Operações realizadas em Minas Gerais até a última quinta-feira (1/9) terminaram com o resgate de 207 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão. As vítimas trabalhavam em colheitas de café, batata, alho e palha de milho em sete municípios nas regiões Sul, Oeste e Triângulo Mineiro.
As operações foram realizadas entre 22 de agosto e 1 de setembro, com participação do Ministério Público do Trabalho (MPT/MG), Auditoria-Fiscal do Trabalho (AFT), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF).
Delfinópolis
Em Delfinópolis, no Sul de Minas, 25 trabalhadores foram encontrados submetidos à servidão por dívida na colheita de palha de milho – entre eles, dois adolescentes de 15 anos e dois idosos, de 67 e 72 anos.
Eles recebiam R$ 5 por cada saca de 60 litros de palha, mas nunca sabiam exatamente quanto tinham colhido por dia, porque a pesagem era feita por um encarregado.
A jornada começava às 5 horas da manhã e ia até as 19h. Não havia local para alimentação, nem mesmo um banco para sentar. Todos comiam as marmitas frias no chão.
Livia Miraglia participou da operação e disse que, mesmo estudando o tema há 15 anos, a visita ao local a deixou muito impactada. Um dos adolescentes contou que está com uma dívida de R$ 1.500 no comércio local por comprar bolachas e outros alimentos, porque não aguentava mais comer arroz, feijão e carne de porco.
Essa era a única refeição dos 25 trabalhadores, que faziam a marmita antes de dormir e não tinham geladeira para guardá-las. Todos saíam ao trabalho às 4h30, com suas “boias”. Na hora do almoço, era comum que o alimento estivesse azedo.
Um senhor de 67 anos dormia em um galinheiro porque a casa estava muito cheia. Além da falta de infraestrutura, os trabalhadores tinham que comprar o próprio equipamento de segurança.
Como o ganho era por produção, se alguém se machucasse e interrompesse o trabalho, deixava de receber. Lívia descreveu que a colheita era degradante. “A saca é enorme, e do jeito que você cata o milho e tira a palha, você fica corcunda, curvado”.
Os responsáveis pela produção foram autuados pelo Ministério Público do Trabalho. Os empresários tiveram que pagar R$ 200 mil aos trabalhadores pela rescisão do contrato de trabalho, além de indenização individual para cada um dos 25 trabalhadores por danos morais.
Nova Ponte
Em Nova Ponte, também no Sul de Minas, foram encontradas 74 pessoas que atuavam na colheita do alho submetidas a condições degradantes de trabalho e de moradia.
Os trabalhadores ficavam alojados em duas casas em Santa Juliana. Uma delas era um local improvisado em uma antiga funerária, compartilhado por 43 pessoas, onde “banheiros e quartos praticamente se fundiam”, segundo o procurador do MPT, Thiago Castro.
Na outra moradia, as instalações elétricas ficavam expostas, com risco de choque elétrico, e não havia ventilação adequada nos dormitórios.
Os empresários foram autuados e terão que pagar indenizações de R$ 5 mil a R$ 18 mil por trabalhador, totalizando R$ 972 mil, além da reparação por dano moral coletivo, no valor de R$ 500 mil.
Oeste e Triângulo Mineiro
Outras operações foram realizadas nas cidades de Iraí de Minas, Indianópolis, no Triângulo Mineiro, e Campos Altos, no Oeste, onde foram resgatados 91 trabalhadores.
Escravidão contemporânea
As situações de trabalho análogo à escravidão, também chamadas de escravidão contemporânea, ocorrem quando alguém é submetido a condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, servidão por dívida ou trabalho forçado.
Qualquer um desses elementos basta para definir a escravidão, que é crime no Brasil desde a abolição, em 13 de maio de 1888.
Minas Gerais é o estado com maior número de resgates de pessoas em condições análogas à escravidão. Foram 768 resgates no ano passado, em 99 operações. O número é duas vezes maior que o de Goiás, que foi o segundo estado com mais resgates.
Só neste ano, cerca de 650 pessoas foram resgatadas em Minas. Lívia Miraglia, coordenadora da Clinica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da UFMG, disse que isso não significa que o estado tenha o maior número de pessoas em situação de escravidão contemporânea.
“Na verdade, isso mostra que é o estado que mais fez a fiscalização dessas condições, que mais tem atuado de forma eficiente no combate a essa prática”.
Segundo Lívia, uma pesquisa da UFMG concluiu que o maior número de casos ocorre em fazendas de café. Em seguida, aparecem outras atividades rurais como colheita do alho, tubérculos e na agricultura em geral. Ainda assim, muitas ocorrências são nas cidades, em especial na construção civil, acrescentou a pesquisadora.
*Estagiário sob supervisão do subeditor Eduardo Oliveira