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Estado de Minas ENTREVISTA

Unaí Tupinambás: 'Temos que fazer com que as pessoas se vacinem'

Especialista alerta para o aumento do número de casos e mortes por COVID-19 e fala sobre as perspectivas da pandemia


11/12/2022 07:30 - atualizado 11/12/2022 07:49

Unaí Tupinambás
Unaí Tupinambás, infectologista, professor da Faculdade de Medicina da UFMG (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Após um período de calmaria relativamente longo, com flexibilização das normas sanitárias de enfrentamento à COVID-19, o Brasil – e em Belo Horizonte a situação não é diferente – viu oscasos de infecção pelo coronavírus aumentarem significativamente em curtos períodos de tempo. Especialistas falam, inclusive, da possibilidade de uma nova onda, que pode ser potencializada pelas festas realizadas a cada  jogo do Brasil na Copa do Mundo até a derrota de sexta-feira e as celebrações do fim de ano.

E como combater o vírus, que há mais de dois anos obrigou o mundo a mudar hábitos e insiste em fazer parte do nosso dia a dia? Bem, o médico infectologista Unaí Tupinambás, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),  foi enfático: uso de máscara, atenção às normas sanitárias, principalmente dentro dos períodos sazonais da COVID, e, principalmente, vacinação.

Em entrevista ao Estado de Minas, Tupinambás, afirma que a arma e escudo que temos hoje e que, infelizmente, não possuíamos em 2020 e 2021, pode garantir dias mais tranquilos quando o coronavírus resolver dar as caras. Mas para a vacina fazer efeito, destaca ele, é preciso tomá-la. Além disso, ele faz prognósticos para a pandemia no futuro e elenca erros cometidos na abordagem à doença e a necessidade de construir um sistema de saúde cada vez mais forte. 

Na virada de novembro para este mês, em uma semana, Belo Horizonte teve aumento de 15% na positividade dos testes de COVID-19. Qual o risco de uma nova onda da doença? Ou já estamos vivenciando uma?

Provavelmente, nós estamos vendo uma outra onda. Muito por conta dessa subvariante da Ômicron, deve ser a BQ1, que tem uma capacidade de evadir a resposta imune. Mesmo em quem foi vacinado, ela pode causar infecção. Lembrando que, em quem foi vacinado, a infecção geralmente é mais branda.

Como podemos avaliar em que momento BH está diante da pandemia?

Eu acho que a gente está nessa nova onda, no crescente. Infelizmente, teremos muitos casos de COVID. O que chama a atenção nesse cenário atual é a subnotificação. Muitas pessoas fazendo teste em casa, muitas pessoas não fazendo, desprezando a infecção, às vezes até indo trabalhar com sintomas respiratórios, o que não é adequado. Então, está aumentando o número de casos e, infelizmente, as notificações não estão acompanhando. Por isso a gente fala que é importante voltar a usar máscara em locais fechados, no transporte público, estabelecimentos comerciais e que a população procure tomar a primeira e a segunda doses de reforço.

Em 17 de novembro, a Prefeitura de Belo Horizonte determinou o uso obrigatório da máscara em meios de transporte e hospitais. Na avaliação do senhor, essa medida é suficiente para conter o avanço dos casos?

Acho que foi muito adequada a postura da Secretaria Municipal de Saúde em ter voltado com essa obrigatoriedade. Eu acho que nós temos que, além dessa obrigatoriedade nesses locais citados, fazer uma campanha muito intensa para a população, porque parece que as pessoas relaxaram a tal ponto que aqueles grupos elegíveis para a primeira e segunda doses de reforço não procuraram o sistema de saúde.

Com os jogos da Copa do Mundo e festas de fim de ano, certamente continuaremos com as aglomerações. Isso pode contribuir para uma nova explosão de casos de COVID-19?

