Jornal Estado de Minas

'DESVIO DE RECURSO'

MPF denuncia cinco por apropriação ilegal de verba da COVID em Divinópolis

Cinco pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos crimes de peculato e associação criminosa por apropriação ilegal de recursos destinados à COVID-19 em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas. Os crimes foram cometidos durante a execução do contrato celebrado para gerir o hospital de campanha que funcionava junto da Unidade de Pronto Atendimento (UPA).





Conforme denúncia do MPF, registrada nesta segunda-feira (19/12), três dos cinco denunciados são responsáveis pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) que geria a UPA. Outros dois são sócios da AATR Locação de Veículos Especiais Ltda. 

A reportagem tentou contato com o IBDS e com a AATR Locação de Veículos Especiais Ltda, porém não conseguiu nenhum retorno.

As investigações foram iniciadas pela Polícia Federal em conjunto com a Controladoria Regional da União de Minas Gerais (CRUMG) em 2020 e resultou em dezembro daquele ano na operação Entre Amigos para cumprimento de mandatos de busca e apreensão. Na época, servidores da prefeitura foram afastados do cargo

Dentre as irregularidades apontadas durante as investigações estão: superfaturamento; direcionamento de contratações, inclusive com pessoas jurídicas de propriedade de diretores do IBDS; sobreposição ou falta de definição dos objetos contratuais; publicidade restrita; inexistência de critérios formais e técnicos para a seleção dos fornecedores; precariedade dos procedimentos de compra e contratação; falhas e fraudes nos termos de contratos celebrados e falhas nas prestações de contas ao município.





Contratos


O IBDS foi contratado em 2019 pela prefeitura a partir de processo licitatório para administração e gerenciamento na UPA. A Organização Social (OS) venceu com o valor global de R$ 91.043.671,20 para 60 meses, ou seja, R$ 1.517.394,52 ao mês. 

O resultado da licitação foi homologado em agosto de 2019 e o contrato assinado no mês seguinte. Seis meses depois, foi decretada a pandemia da COVID-19. Com falta de leitos, foi implantado o hospital de campanha acoplado a UPA para ampliar a assistência. 

Inicialmente foram criados 20 leitos de UTI e outros 20 de observação, e consequente suplementação de R$ 8.859.978,96 ao valor original e repasse mensal de R$ 1.476.663,16.

Ainda durante a vigência do primeiro Termo Aditivo foi celebrado o segundo, em maio de 2020, para a implantação de mais 10 leitos de UTI e outros 10 de observação para atender toda a microrregião de Divinópolis.





Desta vez, a suplementação ao valor contratual foi de R$ 3.127.770,50 e repasse mensal de R$ 625.554,10.


“Crimes”


Os denunciados aproveitaram os aditivos para se beneficiarem. Com o envio de novos recursos, eles se autocontrataram, segundo a denúncia, apesar de integrarem a diretoria do IBDS. 

Os empresários utilizaram firmas individuais para a contratação com salário mensal de R$ 15 mil para os cargos de superintendente administrativo e assistencial. Não houve comprovação das atividades prestadas. A apropriação ilegal do recurso, entre maio a novembro de 2020, chega a R$ 205 mil apenas neste caso.

De acordo com a denúncia, as autocontratações foram ilegais, porque, além do evidente conflito de interesses, o edital da concorrência pública proibia expressamente a realização, pelo IBDS, de qualquer tipo de avença com pessoa jurídica ou instituição da qual faziam parte seus dirigentes e associados.





O MPF tratou as contratações como “fachada” e alegou que elas eram completamente desnecessárias, porque as atividades eram dispensáveis e executáveis por gerentes e diretores.

“Aproveitaram-se, de forma vil, da situação de pandemia, que levou ao aumento considerável dos recursos destinados à execução do contrato de gestão do IBDS com o município de Divinópolis, para aumentar seus próprios ganhos pessoais, através da estruturação de uma verdadeira associação criminosa especializada em, paralelamente a prestação de serviços hospitalares, desviar recursos públicos”, diz a denúncia.


Ambulância superfaturada


As investigações também revelaram contrato superfaturado para locação de ambulância do tipo D – Unidade de Suporte Avançado. O edital foi publicado no dia 26 de março apenas no site do IBDS dando prazo de dois dias úteis.

De acordo com o MPF, quatro empresas apresentaram propostas, sagrando-se vencedora a AATR Locação de Veículos Especiais Ltda, sediada em Belo Horizonte. O contrato foi celebrado em abril de 2020 no valor de R$ 70 mil mensais e prazo de quatro meses.





A divulgação limitada do edital e o prazo exíguo para a apresentação das propostas comerciais configuraram limitação à participação de interessados e descumprimento dos princípios constitucionais da publicidade e da impessoalidade.

“Além de inconsistências nas propostas apresentadas por duas participantes da licitação e confusão patrimonial entre as empresas pertencentes ao grupo vencedor do certame, os auditores também detectaram superfaturamento no valor contratado pelo IBDS”, informou o MPF.

O prejuízo causado aos cofres públicos federais com a contratação foi de ao menos R$ 182.430,00.


Associação criminosa 


Para o MPF, o IBDS usou o papel de entidade filantrópica para  “executar uma atividade econômica altamente rentável, infringindo-se a contratação padrão de serviços públicos via processo seletivo competitivo, impedindo-se ainda a participação de diversos interessados e de modo mais econômico à administração pública”.





O MPF requisitou para a Polícia Federal que as investigações tenham desfecho em outros 15 inquéritos policiais apartados, no bojo dos quais deverão ser produzidas informações policiais que especifiquem o conteúdo das provas obtidas sobre cada um dos contratos em análise.

A denúncia será agora apreciada pela Justiça Federal em Divinópolis, que poderá recebê-la ou não. 

Se aceita e condenados, os acusados, além das penas de prisão (dois a doze anos para o peculato e um a três anos para a associação criminosa), podem ter de reparar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais.
 

Nova gestora

 
A prefeitura de Divinópolis rompeu o contrato com o IBDS em 2021 devido a irregularidades contábeis. Uma nova licitação foi realizada e o Instituto Brasileiro de Políticas Públicas (IBRAPP) assumiu a gestão. Em nota, ela afastou relação com a antiga administradora e disse que irá reforçar a fiscalização junto aos prestadores de serviço.




 
"A atual gestora da unidade reforçará ainda mais a fiscalização aos atuais prestadores de serviços a fim de coibir quaisquer práticas parecidas com as associadas ao IBDS. Reforçamos nosso compromisso com uma gestão técnica
e o distanciamento de serviços fictícios. Nos comprometemos no papel social da transparência e honestidade com a sociedade, compromisso com a verdade e sobretudo, com legalidade e universalidade, diretrizes norteadoras do Sistema
Único de Saúde", afirmou o IBRAPP.
 
*Amanda Quintiliano especial para o EM