Jornal Estado de Minas

Violência

Cidade de MG tem taxa de homicídios maior que regiões mais violentas de BH

Mateus Parreiras
Enviado especial

O "espantalho" contra criminosos, correntes e cadeados em imóveis abandonados e a apreensão por trás dos muros: escalada da violência e pedido de mais policiamento


Esmeraldas – O som sertanejo que domina o ambiente não disfaça o olhar assustado que recebe quem entra pelo bar humilde do Bairro Jardim Coqueirais, em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A expressão apreensiva vem de uma mulher de meia-idade detrás do balcão nos fundos da construção de tijolos e grades localizada na cidade de pouco mais de 70 mil habitantes, que proporcionalmente tem a maior taxa de assassinatos em Minas Gerais. O temor dela não vem apenas das estatísticas. Tem razão concreta, e muito próxima. “Meu marido trabalha em Belo Horizonte e eu conto o tempo para ele chegar e eu poder fechar, porque o medo está comigo o dia todo. É muita droga. Muita gente que não presta vindo de BH, de Ribeirão das Neves para traficar aqui. Estamos morrendo de medo”, disse ela. “Meu enteado de 35 anos foi assassinado a tiros; o enterramos há alguns dias. Igual a ele, já morreu muito pai de família. Quem será a próxima vítima?”, indaga a comerciante que pede para não se identificar por medo de ser a resposta à pergunta que ela mesma formula.





Como ela, é raro quem se atreva a quebrar a lei do silêncio imposta pelo tráfico de drogas que domina as vielas de terra batida e cascalho entre casas sem reboco ou tinta, em um dos bairros onde se sente a violência que assola a cidade. Para que se tenha ideia do motivo de tanta apreensão, basta considerar que a morte por homicídio está duas vezes mais perto da população de Esmeraldas do que na área mais crítica de Belo Horizonte – sob responsabilidade do 1º Batalhão da PMMG, no interior da Avenida do Contorno.

Com 72.512 moradores, Esmeraldas se destacou negativamente em 2021 como a cidade com mais pessoas assassinadas em relação proporcional com sua população, de acordo com informações do Armazém de Dados do Sistema Integrado de Defesa Social, às quais a reportagem do Estado de Minas teve acesso, com base nas ocorrências da Polícia Militar de Minas Gerais.

Basta circular pelas ruas de bairros às margens da BR-040, como o Jardim Coqueirais, Melo Viana e Mangas, para ver reflexos aparentes dessa realidade: casas e lojas com placas de aluga-se ou vende-se, muitas cercadas por grades, lacradas com cadeados e vigiadas por cães deixados com tigelas de água e ração com a tarefa de guardar imóveis vazios. Retrato do medo, chegou-se ao ponto de um dos moradores instalar uma espécie de espantalho, de boné, óculos, jaqueta e calça jeans, aparentando vigília na esquina de casa, para dar impressão aos criminosos de que há alguém de guarda, segundo os vizinhos.




Escalada 

O clima de violência e medo em Esmeraldas não começou da noite para o dia. Já em 2015, o Plano Diretor Estratégico Participativo da Prefeitura alertava para o aumento da criminalidade, com 31 bairros reclamando da necessidade de postos policiais e policiamento ostensivo. “Foi constatado grande aumento da violência e de ocorrências policiais. Identificada a invasão de periferias dos municípios de Ribeirão das Neves, Contagem e Betim para dentro de Esmeraldas como possível causa do aumento da criminalidade”, indicou estudo municipal.

O plano diretor levantou algumas propostas para tentar conter a escalada de insegurança. “Sugeriu-se a construção de marcos de entrada no município, com a colocação de guaritas policiais. Outra proposta seria a ampliação de efetivo da polícia, atendimento a todas regiões do município e ainda a patrulha rural, onde os problemas de segurança também têm sido altos”, diz outro trecho do documento.

Na lista dos 10 municípios com mais altas taxas de homicídios compreendidos em sedes de unidades da PM com mais altas taxas de homicídios (veja quadro), metade está na Grande BH, assim como Esmeraldas, sendo que em seis deles o policiamento preventivo e ostensivo (patrulhamento e presença) é comandado por companhias independentes, e não batalhões. A diferença estrutural dessas unidades é grande e pode ter relação com os números da criminalidade. As companhias independentes precisam ter, segundo a corporação, no mínimo, dois pelotões, com 35 a 50 militares cada, enquanto os batalhões são formados a partir de duas companhias com seus respectivos pelotões.




Índice é quase o dobro da pior área da capital

Em relação à taxa de homicídios, o pior resultado em Belo Horizonte se dá na área de abrangência do 1º Batalhão da Polícia Militar (Região Centro-Sul, no interior da Avenida do Contorno), onde 17 homicídios representaram taxa de 16,85 mortes por grupo de 100 mil habitantes em 2021. O índice significou uma piora de 27,36% no desempenho-limite estabelecido como aceitável pela corporação, que seria de 13,23 por 100 mil.

Esmeraldas praticamente dobra esse patamar na área da 6ª Companhia Independente da PM, com 33,1 mortos projetados para uma população de 100 mil habitantes. Apesar da taxa altíssima, os 24 assassinatos de 2021 representaram até uma redução, de 11,11%, frente aos 27 do ano anterior, e uma melhora em relação à meta estipulada como tolerável da corporação, que era de 35,47 mortes por 100 mil.

O segundo município onde proporcionalmente se mata mais é Nanuque, área da 10ª Companhia Independente da PM, no Vale do Rio Mucuri. Os 38 homicídios registrados em 2021 representaram taxa de 31,89 mortes projetadas para um grupo de 100 mil habitantes, pouco acima da meta de tolerância, de 31,51/100 mil.





