A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou nesta quarta-feira (14/9) que as ações de vigilância sanitária estão focadas nas empresas com possível atividade na área de alimentos para consumo humano. O objetivo é verificar se os lotes foram utilizados na fabricação de alimentos para humanos.
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Nessa terça-feira (13/9), a entidade informou que notificou indústrias que podem fabricar produtos destinados ao consumo para seres humanos. Segundo o órgão, essas empresas teriam recebido lotes de propilenoglicol que estaria contaminado com monoetilenoglicol, substância tóxica para pessoas e animais.
“As ações contam com atuação in loco dos órgãos envolvidos para apuração do caso, como as vigilâncias sanitárias locais dos estados e municípios onde as empresas estão situadas', disse na nota divulgada hoje.
O órgão ressaltou também que notificou a Tecno Clean Industrial Ltda. e a A&D Química Comércio Eireli a prestarem esclarecimentos sobre a origem e distribuição do produto.
A Anvisa destacou ainda que não existem evidências de alimentos para consumo humano fabricados com lotes de propilenoglicol contaminados por etilenoglicol.
“Até o momento, não há suspeita de consumo humano do ingrediente suspeito de intoxicar animais. A Anvisa enviou notificações às empresas, solicitando informações e documentos que comprovem a destinação dada ao propilenoglicol dos lotes contaminados. A resolução RE 3.008/2022 veda a utilização destes lotes como medida preventiva em todo o território nacional.
O recolhimento de alimentos é feito com base na RDC 655/2022, que estabelece o procedimento que deve ser seguido por parte das empresas e os documentos que devem ser apresentados à Anvisa”, conclui a nota.
Casos de intoxicação em cães
O número de mortes e internações de cães intoxicados após a ingestão de petiscos com suspeita de contaminação passa de 100. Segundo os tutores dos animais, até esta quarta-feira (14/9), eles haviam registrado 104 casos em todo o país. Os donos dos animais vítimas dos petiscos criaram um grupo de WhatsApp para trocar informações sobre as ocorrências.
A analista financeira Amanda Carmo, tutora da shih-tzu Mallu, faz parte do grupo no aplicativo e confirmou ao Estado de Minas que todos os 104 casos foram comprovados por meio de boletim de ocorrência, número do lote do petisco, estabelecimento onde o produto foi comprado e nota fiscal.
Ela diz que pretende ajuizar uma ação contra a Bassar: “Estou só aguardando os laudos dos hospitais veterinários, a necropsia da Mallu e a análise do petisco”. A tutora afirmou ainda que a Petz, empresa onde o petisco foi comprado, entrou em contato com ela, mas não ofereceu uma ajuda satisfatória.
“Não existe nada decidido se ela vai ajudar ou não. Entrou em contato só pra dar uma satisfação porque fomos na loja e eu reclamei no LinkedIn, pela repercussão. Mas não acho que vão ajudar (na intermediação com a Bassar, fabricante do produto)”.
A cadela de 6 anos estava internada desde 22 de agosto em uma clínica no Bairro Prado, na Região Oeste da capital, e morreu na madrugada de 6 de setembro. De acordo com Amanda, Mallu comeu o petisco Everyday em 21 de agosto, e que desde então começou a passar mal.
Apesar dos mais de 100 casos registrados pelos tutores, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) confirma que 54 cães morreram em 11 estados brasileiros após a ingestão de petiscos supostamente contaminados. Em nota, a corporação afirmou que 15 cachorros morreram em Minas Gerais. Doze casos ocorreram em Belo Horizonte, um em Piumhi e os outros dois em Uberlândia.
Alerta ligado
O professor de química da UNA, Carlos Alexandre Vieira, explica a diferença entre as substâncias envolvidas em casos recentes de intoxicação tanto humana como de animais.
“O monoetilenoglicol, o dietilenoglicol e o propilenoglicol são substâncias de uma mesma classe. Porém, o mono e o dietilenoglicol não podem ser adicionados diretamente na formulação de alimentos, tanto para humanos quanto para animais”, relata.
