Em homenagem a um dos grandes nomes do ativismo ambiental do mundo, um espaço em Belo Horizonte representa a vitória da natureza sobre a degradação. Em 1951, o terreno conhecido como Várzea do Felicíssimo, antiga Fazenda do Cercado, hoje no Bairro Betânia, Oeste da capital, começou a receber metade do lixo que era recolhido diariamente na cidade. E assim foi por 20 anos, até que, em 1971, essa história começou a mudar.
O “lixão” foi desativado e a área preparada para abrigar o Parque Municipal da Vila Betânia, com anexação da Reserva Biológica do Horto. O que era resíduo urbano foi transformado em adubo, o local foi destinado à produção de mudas para ornamentação de canteiros, ruas e jardins do município, e parte dessa vegetação começou a tomar de volta o terreno, antes entregue à sujeira.
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Hoje, a área tem nada menos que 355 mil metros quadrados. Desse espaço, 80% são de cobertura vegetal, formada em sua maioria por árvores de grande porte, incluindo espécies frutíferas. Em média, são produzidas na unidade de 8 mil a 10 mil mudas por mês. Como elas são voltadas para a decoração e o paisagismo dos jardins da capital, a grande maioria tem características de plantas rasteiras, como é o caso da barléria, do camarão-vermelho ou do inhame-roxo, todas plantadas no parque.
O terreno também abriga vários jardins, com flores e plantas diversificadas, reduto de mais de 70 espécies ornamentais como bromélias, agave-azul, coração-sangrento e orquídea-arundina. Conta com nascentes e cursos d’água perenes. Tanta diversidade abriga uma fauna composta por anfíbios, répteis, aves e pequenos mamíferos, como cuíca, mico-estrela, esquilo-caxinguelê e gambá.
Levantamento feito pela Ecologia e Observação de Aves (Ecoavis) registrou a presença de mais de 30 espécies de pássaros no parque. Entre eles o astuto falcão-de-coleira, o multicolorido quero-quero, além de três diferentes espécies de beija-flor – o tesoura, o tesoura-verde e o peito-azul.
“TUDO DE BOM”
Não é surpresa que o espaço seja considerado por muitos uma espécie de oásis em meio à correria da capital e ao trânsito frenético que é marca de vias como o vizinho Anel Rodoviário. A aposentada Soraya Nunes Duarte, de 57 anos, mora no bairro há quatro décadas, e considera o Jacques Cousteau uma espécie de refúgio.
“Esse parque é tudo de bom, vivemos na cidade grande com poluição sonora, congestionamentos e todo tipo de estresse. Mas, quando entro aqui, nem parece que estou em BH. Venho com as amigas à Academia da Cidade e depois completamos com uma caminhada”, conta ela, considerando que o movimento extra nos fins de semana torna o espaço mais animado.
São visitantes de todos os cantos, que chegam atraídos não só pela flora e fauna, mas por trilhas para pedestres e ciclistas, equipamentos de ginástica a céu aberto, muitos brinquedos e pelo campo de futebol – ainda que atualmente a área passe por reforma. Há diversas áreas de convivência, tudo muito bem cuidado e em ótimo estado. O contraste fica por conta da arena de teatro, com banheiros que estão fechados e depredados. Mas há banheiros públicos em excelente estado de conservação e higiene, funcionando em outros locais.
Raízes da recuperação
Em 1984, havia aproximadamente um milhão de mudas na área em que depois seria instalado o Jacques Cousteau. As que permaneceram por mais tempo firmaram raízes e foram responsáveis por parte da atual arborização do parque. As instalações do Horto Municipal permaneceram no local até 1999, quando a construção da nova sede, de responsabilidade do Jardim Botânico, foi concluída, na região da Pampulha.
Os jardineiros Wallace Ribeiro a Silva, de 56 anos, e Marcelo Ferreira Lima, de 43, contam que apesar do tamanho do parque (quase o dobro do Parque Municipal, na Região Central de BH), dão conta do recado. Para eles, o trabalho agora ficou mais fácil, com ferramentas mais modernas e máquinas que substituíram na maior parte das tarefas a foice e a enxada. A dupla atualmente se dedica à manutenção das vias de acesso, já que as chuvas do início do ano provocaram buracos e alguns desbarrancamentos, comuns devido às características do terreno.
Superado o passado de lixão e com a manutenção em dia na maior parte dos espaços, o parque se tornou área de lazer e de encontros para a comunidade no entorno. É o que testemunha Sidney Menezes, de 61 anos, motorista, que mora nas imediações e faz caminhada no espaço todos os dias.
“O parque praticamente se tornou um quintal, principalmente para quem mora em prédios e que se reúne aqui nos momentos e dias de folga. Tenho percebido o aumento de público a cada fim de semana. Tornou-se espaço de lazer da comunidade, que cada vez mais pessoas vão descobrindo. Uso mais a pista de caminhada, mas o pessoal faz encontros, festas, aqui vêm grupos de escolas”, avalia, elogiando a conservação.
EXTREMOS
É essa qualidade que atrai até gente de longe, como o representante comercial Henrique Coelho, de 33, que visita com certa frequência a área verde que fica na região oposta à que mora, no Bairro Santa Efigênia, Leste de BH. “Geralmente, saio de casa por volta das 6h e pedalo pela avenida Tereza Cristina ou pela Raja Gabaglia até o parque. Gasto em torno de 30 minutos em cada percurso”, afirma.
Ele conta que são cerca de quatro horas entre ir passear pelas trilhas do Jacques Cousteau e voltar. “As trilhas são muito boas e é muito gostoso passear em meio à mata. Um local como este não existe na minha região, só prédio para todo lado. Gosto muito também do Parque Municipal (Américo Reneé Giannetti, no Centro)”, afirma. As trilhas são bem sinalizadas e compartilhadas entre ciclistas e pedestres. Placas alertam para cuidados para evitar acidentes, já que são muitas as raízes expostas de grandes árvores ao longo do percurso.
Assistente social aposentada, Maria Beatriz de Oliveira, de 65, costuma sair de Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, para levar os netos Mateus e André, gêmeos de 3 anos, para passear no parque. “Eles adoram vir aqui. O parque é ótimo, e ajuda muito no desenvolvimento da criança, tanto na parte motora quanto a criatividade. Tem coisas que promovem equilíbrio, como pontes, balanços, corda bamba. Eles amam este lugar, e eu também. O espaço é muito grande, e aqui eles andam descalços, liberando energia. Trazemos um lanchinho e fazemos piquenique”, conta.
A funcionária pública e pedagoga Flávia Godinho de Souza, de 51, moradora do Bairro Diamante, Oeste de BH, considera o Jacques Cousteau “maravilhoso”. “O que mais me atrai é a conservação e o fato de poder fazer educação física ao ar livre, conhecer outras pessoas. Conheço o Parque das Águas, na região do Barreiro, também muito bonito e bem cuidado, o Parque Municipal e o ecológico da Pampulha”, afirma.
Mas os mais antigos ainda têm na memória as lembranças de quando nada no lugar era como hoje. Moradora do Bairro Estrela do Oeste há 44 anos, a professora aposentada Maria Leia da Costa Torres, de 71, recorda os tempos do lixão na vizinhança. “Antes de ser parque, não tinha nada disso, nem trilha nem nada. Acho ótimo agora: tem Academia da Cidade, onde faço ginástica, e a área verde e as flores são maravilhosas. Tudo muito lindo.” Uma mudança que certamente deixaria orgulhoso o ativista ambiental que empresta seu nome ao espaço, xodó da vizinhança e uma das áreas que ajudam a tornar BH mais verde e menos cinza.