Jornal Estado de Minas

HISTÓRIA

Praça Raul Soares: círculo de vida no coração de BH


Uma hora dessas, nessa primavera, vale a pena caminhar, sem pressa, pela Praça Raul Soares e no seu entorno, no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Com certeza, será um universo de (re) descobertas, muitas surpresas, algumas cenas urbanas inesperadas, mas nada que deixe o belo-horizontino ou visitante indiferente. Se do alto dos prédios o espaço público é único, com seu piso homenageando a cultura marajoara, de perto traz novidades, a exemplo da sétima edição do Circuito Urbano de Arte (Cura), que termina hoje, e novos bares no pedaço. Assim, à luz solar ou da Lua, o passeio, bem no coração de BH, tem seu lugar para curtir o encontro de jardins floridos, cultura, arquitetura e lazer.



Acreditando no potencial desse cenário como polo de diversão e negócios, há empreendedores cheios de ânimo para ocupar seu espaço. É o caso do chef Jaime Solares, que inaugurou na última quinta-feira, primeiro dia da primavera, o Bar Pirex, na Galeria São Vicente, na esquina da praça com a Avenida Amazonas. Tendo como sócios a mulher Michelle Matos e Vitor Velloso, do Restaurante Pacato, no Bairro de Lourdes, Jaime Solares só tem elogios à região.

“Estamos no Hipercentro, coração da cidade, próximos do Mercado Novo, diante do Conjunto JK, cujo projeto é de Oscar Niemeyer (1907-2012), perto de ‘tudo’. A localização é ótima”, diz Jaime Solares, na varanda que circunda a galeria e de onde se tem boa visão do espaço público e das árvores, entre elas uma sibipiruna florida.

Clientes admiram a vista noturna da praça no Bar Palito, localizado na Galeria São Vicente (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


Com cardápio de 50 petiscos, drinques e convite à integração, o estabelecimento comunga do espírito da Raul Soares, diz Michelle Matos: “Temos aqui, nesta área, a reunião das tribos urbanas, e queremos fortalecer a ‘cultura de boteco’, de beber no balcão, uma característica de Belo Horizonte”.





Debruçado sobre o parapeito da varanda, o casal destaca a beleza do espaço público e o belo pôr do sol. “Não queremos ver a praça como problema urbano, mas encontrar sua ressignificação e levar as pessoas a fazerem descobertas”, acrescenta Michelle, que, entusiasmada, informa que outros bares estão chegando à Galeria São Vicente, entre eles o Bolacha. “Aqui, a pessoa não se sente aprisionada, pois tem toda a praça diante dos olhos”, afirma.

Nova experiência

Fã confesso do Centro da cidade, o dono do Bar Palito, Túlio D’Angelo, que tem como sócio Thiago Ceccotti, está satisfeito com o movimento na casa, inaugurada no primeiro semestre. “É um bar singelo, não comporta muita gente, mas estamos criando uma experiência boa nesta região de tantos contrastes”, diz Túlio.

Jaime Solares, chef (na foto, ao lado da esposa e sócia, Michelle), que abriu bar na esquina da praça (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Para chegar ao bar, que oferece uma carta com sete coquetéis clássicos, e mais o rabo de galo (cachaça e vermute), o cliente sobe uma escada, entra num corredor e depois se depara com a Raul Soares. “Trata-se de um lugar muito especial, com jardins bem cuidados, que representa um divisor. De um lado, temos o Bairro de Lourdes; do outro, o viaduto (Dona Helena Greco); no meio, áreas muito pobres, população em situação de rua, enfim, um retrato da cidade com suas camadas sociais”, afirma Túlio, que já morou no Centro da cidade e hoje reside no Bairro Floresta. Ele vê como um tesouro de BH o vizinho Mercado Central.




Ocupação

Inaugurado em 1936 e tombado, em 1988, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), e em 2008, pelo município, como patrimônio cultural de BH e integrante do Conjunto Urbano Praça Raul Soares – Avenida Olegário Maciel, o espaço público, na opinião de moradores do entorno e de quem passa por lá diariamente, tem uma série de problemas, sendo o mais grave o número de moradores em situação de rua.

“Lugar tão bonito, com prédios de outros tempos, e nessa situação! Poderia ser um polo de entretenimento, como ocorre em outras cidades do mundo que requalificaram a área central”, afirma uma mulher que pede para não ser identificada.

Realmente, há muitos edifícios que chamam a atenção, datados da primeira metade do século passado, alguns com abrigo antiaéreo. Vale destacar que o objetivo do cômodo, no subsolo, era garantir proteção caso a Alemanha resolvesse bombardear BH durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Histórias que passam de boca em boca e deixam muita gente incrédula. Com atenção, o belo-horizontino pode descobrir fachadas e entradas de prédios cheias de charme. 



Alguns edifícios são datados da primeira metade do século passado (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Problemas não escondem encantos e potencial

O aposentado Tarcísio Miranda reside no Barro Preto há 35 anos e já curtiu muito a região, que tinha cinema, muitos restaurantes e bares. “Hoje, não saio mais à noite, mas basta olhar para ver que a Raul Soares tem potencial para ser polo de diversão”, afirma.

