Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Marília Melo: "A agenda ambiental é ampla, mas gera qualidade de vida"

 

Em um estado que tem nos recursos naturais uma de suas maiores riquezas, gerenciar a questão ambiental é uma demanda permanente, que se torna ainda mais importante em um cenário em que as mudanças climáticas mobilizam atenções e preocupações em escala planetária. Polo de riquezas minerais que deram nome ao próprio território, fonte de sistemas hídricos que já valeram a alcunha de caixa d'água do país e reserva de biomas estratégicos, como a mata atlântica e o cerrado, Minas Gerais se vê às voltas, como poucos, com o desafio de aliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Responsável pela missão, a secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Carvalho de Melo (foto), fala nesta entrevista sobre as metas alcançadas na atual gestão e das exigências que se impõem para o setor no próximo mandato do governador Romeu Zema (Novo). Entre os pontos de destaque, a participação de Minas na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP 27), no Egito, segurança na mineração, controle do desmatamento e taxação da chamada energia limpa. Confira a seguir.





 

Sala de monitoramento de barragem de mineração: secretária destaca medidas para prevenir desastres como os de Mariana e Brumadinho (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 5/10/17)
 

 

O que vai mudar na gestão ambiental no segundo mandato do governador Romeu Zema? Quais são as áreas onde há necessidade de mudança imediata?

Tivemos muitos resultados importantes no primeiro ciclo destes quatro anos que estamos concluindo. Mas parte significativa se deu com o foco em passivos que precisávamos enfrentar. Passivos de licenciamento ambiental, autorização de uso da água e intervenções ambientais especialmente, que é uma demanda de prestação de serviço direto à sociedade. Também trabalhamos em passivo de estruturação de unidades de conservação, elaboramos 15 planos de manejo e atualizamos outros seis. O plano de manejo é um instrumento fundamental para conservação dessas áreas. Ainda no tema biodiversidade, estruturamos os Centros de Triagem e Reabilitação de Fauna Silvestre e criamos novos em Patos de Minas e Divinópolis, o que nos possibilitou receber mais de 25 mil animais. A gestão da fauna doméstica, cuja atribuição foi passada à secretaria em 2019, também avançou. Contabilizamos 146 mil esterilizações de cães e gatos e doamos 63 mil microchips para monitoramento de animais domésticos aos municípios. Implantamos, de forma pioneira, o Sistema Estadual de Manifesto de Transporte de Resíduos, uma ferramenta de rastreabilidade de resíduos gerados e destinados em Minas. Com isso, monitoramos 46 milhões de toneladas de resíduos, dos quais 39% foram destinados à reciclagem. Na agenda de recursos hídricos, uma demanda antiga dos 36 comitês de bacias hidrográficas era para que o recurso da cobrança pelo uso da água fosse descontingenciado. Todo o valor arrecadado nesta gestão foi integralmente repassado e estamos pagando o passivo, conforme acordado com os comitês. Importante ressaltar que saímos de 12 bacias com cobrança pelo uso da água para 26 já aprovadas e em fase de implementação, dando maior autonomia e condição aos comitês de implementarem projetos e ações de melhoria de qualidade e quantidade da água. Esses são alguns dos nossos resultados. Mas considerando a amplitude da gestão ambiental, temos ainda muito a percorrer.

 

Quais são as prioridades nesse percurso?

Temos algumas prioridades estabelecidas. A universalização do saneamento é uma delas, que deverá ocorrer em parceria com os municípios, considerando a competência constitucional. O estado enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que propôs a criação das unidades regionais de água e esgoto, e de resíduos sólidos. Isso é central para o avanço com a atração de investimentos no saneamento em Minas. Na agenda de regularização ambiental, também estamos iniciando um projeto estruturante, que é uma prioridade. Ele fará uma ampla revisão das 870 normas infralegais que o estado tem, para de fato retomar o licenciamento com um foco na técnica de avaliação e controle de atividades potencialmente poluidoras. Com o projeto, vamos criar regras técnicas precisas, com elaboração de termos de referência para todas as licenças ambientais, bem como a modernização dos nossos sistemas de informação para o licenciamento, dando maior controle aos processos e previsibilidade às pessoas que demandam essa prestação de serviço no estado. Estamos também em fase de elaboração do plano de segurança hídrica, que resultará em propostas de projetos de melhoria de qualidade e de disponibilidade hídrica no estado. Esse é um instrumento fundamental, até para a adaptação frente às estiagens e cheias intensas que o estado tem vivenciado. Outro desafio posto para trabalharmos nos próximos quatro anos é a implementação do Programa de Regularização Ambiental no estado. Esse é um instrumento do código florestal brasileiro que permite a regularização ambiental das propriedades rurais. No nosso levantamento, temos um potencial de restauração de 3,4 milhões de hectares no estado com essa ação.

 

Grande parte da população em geral tem dificuldades em entender o conceito de controle de emissão de gás carbônico, quando essas mesmas pessoas ainda não têm o saneamento básico e não foram educadas para a reciclagem. O que se pode fazer em um cenário como esse?

