Ouro Preto – Na força dos seus 95 anos, Efigênia Rosa Camilo tem todo o tempo do mundo para esperar o término do serviço, enquanto a professora Elaíne Maria Araújo Sales, a Nininha, de 70, não vê a hora de ver tudo terminado. “Estou um pouco ansiosa”, confessa. Mais adiante, é a vez do auxiliar de obra Alex Garcia ajudar a restaurar a casa que pertenceu à sogra, Aparecida dos Santos Rodrigues, falecida durante a pandemia, e agora com o nome destacado na placa afixada na fachada. Nessas três moradias dos séculos 18 e 19, o clima é de muito trabalho com a expectativa de que, até o final do ano, estejam habitáveis, seguras e preservadas a fim de valorizarem ainda mais o conjunto arquitetônico de Ouro Preto, primeira cidade reconhecida no país (1980) como patrimônio mundial.
Os imóveis de números 169, 209 e 480 são propriedade de famílias de baixa renda e, restaurá-las, seria praticamente impossível devido aos custos. “Coitada de mim! Não teria dinheiro para consertar a casa. Nasci e fui criada aqui, graças ao Senhor Bom Jesus”, conta dona Efigênia, da 209, que se mudou para outra, nos fundos do seu terreno, com o neto José Raimundo Câmara.
“Nosso objetivo, além de restaurar as casas, é manter a dignidade das pessoas que nelas vivem. Trabalhamos a partir de um levantamento do IFMG, que destacou 16 moradias necessitadas de obras emergenciais”, diz a diretora artística do IA, Bel Gurgel. Ao lado, o engenheiro encarregado dos serviços, Ney Nolasco, ressalta a importância do “patrimônio humano”, que une as construções centenárias e a história dos moradores e de Ouro Preto.
História viva Na casa de número 169 da Rua Alvarenga Peixoto, o auxiliar de serviços Alex Garcia se mostra feliz ao ver, em obras, a casa onde viveu a sogra Aparecida dos Santos Rodrigues: “A intervenção é completa, inclui toda a estrutura, do piso à cobertura”, diz entusiasmado e feliz pela homenagem à memória.
Dentro das construções com grande movimentação de trabalhadores, a reportagem do Estado de Minas sentiu outra dimensão da antiga Vila Rica. Diante dos olhos, as paredes de pau a pique, as telhas antigas, os corredores como se fossem esqueletos que, aos poucos, recebem a massa da preservação. Atenta, Bel Gurgel explica que o projeto envolve 280 pessoas, incluindo alunos bolsistas, e contempla ações educativas a exemplo de oficinas de restauro voltadas para a comunidade, professores e alunos do ensino médio da cidade e região.
As oficinas contaram com aporte pedagógico de carpinteiros, pedreiros, pintores e instaladores com atuação na área dos ofícios tradicionais, além de tecnólogos, pesquisadores e professores – os dois últimos, via parceria com o curso de Conservação e Restauração de Bens Imóveis do IFMG – campus Ouro Preto.
Satisfeita com a oportunidade, Yara Ferreira, de 22 anos, formada na Fundação de Artes de Ouro Preto (Faop) e atualmente cursando o IFMG, está em seu primeiro trabalho e espera que outros surjam. É visível o entusiasmo da jovem que se movimenta com interesse nos espaços edificados em tempos coloniais. “Aprender na prática e trabalhar para o bem do nosso patrimônio é chance única”, disse.
Mais segurança Já na casa número 480, Elaíne Sales, mãe de dois filhos, não continha a ansiedade na véspera de se mudar para a casa da filha. “Considero essa restauração um presente. A gente cuida, é um imóvel de muitos anos, mas, agora, ficamos mais seguros”, observou cheia de alegria, embora já imaginando o dia do retorno.
O nome do projeto, BomSerá, vem de bom-será ou bonserá, em referência à construção típica do século 18, presente nas cidades do Ciclo do Ouro, em Minas, entre elas Ouro Preto, Mariana, Sabará e Caeté. Conforme os estudos, trata-se de edificações de grande valor histórico, cuja principal característica é o uso de “parede-e-meia”, ou uma coladinha a outra. As casas foram construídas a partir de uma única estrutura e divididas em várias residências.
As ações do BomSerá têm apoio do Ministério do Turismo, Instituto Cultural Vale e o IA – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto como gestor.
Restauradores lutam pelo reconhecimento da profissão
Os restauradores e conservadores de bens culturais lutam pelo reconhecimento legal da profissão, ainda mais no momento em que projeto de lei nesse sentido está sendo examinado pelo Congresso Nacional. Na Semana do Patrimônio Cultural do Brasil, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, enviou mensagem ao Legislativo destacando a relevância do ofício. "A manifestação traduz o reconhecimento da Cidade Monumento Mundial aos profissionais que tanto contribuem para sua adequada conservação". Ele destacou que o município conta com o pioneiro centro de formação de restauradores sediado na Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) e o curso de conservação e restauro do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).