É comum, sempre no verão, que aconteçam chuvas fortes, o que deve se intensificar nos próximos anos, já que o planeta passa pelo processo do aquecimento global, como explica o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés.
Mas os problemas que as precipitações causam não são frutos da natureza por si só, muito antes efeitos da ocupação humana que acontece com um planejamento equivocado, muitas vezes de maneira inadequada.
"Belo Horizonte foi planejada, inclusive as áreas atingidas pelas fortes chuvas. É um equívoco na abordagem que acredita que é possível controlar a natureza", aponta. Em entrevista ao Estado de Minas, o especialista fala sobre os estragos dos temporais na capital e região, na noite dessa quarta-feira (7/12), e como poderiam ter sido evitados.
O que motivou tanta chuva em tão pouco tempo, como aconteceu nessa quarta-feira em Belo Horizonte?
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As chuvas fortes acontecem ano a ano. O volume de chuvas nessa quarta-feira foi alto, mas, em 2020 e 2021 também foi alto, e vemos essas tragédias se repetirem. Não dá para o gestor público falar que foi pego de surpresa. Vivemos o aquecimento do planeta, que fará com que esses fenômenos sejam cada vez mais intensos. Então, a cidade precisa rever tudo o que foi feito e parar de apostar em soluções falsas. Desde o início do século 20, as gestões públicas em Belo Horizonte têm construído e apresentado supostas soluções de obras de engenharia que nunca resolveram os problemas. Ao contrário, ao final de cada gestão, novas tragédias e novas enchentes aconteceram. Então, não dá mais para a gente ficar repetindo falsas soluções que nunca funcionaram e que drenam recursos públicos.
Como evitar o caos como o que aconteceu nessa quarta-feira?
As cidades precisam rever o processo de ocupação das beiras dos rios e de impermeabilização do solo. Asfaltamento de pistas, cimento nos quintais - isso tudo faz com que a água corra cada vez mais rápido para o fundo de vale. Temos três soluções que precisam ser levadas em paralelo. Não são simples, mas precisam ser feitas.
A primeira é desimpermeabilizar o solo. Tem que substituir asfalto por calçamento, voltar com quintais com grana, jardim. Isso inclusive é uma obrigação dos proprietários - manter 20% dos lotes permeáveis - e precisa ser cumprido. A prefeitura precisa fiscalizar para que isso aconteça.
O segundo ponto é a prefeitura investir em uma infraestrutura distribuída de drenagem. É o que a gente chama de drenagem difusa. Em vez de um grande piscinão, que não está solucionando e que degrada o entorno, uma estrutura de concreto que fica cheia de lixo, cheia de rato o ano todo, é importante distribuir essa drenagem. Fazer em cada praça, em diversas esquinas da cidade, pequenos pontos que tenham áreas drenantes (como jardins, etc), que permitem que a água da chuva que vem daquela encosta seja absorvida ali.
Uma pesquisa feita pelo estudante de doutorado da UFMG Deyvid Rosa mostra que uma implantação de uma estrutura como essa em volta da Avenida Prudente de Morais reduziria em 60% o volume de água em uma chuva forte como a dessa quarta-feira.
E, por fim, o terceiro ponto: as cidades têm que reduzir emissões. Respondem hoje por 60% das emissões que geram o aquecimento do planeta, que é sério e faz com que essas tragédias sejam cada vez maiores. Grande parte das emissões estão nos automóveis, os veículos particulares. É preciso investir em transporte público, melhorar a qualidade de deslocamento para o pedestre, e desincentivar o uso de automóveis.
Tudo isso precisa ser feito ao mesmo tempo. Não é simples. Mas principalmente as soluções que estão diretamente impactadas no território podem ter efeitos de médio prazo se forem feitas com responsabilidade. Não vai ser com grandes piscinões de concreto que esse problema vai ser resolvido.