A expectativa, infelizmente, é que vai ter um aumento de casos no decorrer de dezembro, muito por conta disso, dessa variante que nós falamos no início. E também as pessoas estão no fim do ano, tem festas de comemoração,   Copa do Mundo. Sabemos que as pessoas frequentam os botecos, os bares, pelos jogos, e nesse ambiente ninguém usa máscara, né? Então, infelizmente vão aumentar os casos e também o número de mortes, porque proporcionalmente vai aumentar tudo. É claro que não é aquele cenário que nós vimos em janeiro deste ano e nem o de março, abril e maio do ano passado. Mas algumas pessoas podem ter um quadro grave da COVID.

A PBH publicou decreto que impôs limite de até 250 pessoas em eventos durante a Copa. O senhor avalia que seria o momento de a prefeitura impor novamente restrições a festas com grande número de pessoas na cidade?

Eu acho esse cenário diferente do que nós vivemos nos outros dois anos. Naquela época, a gente fazia parte do Comitê de Enfrentamento à Covid da Prefeitura de Belo Horizonte. Não tínhamos vacina, não tínhamos muito conhecimento da transmissão, enfim, era um cenário incerto. Neste cenário atual, temos uma ferramenta muito potente: a vacina. Então, nós temos que fazer com que as pessoas que frequentam esses ambientes se vacinem, inclusive com as doses de reforço, e mantenham esses ambientes arejados. E aquela pessoa que é mais vulnerável diante da COVID, uma pessoa idosa, uma pessoa que tem comorbidades, que faz tratamento para câncer, transplantado, pessoas que vivem com HIV, essas pessoas têm que redobrar o cuidado e usar uma máscara de boa qualidade nesses ambientes.

Também temos acompanhado um aumento significativo de infecções por influenza A e outras doenças respiratórias. Diante desse cenário, como deve ficar o sistema de saúde nas próximas semanas?

Essa é o que a gente chama de tripla epidemia, da influenza, de doenças respiratórias e do Sars-CoV-2. Em vista do impacto não só no SUS, mas também na saúde suplementar, achei importante a gente reforçar as equipes de saúde. Nesse cenário, as equipes de saúde começam a ficar desfalcadas, começam a adoecer. Então, é importante melhorar nosso patamar sanitário, voltar a usar a máscara nesses ambientes fechados, ter o autocuidado.

Olhando para trás, fazendo um balanço de como foi este ano de combate à pandemia, é possível enxergar algum erro?

Sim. Acho que o erro principal, todo mundo já viu. Foi do Ministério da Saúde, nós não tínhamos ministro da Saúde. O ministro da Saúde incentivava terapias que não eram adequadas, muito por conta do próprio presidente da República, que felizmente agora está saindo. Ele insistia em terapias inadequadas, não incentivava a vacinação, incentivava aglomerações. Ele descartava o uso da máscara, dizia que a máscara não era necessária. Enfim, acho que o Brasil ser o segundo país em número absoluto de mortes, mais de 700 mil, é muito por conta do enfrentamento da pandemia no país. E tem trabalhos que dizem que o Brasil foi o pior dos lugares enfrentando a pandemia. E, paradoxalmente, era um país que, antes de a pandemia começar, estava “bem na fita”, muito por conta do nosso sistema de saúde. Nós ficamos, durante a pandemia, vários meses sem ministro da Saúde. Quando entrou um ministro, ele não fez a articulação necessária, faltou oxigênio em Manaus, por exemplo. Atrasou a compra da vacina, ele desprezou a vacina, fez campanha contra ela. Todo mundo vai se lembrar da fala do presidente da República, que quem tomasse a vacina iria virar jacaré, colocando dúvidas na cabeça da população. Na Prefeitura de Belo Horizonte, por ter um SUS robusto que vem sendo construído desde a década de 1990, o ex-prefeito Kalil enfrentou a pandemia de forma adequada. BH ganhou prêmios, foi modelo de enfrentamento da pandemia nesses últimos anos, no Brasil e no mundo. Em Belo Horizonte, felizmente, a gente não tinha um governo negacionista. O Kalil mostrou isso. Ele enfrentou a pandemia de forma muito corajosa.

