Bel Ferraz, Isabela Bernardes e Sílvia Pires
Casas e apartamentos trancados e criminosos ousados: mesmo com a população redobrando os cuidados com a segurança, o número de furtos a residências cresce em Belo Horizonte. Segundo levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), BH tem média de 15 arrombamentos por dia. O temor cresceu desde o ano passado, com um salto de 5,7% nos crimes de invasão a domicílio seguido de furtos até setembro, na comparação com 2021. Ontem, a ação de uma mulher que invadiu um condomínio de luxo no Bairro Luxemburgo, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e furtou R$ 1 milhão em joias e duas pistolas – o proprietário da casa é colecionador autorizado –, evidenciou essa sensação de insegurança até mesmo dentro de casa.
As imagens do circuito de segurança do apartamento registraram toda a ação. Bem-vestida e de óculos escuros, a mulher conseguiu se passar por uma moradora e entrou no prédio, que tem um forte esquema de segurança, sem levantar suspeitas. Segundo a Polícia Militar (PM), o porteiro liberou a entrada da mulher por tê-la confundido com uma hóspede do 8º andar. A suspeita seguiu para o elevador de serviços, que não tem câmeras de segurança, entrou no apartamento e saiu após 50 minutos dentro do imóvel. No momento do crime, a família viajava e o imóvel estava vazio.
Em entrevista coletiva sobre o caso, o delegado Gustavo Barretta, do Departamento Estadual de Investigação de Crimes contra o Patrimônio (Depatri), disse que a suspeita já é conhecida da Polícia Civil por praticar outros crimes de invasão e assalto a condomínios, incluindo em outros estados da Região Sudeste, e que ela não agiu sozinha. Pelo menos outras duas pessoas estão envolvidas, disse.
"No momento em que cometia o crime, ela era orientada por telefone. Acreditamos que os outros envolvidos estavam próximos do local e deram fuga à mulher", explicou. Ele acredita que os parceiros sabiam da dinâmica do apartamento, mas ainda não é possível afirmar se eram pessoas com algum grau de familiaridade com o dono da casa. Ainda de acordo com Barretta, a porta foi arrombada com uma chave de fenda conhecida como lancinha. Agora, a investigação vai se concentrar na avaliação das imagens da ação para encontrar mais evidências. A expectativa ontem era que a suspeita fosse encontrada “nas próximas horas”.
OUTRAS VÍTIMAS
Especialistas apontam que o perfil do furto de residência está muito ligado a bairros com casas, sendo menos comum em prédios, mas, com criminosos cada vez mais ousados, essa realidade vem mudando nos últimos anos. A servidora pública Jussara Cristina Ribeiro, de 48 anos, teve o apartamento invadido no fim do ano passado. Ela mora com o marido em um prédio sem porteiro, no Bairro Betânia, Região Oeste da capital. “A gente foi passar uns dias na casa dos meus pais, no interior de Minas mesmo, e quando voltamos demos de cara com a porta arrombada”, conta. Eles ficaram fora de casa por apenas três dias, mas isso foi suficiente para que os criminosos levassem a TV, notebooks e aparelho de som. A família costuma viajar com frequência. “Eu só sabia chorar quando vi o que tinha acontecido. Muitas coisas a gente ainda estava pagando no crédito”, lamenta. O casal havia se mudado pouco menos de um ano antes do crime para o prédio.
Jussara faz parte dos 4.100 belo-horizontinos que tiveram as residências invadidas e furtadas entre janeiro e setembro do ano passado. Em 2022, o número saltou para 4.337 crimes. Minas Gerais computa média de 158 furtos em domicílio por dia. Só neste ano, foram 43.395 casos, contra 42.561 em 2021. Os dados não têm informações específicas, como a divisão por bairros. A secretaria diz que evita a estigmatização de um local em detrimento de outro, mas que eles podem ser acessados via Lei de Acesso à Informação.
Esse, no entanto, não é um problema somente dos mineiros. Na semana passada, imagens do circuito de segurança de um prédio, em São Paulo (SP), flagraram um adolescente de 15 anos suspeito de furtos milionários em condomínios de luxo da cidade. Nas imagens, o jovem dança no elevador pouco antes de invadir o apartamento. Ele levou cerca de R$ 200 mil entre joias e dinheiro em espécie.
Vizinha de porta de Jussara, a dona de casa Fernanda de Oliveira Pires, de 49, conta que o prédio não tinha sinais de arrombamento e que nem ela nem outros vizinhos viram nada fora do comum no período em que o casal esteve fora. “Eu só percebi o que tinha acontecido quando vi a polícia chegando no prédio. Eu estava em casa todos esses dias e não ouvi nada. Na hora, congelei. Imagina se tivessem tentado entrar aqui?”, disse. Depois disso, ela passou a vigiar o apartamento da vizinha sempre que o casal viaja. “Agora ela deixa a chave comigo e sempre dou uma passada por lá”, disse. O prédio também instalou câmeras de segurança nas portas de entrada.
PERFIL E PROTEÇÃO
Na avaliação do advogado criminalista e pesquisador em segurança pública Jorge Tassi, crimes como esses são praticados por pessoas de confiança da família. “Tem alguém que deu todas as letras, todas as indicações para que o crime viesse a acontecer, como burlar a segurança. O bandido não escolheu nada. Ele foi escolhido”, afirma. Ele reforça a importância de um sistema de segurança próprio, ainda que o condomínio conte com esse serviço. “A gente acha que o sistema de segurança do prédio é suficiente para cobrir os problemas dos nossos apartamentos, mas, é fato, que precisamos de um sistema de vigilância interno para ser um backup, que vai cuidar quando você não está cuidando. Se você tiver, por exemplo, um alarme com uma câmera, já acaba criando um fator de dificuldade para essa pessoa”, considera.
Ele também pondera que o sistema de segurança permite que a pessoa se antecipe a possíveis riscos. “Você consegue olhar sua casa do seu celular, fazer o acompanhamento do que está acontecendo no entorno. Isso é muito bom para você chegar em casa e, por exemplo, ver que carro está parado do lado de fora, quem está próximo, já sabe tudo isso antes mesmo de chegar na rua”, disse. Tassi defende que as pessoas sejam mais criteriosas com o que postam nas redes sociais. “A gente precisa ser menos imediato. Eu realmente acho que a exposição nas redes sociais é exagerada. Você não vai exibir que instalou um sistema de câmeras em casa”, observa.
As forças de segurança destacam que os casos de arrombamentos – e todos os demais crimes – devem ser registrados pela população. A partir dos dados, as polícias Militar e Civil organizam as estratégias de prevenção e repressão aos crimes. A PM garante que rondas rotineiras são feitas em toda a cidade.