Faltando pouco menos de um mês para o fim de 2022, as universidades e institutos federais do país foram pegos de surpresa com mais um congelamento de orçamentos. O dinheiro que seria usado para pagar contas de manutenção dos câmpus, bolsas de estudo e funcionários terceirizados sumiu das contas das instituições. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maior do estado, o bloqueio orçamentário pode causar um rombo de até R$ 10 milhões. Se somado ao corte feito em maio deste ano, contabilizado em R$ 15 milhões, o prejuízo mais que dobra. O bloqueio levou a zero o saldo de algumas universidades mineiras. As instituições têm menos de 10 dias para tentar reverter a situação, antes que a decisão se torne um corte definitivo das verbas.
As universidades foram pegas de surpresa. Tem instituição que ficou sabendo quando a notificação do Ministério da Educação (MEC) chegou por e-mail, durante o segundo jogo do Brasil na Copa do Mundo, na segunda-feira (28/11). Já outras notaram o problema ao perceberem que o dinheiro havia “sumido” das contas, como é o caso da UFMG. Com o montante bloqueado, a instituição, assim como outras de Minas Gerais, entra no vermelho e não tem condições de pagar despesas básicas, como contas de luz e de água, bolsas de estudo e salário de empregados terceirizados.
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A expectativa para reverter esse cenário não é positiva. “Há uma movimentação no sentido de buscar essa reversão, mas as expectativas não são as melhores. Estamos no fim do ano, o momento é muito ruim. Nos restam poucas semanas para reverter essa situação. Ultrapassada essa data, tudo fica mais difícil”, explica Flávio Antônio dos Santos, membro da Andifes e diretor-geral do Cefet-MG. Segundo ele, o caixa de praticamente todas instituições está zerado. “Nós só não vamos fechar as portas porque estamos no encerramento do ano letivo. Se essa medida tivesse vindo há alguns meses, não teríamos como funcionar efetivamente”, denuncia.
Déficit
A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) já sabe quais serão os prejuízos causados pelo que o MEC tem chamado de “congelamento”. Por meio de nota, a instituição explicou que se o quadro não for revertido a aquisição de móveis, equipamentos de laboratórios e de Tecnologia da Informação, insumos para oferta de disciplinas e manutenção predial não serão adquiridos. A federal teve R$ 7,4 milhões recolhidos. “Iniciaremos o ano de 2023 com uma projeção de déficit orçamentário da ordem de 18 milhões, o que pode comprometer e até mesmo inviabilizar o nosso funcionamento, com impactos em sala de aula, laboratórios, manutenção e bolsas que hoje ainda garantem a permanência de alunos socialmente vulneráveis em nossa universidade, dentre outros”, afirmou a Ufop.Já a Universidade Federal de Viçosa (UFV) afirmou que ainda não sabe o valor total do novo congelamento, mas que prevê que a retirada de recursos “praticamente inviabiliza as finanças de todos os institutos federais”. Em nota publicada nas redes sociais, o reitor da instituição, Demetrius David da Silva, destacou que com a nova medida as atividades acadêmicas e administrativas correm o risco de serem suspensas. Na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) o bloqueio significa R$ 1,7 milhão a menos no orçamento, de acordo com cálculos preliminares. “Somados aos cortes anunciados em junho deste ano, que chegaram a mais de R$ 4,1 milhões (7,2%), a perda orçamentária acumulada em 2022 só aumenta”, destacou a instituição por meio de nota.
A Universidade Federal de Lavras (Ufla) está com saldo zerado e estima um déficit de R$ 4,7 milhões para 2023. “Esse valor é praticamente um mês de funcionamento da universidade. Tenho um mês para a universidade funcionar sem sequer um real. Não vamos conseguir terminar o ano de 2022 pagando todas as contas”, afirma o reitor da instituição, João Chrysostomo de Resende Júnior. Antes do bloqueio, a universidade previa um déficit de R$ 1,5 milhão gerado por corte anterior. Obras do câmpus Paraíso e a compra de equipamentos já haviam sido suspensas na busca de adequação orçamentária, além da demissão de 148 funcionários terceirizados no mês de julho. “Agora, todo recurso que entrar em janeiro vai ser usado para quitar essa dívida. Só vai aumentando o problema”, completa.
