Jornal Estado de Minas

JUNTOS E DIFERENTES

Mapa de desigualdade aponta 'distâncias' nos bairros da bacia do cercadinho


Um levantamento de dados feito pelo movimento Nossa BH, possibilitou a produção de um mapa das desigualdades que analisa a região da Bacia do Cercadinho. As informações organizadas foram apresentadas na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, na última quarta-feira (16/9), para um grupo de discussão composto por pessoas interessadas na preservação da região, contando com membros da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), da classe política e dos moradores.



Entre os dados apresentados, por exemplo, é possível constatar que a renda média dos moradores do Belvedere, um dos bairros nobres de Belo Horizonte, é dez vezes maior do que no bairro Havaí, mesmo ambos fazendo parte de um mesmo território (a Bacia do Cercadinho). Quando se dá um zoom em setores censitários - unidades menores de território - a diferença é ainda maior, um setor do Belvedere tem a renda 74 vezes maior do que um setor do Ventosa.

Setor do Belvedere tem a renda 74 vezes maior do que um setor do Ventosa (foto: Reprodução/Nossa BH)

O mapa das desigualdades é uma ferramenta usada para discutir como as políticas públicas podem lidar com espaços desiguais, e com outras políticas que reforçam essas desigualdades. A ideia é entender como essas desigualdades existem em espaços específicos, como bairros e regiões, para depois pensar no combate.

“Quando pensamos em políticas públicas é muito fácil esquecer que os espaços são desiguais. Uma política, digamos, universalizante, valeria para todo mundo, mas as pessoas não são iguais no território. Enxergar a desigualdade muda a forma de pensar a solução”, argumenta Marcelo Amaral, coordenador de projeto no movimento Nossa BH.





Nesse mapa, o Nossa BH utilizou informações do último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da base de dados da prefeitura, para analisar indicadores sócio-demográficos e de mobilidade da área que vai desde o bairro Belvedere, na região Centro-Sul, até o Havaí, na região Oeste da capital mineira. Através dele é possível construir algumas narrativas que ajudam as pessoas a entenderem os dados. 

Diferenças entre raça e gênero

Além de expressar a desigualdade entre bairros nobres e bairros periféricos, uma das preocupações do Nossa BH é ampliar esse “zoom” do mapa em questões de raça e gênero. “A desigualdade tem cor e gênero, são pretos e mulheres que sofrem mais”, frisa Marcelo.

Em setor do Belvedere homens têm uma renda média 3,8 vezes maior do que mulheres (foto: Reprodução/ Nossa BH)

As diferenças de renda, por exemplo, são ainda mais chamativas quando se faz o recorte por gênero. Em um setor do Belvedere, homens têm uma renda média 3,8 vezes maior do que mulheres. Porém, até 33% dos domicílios estão sob responsabilidade de uma mulher no bairro nobre de Belo Horizonte. Já no Ventosa, a maior parte dos domicílios estão sob responsabilidade de mulheres, porém, é lá que mais da metade delas vivem com até um salário mínimo.





Quando olhamos para a raça é possível observar que boa parte dos bairros Havaí e Palmeiras, possuem a maior proporção de população negra, acima de 65%. Por outro lado, nenhum setor do Belvedere, Buritis e Estoril, possuem a população negra acima de 45%.

Mobilidade Urbana

Para o movimento Nossa BH, a mobilidade urbana apresenta ótimos indicadores de desigualdade. O mapa consegue mostrar, por exemplo, quais pontos de quais bairros possuem uma frequência de ônibus alta, média e baixa.

O grupo também detalha entre dias úteis, onde a população trabalha, e domingos e feriados, quando as pessoas dedicam mais tempo para o lazer e cultura. No Olhos D’ Água e no Marajó, por exemplo, 100% das paradas de ônibus são de baixa frequência, afastando esses moradores de momentos de descontração.





Morador do Parque São José demora mais para chegar em um hospital de alta complexidade do que um morador do Estoril, usando transporte público (foto: Reprodução/Nossa BH)

Ainda é possível resgatar a média do tempo mínimo de deslocamento em transporte público até o estabelecimento de saúde de alta complexidade mais próximo, em horário de pico. Nesse indicador o bairro Parque São José é o mais lento, com um tempo de 38 minutos, enquanto o Estoril é o mais rápido, com 23 minutos.

“Vemos o quanto a mobilidade reforça a exclusão. O processo de ocupação da cidade é um processo que vai excluindo as pessoas, vai confinando e segregando por diversos motivos”, comenta Marcelo Amaral.

Questões ambientais

O mapa da desigualdades da região do Cercadinho não aborda questões ambientais do local que é atravessado por um córrego que nasce em bairros nobres e deságua em regiões mais periféricas, no entanto, essa é uma das demandas dos moradores da região. “O meio ambiente é uma questão de direito, que é tratada diferente conforme a área ocupada”, explica Carla Magna, coordenadora e ambientalista do Cercadinho e Ponte Queimada Córregos Vivos

Apesar de não existirem dados concretos sobre o tratamento ambiental em áreas específicas, como é o caso da Bacia do Cercadinho, a população consegue fazer suas próprias observações e tirar conclusões disso. Carla nota que, por exemplo, a poda das árvores é diferente entre as áreas nobres e periféricas, onde o processo é mais agressivo.

A reunião da última quarta-feira (16/9), além de apresentar o mapa, também foi usada para a para a discussão das questões ambientais do córrego. Representantes da prefeitura estiveram presentes no local, e a PBH reforçou que estudos e projetos sobre o córrego do cercadinho estão em andamento. Os moradores também estão se organizando para a criação de grupos de estudo que envolvam universidades e a comunidades, para fazer os devidos levantamentos.

*Estagiário sob supervisão do subeditor Diogo Finelli