Uma adolescente de 17 anos estava sentada na escadaria em frente ao Cine-Theatro Central, no centro de Juiz de Fora, quando um homem, de 23 anos, apareceu, mostrou o órgão genital e começou a se masturbar na frente dela.
Assustada, a vítima correu e entrou em uma escola. Lá, relatou para os funcionários o que tinha ocorrido e repassou as características do homem. Algumas pessoas foram atrás do rapaz, que foi imobilizado até a chegada da Polícia Militar.
Enquanto os policiais militares faziam o boletim de ocorrência, um deles foi checar o histórico do autor e encontrou outras quatro passagens pela polícia. Todas pelo mesmo crime: importunação sexual.
O nome do autor do crime não será divulgado para preservar as vítimas. A reportagem do Estado de Minas teve acesso a essas quatro ocorrências. A primeira é de março de 2017. Na ocasião, a vítima, de 25 anos, estava andando pela Avenida Rio Branco, a principal da cidade, quando o rapaz começou a segui-la. Em determinado momento, segundo o boletim de ocorrência, ele “passou a lhe dirigir palavras de baixo calão e de cunho sexual, vindo a passar a mão em suas partes íntimas”.
A vítima, com medo, pediu ajuda a pessoas que estavam na rua. Próximo à Câmara dos Vereadores, pediu ajuda para um vigilante do local, que acionou a Polícia Militar. Antes da chegada da PM, o homem pegou uma pedra e simulou estar agredindo a mulher. Ele foi detido pelos policiais.
Nas outras três ocorrências, que aconteceram entre março de 2017 e novembro de 2022, data do fato relatado no início da reportagem, a forma de agir do criminoso é a mesma: persegue as mulheres, proferindo palavras de cunho sexual e, em alguns casos, se masturba em direção a elas.
Apesar dos cinco boletins de ocorrência abertos contra ele, o homem foi preso apenas uma vez, de acordo com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp). Ele ficou preso no Ceresp, em Juiz de Fora, entre os dias 24 de janeiro e 15 de fevereiro de 2019, quando “recebeu alvará de relaxamento da prisão”, informou a Sejusp.
Na ocasião, ele foi preso após se masturbar em direção a uma mulher de 22 anos, em um shopping localizado no Centro da cidade. Além disso, ele a ameaçou e disse que "a pegaria e que o seu tio é policial”, informou o boletim de ocorrência do caso.
Impunidade preocupa advogadas
A reportagem do Estado de Minas buscou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) para saber quantos processos tramitam contra o rapaz ,que foi detido cinco vezes por crimes de importunação sexual. A assessoria do órgão respondeu que dois processos estão abertos contra o réu. No entanto, apenas um é relativo aos crimes de importunação sexual.
O processo corre em segredo de justiça e começou a ser movimentado em fevereiro de 2019. Somente em agosto de 2022 foi encaminhado para o Ministério Público. A última movimentação do caso foi em 2 de dezembro de 2022. Esse processo é relativo à única prisão que o homem teve em decorrência da importunação sexual cometida em um shopping no Centro de Juiz de Fora.
Em um despacho assinado pelo juiz José Clemente Piedade de Almeida, o magistrado extinguiu a possibilidade de punição pelo crime de ameaça à vítima. No entanto, foi aceita pelo magistrado a denúncia através do artigo 215-A do Código Penal que versa sobre a importunação sexual. “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, diz o artigo, em que o condenado pode cumprir entre um e cinco anos de prisão.
Para a advogada Camila Duarte, especialista em Direito da Mulher e uma das fundadoras do projeto Direito Dela, a demora em punir o autor dos crimes é ruim para as mulheres.
“Primeiro temos que ter em mente que a nossa sociedade olha com menosprezo para mulheres vítimas de violências sexuais. São tentativas sucessivas de culpabilizar a vítima, inclusive dentro da polícia e do Judiciário; chamamos de violência institucional. Além disso, o crime de importunação sexual é tido por muitos como 'menos grave', e em uma época na qual exigir seus direitos é tido como 'mimimi', grande parte das vezes não é dada a devida atenção para este crime, que tem previsão recente no Código Penal [foi incluído em 2018]”, explicou a advogada.