A agenda ambiental é de fato ampla, mas todas as questões são igualmente importantes para a população, pois geram, em última instância, qualidade de vida, por isso temos que atuar nas diversas áreas. É o que temos feito. Investimentos em saneamento, incentivos à reciclagem e projetos de educação ambiental. Para começar, temos o projeto Jovens Mineiros Sustentáveis, que capacita educadores e alunos de escolas estaduais que se tornam multiplicadores de informações e novas condutas junto às famílias. O programa atua em uso eficiente da água, eficiência energética, coleta seletiva e educação humanitária. Já realizou mais de 100 mil atividades de educação ambiental em 65 municípios, envolvendo mais de 4 mil estudantes. Outra frente é o Bolsa Reciclagem: os catadores recebem por material recolhido, como uma forma de pagar pelo serviço ambiental que eles prestam à sociedade. Já foram investidos mais de R$ 15 milhões para as associações de catadores de materiais recicláveis. Pagamos a eles inclusive o passivo da gestão anterior. Também há parcerias com entidades de atuação nacional para pontos de recolhimento e logística reversa. No saneamento, posso destacar que já temos mais de 87% da população urbana atendida por coleta de esgoto. São 16,5 milhões de pessoas. Quatrocentos e dez municípios têm cooperação técnica para apoio na gestão de resíduos sólidos urbanos e já são 570 municípios regularizados na destinação de resíduos sólidos. É um trabalho para reduzir os lixões. Mesmo o saneamento sendo uma atribuição direta do município, temos atuado para apoiá-los integralmente. E os resultados mostram que estamos no caminho certo.





 

A tragédia de Mariana completou sete anos recentemente. Em breve, o rompimento em Brumadinho completará quatro anos. A senhora acha que o que está sendo feito desde então, tanto pelo governo quanto pelas empresas exploradoras dos recursos, amadureceu para que isso não ocorra nunca mais, ou ainda corremos algum risco, caso algo não seja feito? Ainda sobre o tema, as indenizações que o estado vai receber são quantias enormes. O que o estado está separando desses recursos para a conscientização e avanço da pauta ambiental?

Sempre reforço que são dois episódios muito tristes, marcantes e que não podem ser esquecidos. Diante do que ocorreu, e da realidade da mineração já instalada, foram criadas normas mais rígidas de controle e fiscalização, com participação do governo estadual, do Poder Legislativo e do Ministério Público. Contudo, é preciso deixar uma situação bem clara: a mineração foi desenvolvida em Minas ao longo de muitas décadas e de forma mais intensa a partir de meados do século passado. Existem grandes estruturas que não podem ser revertidas no espaço de tempo que gostaríamos. Envolvem riscos e esse trabalho precisa ser realizado da maneira mais adequada possível, para evitar novos desastres. O que fizemos de imediato foi impedir a utilização dessas barragens, ou seja, aquelas alteadas a montante, método construtivo das barragens que se romperam. Essas estruturas não podem receber mais material e as empresas que não conseguiram cumprir os prazos de descomissionamento estipulados na lei Mar de Lama, em função dessas questões que envolvem as estruturas, firmaram termos de compromisso, com previsão de multa, para que o trabalho de descaracterização das barragens seja feito mais breve possível, dentro da técnica mais adequada. A Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), a Agência Nacional de Mineração e o Ministério Público estadual acompanham de perto.

 

E quanto à situação das empresas?

Deve-se destacar que, considerando a previsão legal, foi estabelecido o pagamento de um dano moral coletivo a essas empresas, que será revertido em projetos ambientais e de controle por parte do estado. As empresas também foram obrigadas a implementar um monitoramento em tempo real dessas estruturas e a investir em medidas preventivas. A Feam também faz um monitoramento próprio das estruturas e a cada dia tem estabelecido parceria com o MPMG para aprimorar o controle, com auxílio inclusive de auditorias externas gerenciadas pelo MP. Sobre os recursos das indenizações e multas aplicadas, os investimentos já estão estabelecidos de acordo com as maiores necessidades. O estado tem a pauta ambiental como prioritária e os avanços passam pelo planejamento. Já temos projetos para aplicar as indenizações pagas pelas mineradoras em ações de fortalecimento da gestão de barragens, modernização e reforço da fiscalização ambiental, estruturação tecnológica e física, regularização ambiental, melhorias na gestão de resíduos e da gestão das águas.

 

Na penúltima reunião dos conselhos estaduais de Política Ambiental e de Recursos Hídricos, que também coincidiu com o encerramento da participação de Minas na COP 27, algumas organizações não governamentais se retiraram dos conselhos e apresentaram os motivos em um comunicado à imprensa. O que a senhora tem a dizer sobre isso?

Minas Gerais é um dos estados onde a participação social é historicamente mais forte, inclusive na deliberação de licenças ambientais feitas em colegiado. Sempre tivemos uma postura de diálogo e escuta constante, seja nos nossos conselhos ou em outros espaços institucionais, e reafirmamos essa postura. Sobre a representatividade do terceiro setor nos conselhos, no mandato 2016-2018, as entidades da sociedade civil do segmento de defesa do meio ambiente contavam com 30 representantes no Copam e passaram a contar com 45 no mandato 2020-2022. A ampliação foi possível em razão da diminuição de vagas destinadas a entidades representativas do setor produtivo junto às câmaras técnicas especializadas e às unidades regionais colegiadas. No site da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semad) consta um calendário com datas pré-definidas para que as ONGs apresentem propostas de temas a serem tratados em reuniões com os dirigentes da Semad, Feam, Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). O governo e Secretaria de Meio Ambiente estão sempre abertos ao diálogo. Entendo que é preciso buscar, de forma democrática, manter o equilíbrio, a transparência e a seriedade em todas as ações ambientais realizadas em Minas Gerais. Os comitês de bacias de Minas Gerais também são um espaço institucional importante de participação social. São aproximadamente 3 mil conselheiros que têm funções estratégicas na gestão dos nossos rios. Temos o claro entendimento de que a construção da política pública passa pela participação da sociedade, seja por sugestões de aprimoramento, seja pelo seu papel legal já estabelecido nos conselhos e comitês. Nesses espaços eles são, inclusive, agentes públicos com competências e responsabilidades estabelecidas.