Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Secretária de estado do Meio Ambiente: "Vivemos uma emergência climática"

 

Do que se foi discutido na COP 27, quais os pontos em que Minas Gerais já conseguiu avançar e quais os pontos que ainda preocupam a senhora?

Desde o ano de 2020, o governo de Minas decidiu retomar a agenda do clima como uma prioridade. No mundo esse é o tema central nas discussões ambientais. Em 2021, fomos o primeiro estado da América Latina e Caribe a aderir à campanha Race to Zero, e isso se deu por uma ampla articulação com setores produtivos que irão se comprometer com a redução das emissões para a que a neutralidade seja alcançada até 2050. Como esse compromisso assumido, conseguimos estabelecer parcerias e financiamento relevante para avançarmos. O governo do Reino Unido investiu 3,5 milhões, o que nos deu condição de atualizar o inventário de gases de efeito estufa, que é um mapeamento técnico e detalhado da realidade climática no estado e a base técnica essencial para o Plano de Ação Climática, que está sendo concluído, e vai direcionar as ações a serem executadas para que a descarbonização da economia em Minas caminhe de maneira efetiva. O plano também foi financiado pelo governo britânico. Isso foi apresentado na COP 27 e muito elogiado, pois, dos estados que se comprometeram com essas ações, apenas Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco conseguiram cumprir. Esses resultados nos deram credibilidade, o que nos propiciou uma série de reuniões durante a COP 27 para estabelecimento de parcerias para a implementação do plano – seja por meio de cooperação técnica com outros estados e países, seja pela apresentação de projetos para captação de recursos.





 

A senhora poderia exemplificar de que tipo de projetos estamos falando?

Eu gostaria de destacar um projeto que levamos à COP, no qual estamos prospectando apoio financeiro para implementação da regularização de propriedades rurais em regime familiar. Minas Gerais tem 939 mil propriedades rurais no cadastro ambiental rural, sendo que dessas 93% são de até quatro módulos fiscais, ou seja, classificadas como propriedades rurais em regime familiar. O projeto busca recurso exatamente para regularizar essas propriedades e recompor suas áreas de preservação permanente e reservas legais. Essa ação é mais que estritamente ambiental, é uma ação social, pois, além de aumentar a cobertura vegetal no estado, busca garantir a esses produtores rurais condições de comercializarem seus produtos frente às exigências globais de requisitos ambientais. O desafio agora é a implementação. Esse será o nosso foco.

 

Durante o encontro, a senhora participou de várias reuniões com outros governos. Nessas discussões, em que o representante é o gestor ambiental e não os governantes, os ânimos ainda estão exaltados ou há maturidade nas conversas? Já existe algo de concreto em ganhos para Minas Gerais depois desses encontros?

As conversas evoluíram de forma muito madura, porque é interesse e necessidade de todos buscar soluções conjuntas para o aumento da temperatura global. Vivemos uma emergência climática. O aquecimento do planeta terá consequências severas nas próximas décadas e as ações precisam ser imediatas. Encontrar e aplicar medidas para conter esse aumento da temperatura é primordial para o futuro das próximas gerações. Tivemos conversas com governos que sabem da importância que o Brasil e Minas Gerais têm nesse cenário. Nas reuniões de que participamos, tivemos a oportunidade de prospectar parcerias para cooperação técnica e investimentos para implementar ações práticas do governo de Minas no desenvolvimento da sustentabilidade. Destaco as reuniões que tivemos com a primeira-ministra da Escócia, junto de representantes da Austrália, África do Sul e Estados Unidos, para o desenvolvimento de ações de preservação e sustentabilidade. Também com os ministros de Meio Ambiente de Quebec e British Columbia, sobre mercado de carbono. Já com o governo da Polônia, a pauta principal foi transporte e geração de energia. De fato, a COP é um momento de reuniões e prospecção, mas temos a experiência prática que a COP 26 nos propiciou, de muitos avanços, inclusive com financiamentos, como mencionei. Espero que tenhamos ganho, especialmente na implementação do nosso Plano de Ação Climática, a partir das reuniões que realizamos na COP 27.

 

Na questão de energia limpa, como Minas Gerais tem se programado? A senhora não acha que a taxação solar em 2023 pode comprometer a corrida por esse tipo de energia?

