O primeiro a tomar a vacina SpiN-Tec foi o estudante João Victor Rodrigues Pessoa Carvalho, de 24 anos, mestrando em microbiologia da UFMG. Ele se voluntariou assim que ficou sabendo do projeto. Para ele, esse era o seu dever como cidadão.
"Ainda estou tentando entender o que aconteceu, o tamanho disso tudo, é um marco para ciência brasileira, é muito importante", declarou em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (25/11).
Os testes iniciais devem ser concluídos no meio do ano que vem. Terminadas as primeiras fases, o grupo que desenvolve a SpiN-Tec enviará os relatórios do estudo para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dará aval para a terceira e última etapa, que devem envolver mais de 4 mil voluntários de várias partes do Brasil.
Somente após esse processo é que o imunizante chegará ao mercado e à população. "A fase 3 deve ir até primeiro semestre de 2024 e, aí sim, nós vamos trabalhar simultaneamente com a Funed e os setores privados para ela entrar no mercado já em 2024", aponta o coordenador do projeto e do CTVacinas da UFMG, Ricardo Gazzinelli.
O recrutamento de voluntários está aberto no site da UFMG. Os interessados devem ter entre 18 e 45 anos, ter recebido as duas doses iniciais de CoronaVac ou AstraZeneca e uma ou duas doses de reforço com Pfizer (há pelo menos 9 meses) ou AstraZeneca (há pelo menos 6 meses).
Novas variantes
Os pesquisadores envolvidos no projeto apostam que a vacina será mais efetiva contra as novas variantes da doença. "Hoje temos variantes que escapam à resposta imune das vacinas atuais. Esse é o grande desafio. Como fazer uma vacina multivalente, capaz de controlar essas diferentes variantes", destaca Gazzinelli.
Ao contrário das vacinas disponíveis hoje no mercado, a SpiN-Tec não usa somente as proteínas do vírus SARS-CoV-2. "Nossa estratégia foi um pouco diferente. Incluímos na vacina uma proteína que é conservada, ou seja, ela não varia de variante para variante. A nossa expectativa é que, com isso, a SpiN-Tec seja capaz de reconhecer as diferentes variantes", explicou.
Os exames pré-clínicos já comprovaram que o imunizante é eficaz contra as variantes da COVID-19. "As vacinas atuais usam um pedaço do vírus original e um pedaço do vírus da variante. Mas aí quando aparece uma nova variante não se sabe como a vacina vai se comportar", compara Gazzinelli.
Ele enfatiza, porém, a necessidade de aguardar o resultado dos testes. "Eu sempre gosto de enfatizar que a ciência é um passo a passo. Já é um grande feito, mas nós temos que aguardar", aponta o pesquisador.
Primeira vacina 100% brasileira
A SpiN-Tec é a primeira vacina desenvolvida com tecnologia e insumos totalmente nacionais. O projeto recebeu quase R$ 500 milhões de aportes públicos, sendo R$310 milhões do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) e cerca de R$30 milhões da Prefeitura de Belo Horizonte.
O investimento é o ponta pé inicial para o Brasil dominar a cadeira de produção de imunizantes. "é um legado muito significativo que extrapola a UFMG. Só foi possível chegarmos a esse marco histórico com o engajamento de todos os envolvidos", disse o ministro do MCTI, Paulo Alvim, enaltecendo os esforços da comunidade científico-acadêmica.
Pesquisa começou em 2020
Os primeiros estudos da SpiN-Tec começaram em novembro de 2020. Nos testes pré-clínicos, feitos em animais, a vacina não gerou efeitos colaterais adversos e demonstrou capacidade de produção de anticorpos.
A testagem em humanos foi autorizada pela Anvisa em outubro e tem o objetivo de obter evidências quanto à eficácia e à segurança do imunizante, além de descobrir eventuais reações adversas.
Benefícios nacionais
Segundo o infectologista José David Urbaez Brito, da Sociedade Brasileira de Infectologia no Distrito Federal, a novidade tecnológica da vacina garante um passo a mais para o país. “A vacina tem dois componentes, a proteína S e N. A Coronavac, por exemplo, usa o vírus completo inativado, mas devido à isso, pode ter menos proteção. Já a Pfizer, AstraZeneca e Moderna, funcionam com a S, uma chave que entra na célula. No caso da UFMG, as duas são usadas e isso caminha conforme o desenvolvimento de outras vacinas do mundo, contra o Sars-Cov-2”, explica.
Ele destaca que a independência de empresas privadas é um benefício. “Quando a tecnologia é de uma universidade, o país vai produzir com a expectativa de saúde pública, não do ponto de vista de mercado, como é para as farmacêuticas. Não há dependência tecnológica”.
Urbaez finaliza afirmando que, indiferente da vacina, todas são seguras. “É a principal arma no combate de uma doença como a COVID-19. Temos que aplaudir a produção nacional, que apesar de tudo, conseguiram resultados. Assim, vemos a força de um corpo científico nacional e como este compra as questões de saúde pública”.