O núcleo brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos- Brasil), associado à Unesco, lançará um pedido de Alerta Patrimonial Global para a situação da Serra do Curral, em Belo Horizonte. A medida, inédita para o conjunto de bens do patrimônio brasileiro, busca chamar a atenção da comunidade internacional sobre a importância do tombamento do maciço, que é um dos símbolos da capital mineira.
Em reunião realizada nesta terça-feira (6/12) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), integrantes do Icomos e de organizações da sociedade civil discutiram e apresentaram um relatório que lista as riquezas culturais e ambientais da serra para justificar o pedido de medidas de proteção mais amplas e eficientes na região.
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O alerta será enviado na próxima semana à sede internacional do Icomos, em Paris. Os próximos passos incluem o envio de cartas oficiais a instâncias e entidades relacionadas à proteção da serra, como os governos federal e estadual e órgãos como o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Castriota aponta que a expectativa é que a pressão internacional influencie no avanço do processo de tombamento da serra.
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“Acontece um grande desgaste de imagem para o país. Vão ser emitidas cartas pelo Icomos Internacional para todas as autoridades brasileiras e o Icomos internacional vai divulgar isso amplamente no mundo, na imprensa internacional e junto à Unesco. Significa um grande desprestígio para o país. Há uma promessa de tombamento feita por esse governo que não se verificou na verdade, mas a gente acredita que, com essa pressão internacional, os órgãos vão ter que se mexer. Principalmente, nesse caso, o Iepha completando o tombamento que está em andamento", afirmou o professor da UFMG.
O processo de tombamento definitivo da Serra do Curral está parado no governo do estado. A reunião do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (CONEP) que deveria discutir a medida foi suspensa judicialmente em agosto. Não há avanços desde então, embora o governador reeleito Romeu Zema (Novo) já tenha se comprometido publicamente com a proteção da serra.
Nos últimos anos, tanto via Termo de Ajuste de Conduta (TAC) quanto por licenciamento do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), empreendimentos de mineração foram autorizados na Serra do Curral pelo governo de Minas. As medidas são criticadas por ambientalistas e organizações da sociedade civil, que alertam para riscos ambientais e de danos ao patrimônio cultural representados pela atividade.
O presidente do Icomos Brasil, Flávio Carsalade, também professor da UFMG, destacou que não é possível pensar em uma proteção parcial da Serra do Curral e criticou o tempo transcorrido antes de uma decisão definitiva sobre o tombamento.
“A serra é um todo. É um maciço que não pode perder a sua parte posterior. Ela não é uma casca, ela é um maciço montanhoso que precisa ser protegido e o tempo que está levando para tombar causa estranheza, são décadas de discussão. Não conheço, no Brasil, um caso de tanto tempo para se tombar um bem cultural”, afirmou.
Carsalade ainda contesta a possibilidade de aliar o tombamento e as atividades de mineração já aprovadas pelo governo estadual. “Não há meio termo: ou se libera mineração e não se tomba, ou se tomba e não libera mineração. O (governador Romeu) Zema se comprometeu a fazer o tombamento da Serra do Curral, então, nós estamos esperando que isso efetivamente aconteça."
Além da mineração, durante a reunião na UFMG, foram discutidos outros riscos à Serra do Curral, como os recentes incêndios e a pressão imobiliária. A ambientalista Carla Magna, organizadora do Projeto Cercadinho, destacou que moradores dos arredores da serra percebem como o avanço de construtoras vem afetando a vida na região, retirando animais silvestres de seu hábitat e alterando a paisagem.
“Nós temos na Serra do Curral uma força internacional de construção. Se existe algo nessa escala, precisamos de uma força internacional de defesa”, disse, justificando o pedido de Alerta Patrimonial Global.
O relatório aprovado pelo Icomos Brasil que justifica o alerta foi elaborado por uma equipe coordenada pelo professor Rafael Winter Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Veja abaixo os 12 pontos elencados pelo documento para justificar atenção internacional à situação do patrimônio da capital mineira.
A fim de cumprir sua missão institucional de dar subsídio às políticas de patrimônio cultural nos diferentes países em que atua, o ICOMOS entrega este relatório após uma ampla e detalhada análise. Entre as principais conclusões descritas neste relatório estão:
1) Por ser uma área complexa, localizada entre três municípios, já com um mosaico de iniciativas isoladas que não dão conta da preservação de forma integrada da Serra do Curral, como as constantes ameaças demonstram, a necessidade do tombamento estadual é peremptória.
2) O Dossiê de Tombamento Estadual fez um trabalho cuidadoso de investigação sobre os valores da Serra do Curral, apoiando-se na abordagem contemporânea da Paisagem Cultural e da Paisagem Urbana Histórica, em perfeita correlação com a vanguarda da doutrina internacional sobre patrimônio cultural.
3) O Dossiê de Tombamento Estadual apresenta claramente os valores que precisam ser preservados e estabelece delimitações da área sítio e seu entorno compatíveis com os valores identificados.
4) Na normativa de tombamento, recomenda-se instituir uma instância de gestão participativa e compartilhada, composta por representantes das diversas instâncias governamentais responsáveis pela tutela e pela manutenção do bem, e ampla participação da sociedade civil, por chamada pública.
5) Instituir um sistema integrado das áreas protegidas abrangidas pelo tombamento, bem como um sistema compartilhado de informações para possibilitar o monitoramento dos riscos e ameaças ao bem.
6) Determinar prazo para elaboração de um plano de gestão e para as regulamentações complementares que se façam necessárias.
7) O dossiê, entre os critérios para a delimitação do sítio, observa os usos econômicos atuais da área, portanto o aspecto da serra como recurso econômico é levado em consideração. É importante ressaltar, no entanto, que o valor econômico da serra não pode desconsiderar os princípios e garantias dos direitos fundamentais constitucionais e assim o dossiê procede, encontrando uma conciliação entre eles.
8) Entre as principais ameaças à preservação dos valores como patrimônio cultural dos mineiros da Serra do Curral está a mineração, por todas as alterações na paisagem que tal atividade exige. Portanto, a atividade mineradora é incompatível com a preservação da Serra do Curral como patrimônio cultural da forma antropofágica do território como tem sido feita. Em função dos enormes impactos e riscos da atividade minerária à Serra do Curral, recomenda-se a vedação sumária a novos empreendimentos e a elaboração de planos de desativação das atividades dos que ainda estejam em funcionamento.
9) Ressaltamos a importância da dinâmica hidrológica da paisagem da Serra do Curral e a necessidade de sua preservação, não apenas para garantir os valores reconhecidos, mas diante do contexto de crise hídrica no qual vivemos constantemente e do papel que a serra desempenha como reservatório aquífero para a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
10) A preservação de apenas uma vertente da serra, como presente em algumas propostas, não garante a preservação de seus valores como paisagem cultural. Ademais, a transformação de uma vertente impacta de diversas formas na outra.
11) O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) precisa atualizar os valores de reconhecimento da Serra do Curral, tratada nos anos 1950 por aquela instituição apenas como panorama e, ao fazer isso, atualizar e ampliar seus perímetros de tombamento.
12) As ameaças que pairam sobre a Serra do Curral e a claudicância quanto ao reconhecimento da efetividade do seu tombamento estadual podem trazer danos irreversíveis aos valores culturais e ambientais presentes no reconhecimento da Serra do Espinhaço como Reserva da Biosfera da Unesco.