentou fugir do local. Constatados os sinais de embriguez, ele foi detido e encaminhado para a delegacia de Sete Lagoas para prestar depoimento.
 
O caso engrossa as estatísticas de ocorrências envolvendo motoristas alcoolizados em Minas Gerais e Belo Horizonte este ano. De janeiro a julho, foram 2.832 ocorrências no estado, 319 delas na capital. Do total, 1.354 registraram vítimas com ferimentos ou mortes, em Minas. Em BH, 115. Os dados são da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
 
Para o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade Puty Filho, fatores sociais e pessoais abrem espaço para que pessoas bebam e peguem a direção de veículos. Entre eles estão a sensação de impunidade e o sentimento, em alguns motoristas, de que mesmo após o consumo de substâncias entorpecentes estão aptos a dirigir.




 
“Existem aquelas pessoas que acham que a bebida alcoólica não afeta suas capacidades psicomotoras, o que não é verdade, e por isso não veem problema em cometer a infração. Mas também existem aquelas que burlam a lei mesmo sabendo que estão mal, mas o ato acaba gerando uma sensação de desafio”, afirma o especialista.

AS NORMAS
 
Conforme o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, se o bafômetro acusar quantidade igual ou superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, o motorista estará cometendo crime de trânsito. Abaixo disso, infração. Nem a multa de quase R$ 3 mil e a chance de ir para a cadeia inibem motoristas embriagados de pegar a direção e provocar tragédias. Conforme o tenente André Muniz, do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária (PMR-MG), em todo o estado é possível notar um desrespeito dos motoristas em relação às legislações de trânsito em geral.
 
Segundo dados da Operação Integrada Lei Seca - Sou Pela Vida, em um total de  1.167 motoristas abordados em BH entre março e junho, foi constatada infração de trânsito em 129, enquanto 12 cometeram crime devido ao consumo de álcool.




 
Muniz afirma que a direção sob uso de entorpecentes é considerada infração gravíssima, passível de pagamento de multa de R$ 2.934, além de sete pontos da habilitação e prisão em flagrante, dependendo do grau de detecção de álcool no organismo. “De imediato, a carteira nacional de habilitação do condutor é recolhida e, hoje, a legislação está bastante eficiente. Além disso, o motorista fica suspenso do direito de dirigir por 12 meses”, explica o militar.
 
Outro ponto que, na visão do policial, reforça o esforço da poder público em coibir a ação de motoristas é a aplicação de multa para quem se recusar a fazer o teste do etilômetro, também conhecido como bafômetro. O tenente afirma que, agora, o policial não precisa do equipamento para detectar se a pessoa está cometendo o crime.
 
“É importante frisar que é possível aplicação de multa de até R$ 2 mil se o condutor se recusar a soprar o bafômetro, caso o agente perceba sinais de alteração psicomotora e identifique embriaguez”, diz.




 
Nos casos como o do bebê Anthony, em que um condutor supostamente embriagado se envolve em um acidente que resulta em morte, as consequências podem ser mais profundas. A nova atualização do Código de Trânsito Brasileiro determina que casos de homicídio na direção de veículos em que o motorista está embriagado são passíveis de penas de reclusão de cinco a oito anos, sem direito a fiança ou remição de pena. “Agora, esses crimes podem ser equiparados a um crime hediondo”, lembra o tenente Muniz, da PMR-MG.

IMPUNIDADE
 
O acidente que levou à morte o bebê Anthony não foi um fato isolado. Horas depois, na madrugada de ontem, outro motorista embriagado capotou um automóvel na Avenida Antônio Carlos, na Barragem da Pampulha, em BH. Além de ter consumido bebida alcoólica, o homem, de 23,  não tinha carteira de habilitação. Ele foi conduzido à delegacia de plantão, mas foi liberado em seguida após pagar R$ 5 mil em multa.
 
De acordo com o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade, ao contrário do que se pensa, a sociedade acaba tomando atitudes brandas em relação às ocorrências de trânsito que envolvem motoristas embriagados. Ele afirma que o resultado dos processos judiciais não são concluídos em tempo hábil, podendo durar anos.




 
“O primeiro erro é quando tratam casos assim como acidente, mas isso é um crime. Um acidente é algo imprevisível, e se a pessoa bebeu e pegou um carro, uma batida deixa de ser imprevisível. Ser motorista não é um direito assegurado no nascimento, é uma conquista e você deve se submeter a obrigações por isso”, conclui.

EFEITOS DA BEBIDA
 
O álcool é uma substância psicoativa e age diretamente sobre o sistema nervoso central. Por isso, os reflexos ficam mais lentos e as pessoas passam a apresentar comportamentos distintos quando estão alcoolizadas.
 
Especialista em segurança pública, Jorge Tassi diz que o título que Belo Horizonte leva de Capital dos Bares influencia na grande quantidade de ocorrência relacionada ao álcool e direção. “Elegemos a bebida, o álcool, como processo de integração social. A bebida alcoólica vira essencial na socialização e no relacionamento das pessoas. Isso torna a situação permissiva.”




 
Ainda de acordo com Jorge, beber e dirigir é uma escolha individual, e cada pessoa deve ser consciente na hora de ingerir álcool em bares e festas e pegar o carro logo depois. “Não podemos colocar a culpa na polícia ou na fiscalização. A fiscalização existe e nas cidades ela é feita com rigor, principalmente nos fins de semana. A pessoa, o motorista, deve ter consciência antes de beber e, nas cidades, a consciência deve ser ainda maior.” Para Jorge, a solução é, antes de tudo, educar os motoristas e divulgar com mais intensidade a publicidade do “Se beber não dirija”.