O monoetilenoglicol, substância possivelmente motivadora das mortes e internações dos cães, possui um índice tóxico muito acentuado, de acordo com Vieira. Ele pode promover uma intoxicação em três estágios: neurológico, cardiopulmonar e pode avançar para o renal. O professor afirma que os níveis de intoxicação dependem da quantidade de substância ingerida.
“A substância é usada na indústria de alimentos como anticongelante e não pode estar diretamente em contato com o alimento. A indústria pode usar em processos de congelamento, mas nunca na formulação dos alimentos”, explica Vieira que também presta consultoria em indústrias alimentícias
O dietilenoglicol, substância encontrada na cerveja Belohorizontina, da Backer, em 2020, também é usado na indústria como anticongelante. Já o propilenoglicol pode ser usado pelas indústrias alimentícia e farmacêutica. “Em petiscos e rações, ele deixa o alimento mais úmido”. Em produtos destinados para humanos, a função é a mesma. “Para o alimento não ficar tão seco ou quebradiço. Ele fica com um aspecto mais fofinho, macio”.
Na indústria farmacêutica, segundo o professor, ele é usado como um tipo de solvente que pode ser adicionado para auxiliar no processo de dissolução de remédios. “Um antibiótico em pó é misturado com o propilenoglicol e vai facilitar a dissolução desse medicamento para a preparação líquida, como xaropes, por exemplo".
Vieira alerta que, em caso de contaminação por monoetilenoglicol, como o investigado pela Anvisa, a ingestão de alimentos contaminados pode gerar reações semelhantes às ocorridas com os cães.
“A pessoa pode ter convulsões, paralisias, problema cardiopulmonar, com alteração da pressão arterial, dificuldades de respirar. Pode avançar inclusive para problemas renais, com a formação de cristais que ficam alojados nos rins. A pessoa pode até morrer, dependendo da quantidade de substância ingerida”.
Ele diz que é importante que as indústrias tenham responsáveis técnicos para fazer o diagnóstico de casos de contaminação. “Tem que consultar o boletim técnico, observar se o produto é indicado para uso em alimentos ou não. As empresas deveriam realizar ensaios e testes para verificar se o produto é mesmo o propilenoglicol".
“Precisamos estar em sinal de alerta porque as rotas de produção e os processos de transporte podem proporcionar a contaminação.” Como a Anvisa não divulgou que tipo de indústria pode ter recebido os lotes com possível contaminação, a dica do professor é verificar o rótulo dos produtos. “Um item de observação seria verificar nos rótulos, o que leva o propilenoglicol e ficar atento. Não estou falando para não consumir, mas ficar atento".
Investigações
Na nota divulgada na terça-feira, a Anvisa disse que “enviou notificações às empresas, solicitando informações e documentos que comprovem a destinação dada ao propilenoglicol dos lotes contaminados”. Além disso, solicitou também às vigilâncias sanitárias locais o apoio para este levantamento.
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com as vigilâncias sanitárias de Belo Horizonte, Contagem e de Minas Gerais para saber se estavam participando desse levantamento.
A Secretaria Municipal de Saúde de Contagem informou, em nota, “que foi realizada vistoria da Vigilância Sanitária no dia 8 de setembro a pedido da Secretaria Estadual de Saúde. Foi constatado que a filial da Tecno Clean, instalada em Contagem, não fabrica o produto propilenoglicol, alvo da investigação, não sendo identificadas irregularidades no local".
A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte disse que até o presente momento não recebeu nenhuma notificação da Anvisa referente a esta investigação.
Os Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais também foram procurados para saber se farão investigações sobre o caso. Ambos responderam que ainda não há previsão, além de definirem de quem é a competência para atuar no caso investigado pela Anvisa.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou, em nota, que a investigação dos cães está em andamento e que “realiza os levantamentos de todas as questões pertinentes ao caso e as informações serão repassadas em momento oportuno com a conclusão do Inquérito Policial".