As interdições e bloqueios da Avenida Raja Gabaglia, entre as Regiões Oeste e Centro-Sul de Belo Horizonte, se tornaram um obstáculo para os moradores e trabalhadores que dependem diariamente da via, uma das principais da capital mineira. O transtorno é resultado dos protestos feitos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que não aceitam o resultado das eleições de 2022, encerrada no penúltimo domingo, 30, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar dos problemas criados para os belo-horizontinos ao longo dos últimos sete dias, os bolsonaristas não parecem se importar. Pelo contrário, na maior parte da avenida o clima é de confraternização, com apoiadores sentados em tendas, fazendo churrasco e bebendo cerveja.
"Está atrapalhando bastante toda a nossa rotina. O caminho que a gente tem para sair aqui de casa sempre passa pela Raja, então só temos uma alternativa, mas, como o movimento é grande, pegamos muito trânsito. Não sei os horários e dias do protesto, então às vezes estou voltando para casa tarde e tenho que fazer uma super volta. O trânsito na Raja e no entorno está atrapalhando bastante", declarou a administradora Laura Dutra, que mora próximo ao hospital Madre Tereza.
O acesso à unidade de saúde é, inclusive, motivo de preocupação para uma vizinha da Companhia de Comando da 4ª Região Militar, local escolhido pelos bolsonaristas para se concentrarem na Avenida Raja Gabaglia. De acordo com a moradora, preferiu não se identificar, a situação é caótica. “Se uma ambulância for em direção ao Madre Tereza, é arriscado o paciente sofrer com a demora”, relatou. Ela também se impressionou com o “clima de quermesse” do protesto, que conta com barraquinhas e venda de artigos.
Questionada pela reportagem do Estado de Minas, a prefeitura de Belo Horizonte se manifestou sobre os desvios feitos pela BHTrans, sem se posicionar sobre o impacto das interdições na avenida ou informar se vai adotar alguma medida para conter os protestos. “A manifestação ocorre em ambos os sentidos da Avenida Raja Gabaglia, entre a Avenida do Contorno e a Rua Cachoeira de Minas. A opção no sentido Centro/Bairro é: Avenida Olegário Maciel, Rua Conde de Linhares, Rua Josafá Belo (atravessa a Avenida Raja Gabáglia) e pelo bairro Gutierrez acessar a Avenida Raja Gabaglia, depois da Rua Cachoeira de Minas”, informou, em nota.
Intervenção federal x Intervenção militar
A organização do ato se concentra na porta do quartel da 4ª Região Militar. É neste local que foi colocado um minitrio elétrico, de onde lideranças incitam gritos de guerra aos demais manifestantes por meio de um microfone. Entre as principais frases estão “Forças Armadas tomem o Brasil” e uma mistura entre aqueles que pedem “intervenção militar” e os que clamam por “intervenção federal”.
Uma intervenção militar é um ato realizado pelas Forças Armadas, compostas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, com o objetivo de intervir no Estado. Com a interferência, a autoridade máxima do país, instituída por meio de eleições diretas, é derrubada e as forças tomam o controle. Esse cenário já foi visto antes pelos brasileiros. Em 1964 os militares tomaram o controle do país em um movimento que durou 21 anos. Com a promulgação da Constituição Federal Brasileira, em 1988, a intervenção militar passou a ser proibida, inconstitucional e se configura como um golpe de Estado. Portanto, a reivindicação dos manifestantes não tem amparo legal.
Já a intervenção federal, ou intervenção de estado, é um mecanismo que possibilita a interferência federativa em um estado, distrito ou município. Diferente da intervenção militar, que não é abordada pela Constituição Federal, está prevista na Carta Magna Brasileira, no artigo 34, mas não pode ser usada para reverter ou anular o resultado de uma eleição democrática.
Mesmo em situações de exceção, a decisão de decretar uma intervenção federal não é unilateral, como esclareceu o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB), Mamede Said. Para o ato, o presidente precisa da autorização do Congresso. “Quando o presidente decreta a intervenção, ele tem 24h para submeter o decreto de intervenção ao Congresso. Se o Congresso, por qualquer motivo, não autorizar, a intervenção cessa. Não é uma decisão que pode ser tomada de forma unilateral e arbitrária, tem que ser compartilhada com o Legislativo”, salientou. (Com informações de Aline Brito, do Correio Braziliense)