Viçosa, na Zona da Mata, se destaca na terceira posição em relação aos homicídios por número de habitantes, mas foi o município que apresentou maior alta entre os cinco com índices mais altos. As 42 mortes computadas pelos policiais militares superaram em 10,53% a quantidade registrada no ano anterior, de 38. A cidade ficou também mais longe da meta, com taxa de 27,15 mortes por 100 mil habitantes, sendo que o tolerável pelos critérios da PM seria não passar de 23,42/100 mil (+15,9%).

Na sequência dos cinco mais violentos, vêm Governador Valadares, na área da 5ª Companhia Independente, no Vale do Rio Doce, com taxa de homicídios de 26,24/100 mil, superando em 9,02% a meta da PMMG. Segue Igarapé, na circunscrição da 7ª Companhia Independente, na Grande BH, onde a taxa de assassinatos foi a 24,9/100 mil, com a meta de 25,81 sendo reduzida em 3,5%.

Quando se observam os municípios da Grande BH, após Esmeraldas e Igarapé, os que têm as mais altas taxas de assassinatos entre os 10 primeiros são Betim, na área do 33º Batalhão, em 6º lugar geral, com taxa de homicídios de 23,09/100 mil; Ribeirão das Neves (40º Batalhão), figurando em 9º, com 21,09/100 mil; Vespasiano (36º Batalhão), que segue em 10º, atingindo taxa de 20,47/100 mil.




Taxa reflete migração do crime, diz especialista

Os altos índices de homicídios em Esmeraldas refletem mais a repressão ao crime em cidades vizinhas como Ribeirão das Neves, Contagem e Betim do que propriamente ações de bandidos instalados nas periferias do município, que faz limite com essas cidades. A avaliação é do coronel Carlos Júnior, especialista em inteligência de Estado e segurança pública. “O crime tende a procurar espaços onde há menor repressão e maior impunidade. Há uma soma de fatores que tornaram Esmeraldas mais atrativa para os acertos de conta e desovas de homicídios dos criminosos, que têm mais dificuldade em Betim, por exemplo”, afirma.

Aspectos que formam esse cenário propício ao crime em Esmeraldas estariam ligados a características físicas que dificultam um cerco policial mais efetivo. “É um município de grandes dimensões, um dos maiores da Grande BH, com pequena população – o que inclusive afeta a taxa de homicídios por 100 mil habitantes. É cortado por uma via de grande fluxo, a BR-040, que tem sido palco de grandes apreensões de drogas e de armas de fogo. Há também importantes rodovias regionais e uma intrincada rede de vias vicinais, que são muitas vezes usadas pelos criminosos”, observa o coronel.

“Sabemos que há planos de implantação de tecnologia, câmeras para identificação de placas de veículos e outros instrumentos de vigilância. Mas não bastam só projetos. É preciso prioridade e investimento do poder público”, salienta o especialista. Ele atribui boa parte da criminalidade que migra para Esmeraldas ao combate em Betim, que considera muito efetivo. “Antes, Betim era o terceiro pior em homicídios do Brasil, atrás de Olinda (PE) e Serra (ES). Hoje, o 33º BPM daquela área está em 6º lugar estadual e nem aparece nacionalmente”, afirma.





Para o coronel, as principais armas foram integração e inteligência. “Destaco um excelente trabalho de integração policial, melhoria da tecnologia, aprimoramento da gestão da PM, ampliação dos conselhos de segurança pública. O cercamento eletrônico por imagem e por comunicação também faz a diferença, com uma viatura sabendo onde está a outra da PM, da Guarda Municipal, e assim fechando o cerco com as câmeras”, afirma.

Em termos gerais, o coronel avalia que o Brasil todo tem experimentado quedas dos índices de homicídios e crimes violentos, mas diz que é preciso avançar nesse combate. “O crime de homicídios é o que traz mais insegurança para a sociedade, a família e atinge sobretudo os jovens em plena idade produtiva. Só a estatística é pouco para esse enfrentamento. É preciso fazer um estudo matricial dos casos e um trabalho de inteligência em correlação com a análise criminal. Descobrir que cada caso não começou e nem terminou na morte, mas que é parte de tendências e fenômenos mais complexos ajuda a evitá-los ou a dar uma resposta que inibe a criminalidade", analisa Carlos Júnior.

Inteligência

A Secretaria de Segurança Pública e Justiça  de Minas Gerais considera que ações integradas e que mesclam trabalhos operacionais, preventivos e de inteligência têm reduzido os índices de homicídios em Minas. “Frequentemente, são realizadas operações de segurança em todo o estado, atu- ando na repressão qualificada, com o objetivo de impactar a redução da criminalidade, em um trabalho integrado de gestão coletiva da segurança pública e da Justiça criminal”, diz nota da pasta.





“As quedas acumuladas de vítimas de assassinatos dos últimos anos somam 5,47%, entre 2019 e 2020, e 8,05% entre 2020 e 2021. No período acumulado de 2018 a 2021, a queda é ainda maior, de 23,1%. Ressalta-se ainda que o homicídio é uma das naturezas criminais que compõem a análise do Ministério da Justiça, que indica Minas Gerais como o estado mais seguro do Brasil”, destaca o texto, sem se ater a situações específicas, como a de Esmeraldas.

Os dados avaliados pela reportagem, apesar de preocupantes, não foram alvo de análise, sob justificativa de não terem sido divulgados oficialmente. “Em virtude de preservar as estratégias para a redução da criminalidade em todo o estado, o governo de Minas não comenta informações restritas de relatórios e de análises de inteligência das forças de segurança”, afirma a Sejusp.