Minas tem um parque de energia fotovoltaica que é referência no país. O estado é líder nacional em produção de energia fotovoltaica na modalidade geração centralizada, representando 37,2% da geração do país, que envolve grandes complexos geradores solares, e se destaca também por investimentos em novas tecnologias energéticas, como a produção de hidrogênio verde, que é uma das tendências de energia limpa. Além disso, vale ressaltar a recente redução no ICMS do etanol, para 9,29%, que hoje é o menor do Brasil. O etanol é um combustível que emite em média 80% menos gases de efeito estufa do que combustíveis fósseis. Sobre a taxação, cabe esclarecer que o benefício fiscal para energia solar fotovoltaica foi renovado até 2032, com isenção de ICMS em geração distribuída e geração centralizada no território mineiro. Existem ainda incentivos fiscais para a produção de energia limpa a partir de biogás, biomassa e fonte eólica. De 2019 até o momento, foram cerca de R$ 50 bilhões em investimentos para a geração de energia fotovoltaica em Minas. A nossa área e incidência solar permite ainda um grande desenvolvimento do setor.





 

Muito se discutiu, na última eleição presidencial, sobre a questão do desmatamento. Como manter o desenvolvimento econômico e controlar não só do desmatamento mas, também, a utilização dos recursos hídricos? Qual a evolução do desmatamento em Minas Gerais?

O estado tem a maior área remanescente de mata atlântica no país, e isso já é um resultado importante das nossas ações. São cerca de 12,8 milhões de hectares. Dados do monitoramento contínuo realizado pelo IEF mostram que o desmatamento ilegal teve redução de 9% em áreas de biomas da mata atlântica, considerando o ano agrícola 2020/2021. Para conter o desmatamento, além de investimentos em educação ambiental, é preciso intensificar a fiscalização. E foi o que fizemos. Desde janeiro deste ano, foram feitas pela Semad e Polícia Militar 8.612 fiscalizações de combate à supressão de vegetação nativa no estado e aplicadas 5.421 multas aos infratores. Em 2021, foram realizadas 7.391 fiscalizações. Em 2020, foram 6.337 ações de combate ao desmatamento. O incremento no número de fiscalizações foi resposta ao desmatamento identificado no Monitoramento Contínuo da Vegetação elaborado pelo IEF. E continuamos a aprimorar o uso de tecnologias para diminuir o nosso tempo de resposta entre a detecção do desmatamento ilegal e a fiscalização de campo. Recentemente, nos reunimos com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para usar outras ferramentas disponibilizadas por eles. Além da ação de fiscalização, aderimos ao Selo Verde, uma parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais. É uma plataforma pública de rastreabilidade da cadeia agropecuária que nos permitirá um maior controle de toda a cadeia e maior regularidade ambiental das propriedades rurais. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) tem sido uma importante parceira para conscientizar os produtores rurais sobre a importância de combater o desmatamento ilegal, pois de fato isso gera uma concorrência desleal com a maioria que busca a regularização.

 

E em relação às unidades de conservação?

É importante ressaltar que Minas Gerais tem 94 unidades de conservação que somam 2,4 milhões de hectares geridos pelo estado. Além disso, de 2019 a 2022 foram criadas 21 Reservas do Patrimônio Natural, seja no âmbito do licenciamento ou compensações ambientais estabelecidas para empresas em todo o estado. Temos mais de 35 mil hectares de áreas nativas conservadas restauradas no estado. O governo de Minas também trabalha continuamente para aprimorar o licenciamento ambiental, sempre pautado na boa técnica, melhores práticas e respeitando à legislação. Um exemplo é a Avaliação Ambiental Integrada para empreendimentos hidrelétricos, que avalia os impactos cumulativos e sinérgicos nas bacias hidrográficas, com a participação das populações envolvidas e o emprego das melhores técnicas disponíveis. Minas Gerais é hoje o estado que tem o maior número de pontos de monitoramento de qualidade da água no país, dentro do Programa Nacional de Qualidade das Águas. O Igam gerencia 700 pontos de monitoramento no estado. O sistema de outorga também tem sido aprimorado, com novos estudos para implementação da outorga sazonal, que já aconteceu na Bacia do Rio Doce, além de ter sido o quarto estado brasileiro a regulamentar o reúso da água, instrumento fundamental para eficiência da utilização de recursos hídricos.

