Indústrias que podem fabricar produtos destinados ao consumo de seres humanos foram notificadas por suspeita de comprar propilenoglicol que estaria contaminado com monoetilenoglicol, substância tóxica para pessoas e animais. A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirma que identificou empresas que teriam recebidos lotes do composto apontado como contaminado, que pode ter já matado cerca de 50 cães em todo o território nacional.
Em nota exclusiva enviada ao Estado de Minas, a agência informou que a investigação ainda está em curso e visa determinar se as fabricantes receberam, de fato, a substância, e se os produtos destinados a uso humano foram produzidos com a matéria-prima contaminada.
Resolução do órgão já proibiu a comercialização, distribuição, manipulação e uso de dois lotes do propilenoglicol, vendidos pela indústria Tecno Clean Industrial Ltda., que tem filial em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A medida também determinou o recolhimento dos lotes AD5035C22 e AD4055C21 da substância.
No texto, a Anvisa explica que as medidas foram tomadas após investigações conduzidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) identificarem o uso do composto contaminado nos casos de intoxicação de cachorros que ingeriram petiscos da fabricante Bassar Pet Food.
Fonte de contaminação
Na tarde desta terça-feira (13/9) a reportagem tentou contato com a Tecno Clean Industrial para que se manifestasse sobre o assunto, mas foi informada de que o expediente na fábrica já havia sido encerrado. Já na última quinta-feira (8/9), o Estado de Minas esteve na filial da empresa para tentar contato com algum responsável. Porém, a indústria não quis gravar entrevista e se posicionou por meio de declaração, que foi entregue pelo porteiro do complexo industrial onde está instalada.
Conforme o texto, o produto apontado como contaminado foi comprado de uma terceira fabricante, de São Paulo. “Cumpre salientar que a Tecno Clean Industrial Ltda. não fabrica propilenoglicol, apenas tendo comprado da empresa A & D Química Comércio Eireli, que é importador, e revendeu ao mercado nacional como apenas distribuidor”, afirmou a empresa.
Procurada, a Prefeitura de Contagem informou que, a pedido da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), esteve na filial da empresa instalada no município, onde constatou que o local não fabrica propilenoglicol, alvo da investigação. A administração acrescentou que não foram identificadas irregularidades no local.
Propilenoglicol
De acordo com o Mapa, o propilenoglicol está aprovado para uso, sendo seguro para as espécies animais de produção e de companhia, não sendo indicado apenas para gatos. O composto também é aprovado para emprego ns indústrias farmacêuticos e alimentícia voltadas para humanos, o que amplia a preocupação com a possível contaminação de alimentos e remédios.
No caso dos alimentos para consumo animal, o composto é usado como umectante. Já na indústria para uso humano o químico serve como espessante e conservante.
Animais contaminados
Na última atualização da Polícia Civil de Minas, 54 cães morreram em 11 estados brasileiros após a ingestão de petiscos supostamente contaminados da empresa Bassar Pet Food. Em nota, a corporação afirmou que 15 cachorros morreram em Minas Gerais. Doze casos ocorreram em Belo Horizonte, um em Piumhi, e os outros dois em Uberlândia.
A princípio, dois produtos haviam sido identificados com suspeita de contaminação: o Every Day sabor fígado (lote 3554) e o Dental Care (lote 3467). Entre os principais sintomas identificados nos relatos estão convulsões, vômito, diarreia e prostração.
Em nota, a Bassar anunciou um recall de seus produtos. A fabricante solicitou aos consumidores que entreguem no local de venda os itens que já tenham adquirido anteriormente. A empresa confirmou o uso do propilenoglicol e informou que “investigações oficiais” ainda estão sendo feitas em todo o processo de produção e maquinários de sua planta fabril.
Na última sexta-feira (2/9) a perícia da Polícia Civil de Minas Gerais confirmou que um dos produtos da empresa estava contaminado com a substância tóxica. A corporação ainda não informou o resultado dos demais testes ou qual produto testou positivo para contaminação por monoetilenoglicol.
Caso Backer
A intoxicação dos cães por monoetilenoglicol tem paralelo com das contaminações de 29 pessoas, parte delas pela mesma substância, em caso que veio a público nos primeiros dias de 2020. Na época, dez pessoas morreram por complicações renais após consumirem a cerveja Belohorizontina, da cervejaria Backer. Foi indentificado nesse episódio ainda a contaminação pelo dietilenoglicol, também tóxico.
Quando ingerido, o monoetilenoglicol pode provocar intoxicação, com sintomas como insuficiência renal e problemas neurológicos. Na fábrica de cerveja, a substância contaminada era usada para agilizar o processo de resfriamento da bebida, mas não deveria ter contato direto com o líquido.
Segundo as investigações, a contaminação das cervejas por monoetilenoglicol e dietilenoglicol ocorreu devido a um vazamento no tanque da fábrica. Em outubro daquele mesmo ano, 11 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público.