A chegada de novas subvariantes da Ômicron encontra o processo de vacinação estagnado em Belo Horizonte, onde o público abaixo dos 40 anos segue sem data para ser imunizado com a quarta dose contra a COVID-19. Como o senhor avalia o andamento da imunização na cidade? Qual a justificativa para essa baixa adesão à vacinação?

Acho que é isso que eu acabei de falar sobre como o governo enfrentou. Nós não temos campanha para vacinação da primeira dose de reforço da população abaixo de 40 anos. E na população acima de 40, que pode receber a primeira e segunda doses de reforço, está muito aquém. Então, falta a campanha. O nosso Programa Nacional de Imunização (PNI) ficou meio sumido nesse tempo todo, um programa mundialmente reconhecido. E essa crise na vacinação não é só de COVID. Vamos lembrar, é de sarampo, de poliomielite. Temos que imputar um culpado, que é o governo federal, é o Ministério da Saúde, que não fez a campanha devida. Nós nem sequer temos vacina suficiente para poder vacinar, com a quarta dose, a população de 18 a 40 anos.

Como o senhor vislumbra que vão funcionar os ciclos de vacinação contra a COVID-19 nos próximos anos?

A vacina da COVID, como a vacina da H1N1, provavelmente será anual. A nossa dúvida é qual vai ser a sazonalidade da COVID. A gente sabe que a sazonalidade do H1N1 é o outono, lá em maio começa a aumentar o número de casos e no fim de agosto cai. Pesquisadores apontam risco de ter dois picos, no fim e meio do ano. Eu acredito que essa vacina, a vacina bivalente — vou lembrar que nós vamos ter uma vacina nova, de segunda geração — vai ter que ser tomada anualmente pela maioria da população.

Já é possível desenhar um cenário para o carnaval em 2023? O que a população pode esperar? Quais as perspectivas para o próximo ano?

No carnaval, essa onda que nós estamos começando agora muito provavelmente já deve ter passado. E espera-se que quem vai frequentar esse carnaval esteja vacinado. Se a pessoa vai para o carnaval com as doses de reforço, e nós teremos acabado de sair dessa onda, que deve começar a cair já no início de janeiro, ela estará fora daquela onda.

Por quanto tempo ainda viveremos nessa espécie de montanha-russa de picos e quedas da pandemia? Vamos sempre viver esse “tira e volta da máscara”?

Essa é a pergunta de milhões de dólares. Ninguém sabe como vai ser daqui pra frente. Nossa expectativa é que vai ter essa sazonalidade e nós vamos estar noutro patamar sanitário, o que eu acho um ganho. No passado, a gente não usava máscara, a gente ia trabalhar doente, vários trabalhadores da saúde iam trabalhar gripados, era normal naquela época. Nós não podemos ter esse desprezo pela infecção gripal. Quando a pandemia acabar, nós vamos ter um período endêmico, como é o da H1N1. Se vão ser um ou dois picos anuais, a gente não sabe ainda. Mas uma coisa é certa: vamos manter o uso da máscara num período de outono/inverno. Como a gente via na Ásia. Era muito comum ver os asiáticos usando máscara e a gente achava estranho aquilo, então vai ser um padrão que nós vamos ter que assumir. E, claro, sempre ter cuidados de higienização de mãos, ficar em locais abertos e sempre reforçando a atualização do nosso calendário vacinal.

Tem mais algo a acrescentar, doutor?

Cada pessoa tem que ter autocuidado, buscar informações corretas. A gente faz um apelo, que é: atualize o calendário vacinal. Não só da COVID, mas que os pais levem as crianças para vacinar contra a poliomielite, contra o sarampo, contra a meningite C. A gente está com várias ameaças agora. As doenças não existem mais – poliomielite, sarampo – por conta da vacina. Isso é bem paradoxal. ‘Ah, não tem mais sarampo, não tem mais poliomielite, não precisa de vacina’. Mentira, é diferente. Não tem mais porque todo mundo vacinou. Se a gente parar de vacinar, as questões vão voltar, como já estão voltando em alguns países.


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