 

Sem a participação da sociedade, é difícil prever resultados práticos quando se trata de mudanças de atitudes e comportamentos para enfrentar as ameaças climáticas. Sem comunicação e educação voltadas para isso é, praticamente impossível essa conscientização. O que tem sido feito e o que se pode fazer a mais para aumentar essa adesão?

Todo e qualquer resultado depende do envolvimento da sociedade, seja nas suas atitudes e ações diárias, seja como agentes de contribuição para aprimoramentos, que serão sempre necessários. Quantos de nós já implantamos a separação do lixo nas nossas casas? São ações como essas que farão a diferença no todo. É claro que precisamos fortalecer a ação de educação ambiental, para que isso chegue a todos. Um exemplo é o Programa Jovens Mineiros Sustentáveis, que já citei. Estamos trabalhando para que o resultado seja sentido pelas pessoas nas suas vidas. O Programa Água Doce leva água potável para populações que não têm esse recurso, por meio da dessalinização da água de poços artesianos em comunidades rurais. No local em que entregamos o sistema, foi emocionante ouvir as pessoas que até então só eram abastecidas por caminhão-pipa. Além disso, precisamos de uma ação a cada dia mais efetiva junto a todos os municípios. O ICMS Ecológico é outro mecanismo de incentivo para implementação dessas ações. Os municípios que adotam sistemas adequados de disposição de resíduos sólidos urbanos recebem uma parcela da arrecadação do imposto estadual. São muitas as iniciativas que permitem o desenvolvimento sustentável e sempre com envolvimento da população. De fato, a agenda ambiental deve ter a participação de toda a sociedade, especialmente entendendo que ela é a maior beneficiada de uma gestão ambiental efetiva.





 

A senhora gerencia um estado maior que vários países. Temos uma grande diversidade de recursos naturais, mas queremos, também, desenvolver ainda mais. O comportamento climático é bem distinto em suas diversas regiões. Diante da dificuldade de criar uma política ambiental única, dadas as diferenças, como o estado atua nesse sentido?

Esse inclusive foi um dos temas centrais da COP 27: tornar as ações ambientais viáveis diante das realidades existentes nas diversas regiões de países e estados. Para tanto, é preciso atuar em várias frentes e em parceria com municípios, setores produtivos, sociedade civil e outros estados, inclusive. Temos uma ferramenta muito importante, que é o índice de vulnerabilidade climática, que desenvolvemos para os 853 municípios. Ele traz um diagnóstico claro dessa diversidade e das ações que precisaremos empreender junto das cidades. O segundo setor com maior emissão de gases de efeito estufa é o de energia, sendo que o transporte é o mais importante dentro desse grupo. Assim, vamos precisar realmente de um trabalho conjunto com os municípios para atingir nossos objetivos. Não existe solução padrão para todos os territórios; temos que construir entendendo a realidade de cada um deles, inclusive a realidade econômica e social. Além das ações de redução das emissões, um tema muito discutido na COP e essencial para as ações práticas é a adaptação e mitigação dos efeitos que já estamos vivenciando. Estamos vendo eventos climáticos extremo se intensificando, sejam as secas mais severas, sejam, de outro lado, as chuvas intensas. Podemos ainda citar as geadas nos últimos anos em Minas Gerais, com perdas de produção agrícola significativas. As ações de sustentabilidade precisam ser pontuais e também coletivas para resultados efetivos. A informação técnica precisa é uma ferramenta importante na construção das soluções e do equilíbrio ambiental. O Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, atualizado este ano, permite uma análise detalhada de setores do nosso cotidiano com foco nas emissões, descortinando as especificidades das regiões e setores da economia que produzem esses poluentes. A partir do inventário, vamos lançar em dezembro, como já citei, o Plano de Ação Climática, que vai traçar as ações de descarbonização de acordo com as distintas realidades ambientais e de ocupação em nosso estado, adequando as medidas de médio e longo prazos na construção de um caminho de sustentabilidade viável e efetivo.