Dando uma parada na sua caminhada, a servidora pública Rita Bambirra chama a atenção para as poluições sonora  e visual, e vê urgência para solução de outras mazelas. “Precisamos de mais segurança. Para atrair investidores, é necessário também ter estacionamento.”

Fotografando as intervenções do Cura, a costureira Denise Teixeira de Freitas, que trabalha num shopping, pede mais iluminação. “Passo direto pela praça, vindo e voltando de casa, então quanto mais segurança, melhor”, avisa. 



A Raul Soares serve de refúgio para pessoas em situação de rua, que usam a fonte para se banhar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Enquanto a reportagem do EM esteve na praça, havia equipe da Guarda Municipal, incluindo veículo, e jardineiros cuidando dos canteiros – porém, em total desrespeito ao bem público, uma moradora das proximidades estava colocando seu cachorrinho para tomar banho na fonte.

Marajoara

Inicialmente denominada Quatorze de Setembro, de acordo com informações do Iepha, a Praça Raul Soares tem traçado de autoria do arquiteto Érico de Paula, que usou elementos geométricos nas calçadas portuguesas, em referência à cultura marajoara, e estilo art déco. A construção foi iniciada em 1929 e inscrita, em 1988, no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do Iepha. O nome da praça homenageia o ex-governador de Minas Raul Soares (1877-1924), que tomou posse em 1922. Além de político, era advogado, escritor e professor. 

Situada na intersecção das avenidas Amazonas, Olegário Maciel, Bias Fortes e Augusto de Lima, a praça  tem dimensões que a tornam um amplo referencial no traçado ortogonal da cidade.

Denise Teixeira de Freitas fotografa intervenção do Cura e pede mais iluminação para o local: %u201CQuanto mais segurança, melhor%u201D (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
 

Segundo o estudo do Iepha, “a concepção original do paisagismo, de autoria desconhecida, caracteriza-se pela rígida distribuição axial, centralizada em uma fonte luminosa, pela simetria enfatizada pelas moitas esféricas de topiaria e pelas perspectivas grandiosas”.




Cura em ação

Em sua sétima edição, o Circuito Urbano de Arte (Cura) retoma suas origens e promove uma intensa programação cultural com a pintura de mais duas empenas (fachada sem janela) e arte digital, além da instalação, na praça, da artista baiana Selma Calheira. Durante o festival, o Cura mantém uma base provisória na Galeria São Vicente.

Como em toda edição, um artista da cidade se torna o anfitrião de todos e, desta vez, Pedro Neves assume o papel – é dele a empena do Edifício Copacabana, no numero 89 da praça. Já Sueli Maxakali, liderança do povo indígena maxakali ou tikmuún, é a artista convidada para pintar a empena do Edifício Roma, enquanto Willand Cabal, vencedora da convocatória Cura, tem sua obra em NFT impressa em formato lambe para estampar a fachada do Hotel Sorrento.

Tarcísio Miranda, morador do Barro Preto (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Manutenção e trabalho social 

A Prefeitura de Belo Horizonte informa que mantém no local “ações de zeladoria do espaço”. Em nota, as autoridades explicam que a manutenção de rotina é feita diariamente durante a semana, de segunda a sexta-feira. “Em um contrato de manutenção continuada, a administração municipal tem atuado por meio de ações intersetoriais na busca de fazer da Praça Raul Soares um local adequado para utilização de convivência e trânsito de pessoas. Para isso, rotineiramente, são executados serviços de jardinagem, irrigação, manutenção de pisos e topiaria, acabamentos de canteiros, controle fitossanitário de pragas, adubação mineral e orgânica, entre outras manutenções.” 

A PBH esclarece que realiza intenso trabalho em locais onde há grande incidência de pessoas em situação de rua, como é o caso da Praça Raul Soares. “Por meio das equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social, o município realiza o acompanhamento, identificação de demandas e orientações dessas pessoas a serviços públicos (saúde, educação, documentação civil), inclusive para acolhimento (abrigo), tendo como foco a construção da autonomia e de processos que incentivem a superação da vida nas ruas. Todo o trabalho é pautado na legislação vigente no Sistema Único de Assistência Social e considera sempre o desejo do cidadão, a proteção e a garantia de sua dignidade.” Já a Guarda Municipal atua de forma a garantir a segurança dos cidadãos nos espaços públicos de convivência comunitária, como praças, parques, unidades de saúde, escolas municipais, entre outros, situados em todas as regiões da capital.



Efígie de Otacílio Negrão de Lima (1897-1960), na Praça Raul Soares (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Quem sou eu?

Um monumento na Praça Raul Soares, cercado de fita zebrada, parece perguntar: Quem sou eu?. É que não há identificação, e o rosto do homenageado sumiu. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Fundação Municipal de Cultura, dá a resposta: “É a efígie de Otacílio Negrão de Lima (1897-1960). A peça, em granito, foi erguida em homenagem ao ex-prefeito de BH (de 1935 a 1938 e de 1947 a 1951), por iniciativa do Diário de Minas, e inaugurada em 14 de julho de 1969”. A Prefeitura de Belo Horizonte informa que ainda não há uma previsão de restauro, mas será feito estudo para futuro diagnóstico.