Para a advogada criminalista Cleidy Carolina Santos, a reincidência de casos de importunação sexual mostra que esse é um “comportamento” do autor. "A reincidência no mesmo crime evidencia um perfil de comportamento do autor. A reincidência nada mais é que o desrespeito deliberado do autor diante do ‘aviso’ dado na condenação anterior e a resposta no sentido de que irá continuar violando as normas legais e, neste caso, os corpos de outras mulheres o que nos coloca em risco iminente”, destacou a advogada.
Em um dos boletins de ocorrência, o policial menciona que “o referido autor relatou-nos que sofre das faculdades mentais”. Para Camila, apenas a menção de problemas mentais não é o suficiente para tirar a responsabilidade do autor, principalmente em casos com tanta reincidência.
“No entanto não basta a simples alegação de que existe um transtorno mental. Esta verificação depende de exame pericial, mediante instauração de um incidente de insanidade mental, realizado por perícia psiquiátrica”, explicou Camila Duarte.
Segundo Camila e Cleidy esse caso mostra como há problemas graves no combate à violência contra a mulher. “São incontáveis os flagelos da segurança pública no Brasil; a começar pelo número restrito de policiais e viaturas que muitas das vezes inviabilizam o rápido apoio às vítimas. Além disso, muitos profissionais não estão preparados para receber uma mulher vítima de violência tendo em vista que a revitimização hoje é quase uma regra: ao realizar a denúncia as mulheres são questionadas quanto às suas roupas, sua vida pregressa e até quanto à sua sanidade”, afirmou Camila.
“A grande falha está definitivamente na aplicação da lei dentro de uma polícia e de um Judiciário extremamente machistas, pois sob o ponto de vista legal, embora longe do ideal, já estamos evoluindo: antes de 2018 a punição para a importunação sexual era apenas pagamento de multa por se tratar de contravenção penal e não um crime”, explicou Cleidy.
Vítimas precisam denunciar
Diante de casos como este relatado na reportagem, as advogadas reforçam a necessidade de as mulheres denunciarem todo e qualquer tipo de crime sexual. “A partir do momento em que a mulher for vítima desse crime, é essencial que ela entenda que não há motivos para se envergonhar e que é essencial que busque a polícia para que o criminoso seja responsabilizado e ela faça valer seus direitos”, destacou Camila.
“Caso a cidade na qual o crime ocorreu possua uma delegacia da mulher, a vítima deverá direcionar-se a esta, no entanto, mesmo que não haja uma delegacia especializada a denúncia precisa ser feita. A presença de uma advogada também é de extrema importância para orientar devidamente a vítima, garantir que esta não seja revitimizada, que o Boletim de Ocorrência seja feito da forma mais adequada e que todo o seguimento se dê da forma devida”, disse Cleidy.
A reportagem tentou contato com a Polícia Civil através de e-mail e do contato direto com a delegada titular da Delegacia da Mulher de Juiz de Fora para saber mais detalhes sobre os casos. No entanto, não tivemos retorno.
O que diz a lei sobre estupro no Brasil?
De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213, na redação dada pela Lei 2.015, de 2009, estupro é ''constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.''
No artigo 215 consta a violação sexual mediante fraude. Isso significa ''ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima''
O que é assédio sexual?
O artigo 216-A do Código Penal Brasileiro diz o que é o assédio sexual: ''Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.''
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O que é estupro contra vulnerável?
O crime de estupro contra vulnerável está previsto no artigo 217-A. O texto veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos.
No parágrafo 1º do mesmo artigo, a condição de vulnerável é entendida para as pessoas que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, devido a enfermidade ou deficiência mental, ou que por algum motivo não possam se defender.
Penas pelos crimes contra a liberdade sexual
A pena para quem comete o crime de estupro pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se o crime resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.
A pena por violação sexual mediante fraude é de reclusão de dois a seis anos. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
No caso do crime de assédio sexual, a pena prevista na legislação brasileira é de detenção de um a dois anos.
O que é a cultura do estupro?
Como denunciar violência contra mulheres?
- Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
- Em casos de emergência, ligue 190.