MEC Em mensagem enviada a reitores por lideranças do Ministério da Educação (MEC), obtida pela “Folha de S.Paulo”, a pasta afirmou que "em momento nenhum participou dessa decisão", tomada pela equipe de economia do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes (Economia). O MEC acrescentou ainda que "mantém as tratativas junto ao Ministério da Economia e à Casa Civil para avaliar alternativas e buscar soluções para enfrentar a situação".
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) também divulgou nota em que condena o bloqueio. Para o órgão, essa limitação, na prática, é um corte, já que as instituições já vivem sob uma realidade de enxugamento de recursos neste ano. Em junho, as universidades perderam R$ 438 milhões e os institutos, R$ 186 milhões.
Expectativa
Ao Estado de Minas, a reitora da UFMG afirmou que espera que o diálogo em relação ao orçamento das universidades federais melhore em 2023 com a posse do novo governo eleito. “Claro que a situação financeira é preocupante e não vai ser resolvida de uma hora para outra, mas pelo menos esperamos uma boa vontade e um diálogo melhor. Têm sido anos muito difíceis para as universidades federais”, desabafou Sandra Goulart.A equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negocia na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição a retirada dos gastos do Bolsa-Família do teto de forma a abrir espaço fiscal para fortalecer o orçamento de várias áreas. O gabinete de transição vislumbra um incremento de R$ 12 bilhões nos recursos do MEC para o ano que vem caso a PEC consiga passar. Lula colocou como prioridade a retomada do orçamento das federais e o aumento do programa de alimentação escolar, ampliando assim as transferências federais para as redes de ensino.
Estrutura para pesquisa é afetada
Uma das preocupações com o corte de verbas é como ficará a situação das pesquisas que são realizadas nas instituições. Como é o caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que tem elaborado a primeira vacina brasileira contra a COVID-19. A construção do imunizante já está na fase de testes clínicos em humanos.
Para Sandra Goulart, reitora da UFMG, o atual congelamento não deve afetar diretamente o andamento da SpiN-Tec, já que o valor referente a essa pesquisa já foi adquirido pela instituição com outros órgãos como a Prefeitura de Belo Horizonte, o governo de Minas Gerais e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
No entanto, custos como limpeza dos laboratórios, contas de água, luz, manutenção dos equipamentos e da infraestrutura são pagos pela universidade com a verba que foi recolhida na tarde de segunda-feira (28/11). “No caso da pesquisa da vacina, esse recurso a gente já tinha conseguido captar, então nós temos o recurso. Agora pensa bem, eu tenho o recurso para a pesquisa, mas elas precisam de estruturas específicas que a universidade fornece”, explicou Goulart.
O gradativo corte de verbas nas universidades, que vem desde 2019, compromete a longo prazo a qualidade do ensino e a relevância das instituições para o desenvolvimento científico no país. “Antes da pandemia, já vínhamos com uma perda de 40% no orçamento. A manutenção predial já começa a ficar comprometida, os programas de apoio à pesquisa e assistência estudantil foram drasticamente reduzidos. Isso tudo compromete a qualidade da pesquisa, do ensino”, destaca Flávio Antônio dos Santos, membro da Andifes.
Santos também ressalta a desmotivação aos jovens envolvidos na pesquisa científica. “Mestrandos e doutorandos não têm reajuste no valor da bolsa há quase 10 anos. Esse clima que vai se criando no conjunto das instituições é preocupante”, disse. A expectativa para 2023 já era de um orçamento até 15% menor. Se concretizado o novo corte, a previsão é de sufoco para as universidades. “Os cortes não afetam apenas a universidade, geram um impacto para toda a sociedade. Todos os dias recebemos demandas, por exemplo, relacionadas à COVID-19”, completa a reitora da UFMG.