Entre, fique à vontade, contemple. Depois chegue mais perto para admirar o trabalho esmerado de mineiros de todas as idades, que, nesta época do ano, abrem a porta para receber amigos e mostrar um tesouro da família: o presépio. “A sala é o lugar mais importante da casa, então arrumamos esse espaço, com carinho, para esperar a chegada do Menino Jesus”, conta a professora aposentada Lúcia Garcia, moradora do Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste de Belo Horizonte.
O costume de mostrar o presépio virou tradição em alguns bairros da capital, e mais ainda no interior de Minas, motivando circuitos de visitação. Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), há 35 pontos à disposição dos interessados, entre igrejas e residências, na sede do município e na zona rural. Como novidade, foi criado um passaporte e oferecido aos visitantes o transporte gratuito.
Mesmo mantendo a estrutura original, os responsáveis por recriar a gruta da sagrada família – Jesus, Maria e José – com os anjos, pastores, animais e demais figuras sempre surpreendem pela imaginação, respeitando, claro, as passagens bíblicas. Desta vez, dona Lúcia, casada com o médico José Estanislau de Moraes, compôs a “narrativa” com cenas anteriores ao nascimento de Jesus, e chega à atualidade destacando Minas e Belo Horizonte.
“Tudo hoje é bem diferente. Começamos com um presépio pequenininho, quase do tamanho de uma caixinha de fósforo”, recorda-se, ao lado do marido, a mãe de José Liberato, Lúcio Estanislau, Geraldo e Eugênio, que deram ao casal 11 netos e quatro bisnetos. Satisfeita, dona Lúcia olha o presépio e reflete: “É o tesouro da família. Na noite de Natal, nós nos reunimos, rezamos e só depois participamos da ceia”.
SALA DE VISITAS
Ministra da eucaristia na Igreja Santa Luzia, localizada ao lado de sua casa, no Bairro Cidade Nova, Lúcia Garcia sempre convida os amigos da paróquia e tem prazer em acolhê-los na sala de visitas, quase totalmente ocupada pela estrutura com iluminação, fontes, rios, árvores de papel, que ela fez desde fevereiro, prédios do tempo do Império Romano, reluzentes em cúpulas douradas e recriados em papelão por um amigo restaurador, e outras peças no espaço revigorado após a pandemia. “Fiquei dois anos sem fazer o presépio, agora voltamos com fé e vontade”, avisa a professora, inspirada por viagens a Israel “e também ao Egito, onde Jesus viveu até os dois anos e meio”.
Na parte nova do presépio, estão o templo de Jerusalém, aqueduto, o palácio do Herodes (rei da Judeia que mandou matar as crianças com até 2 anos), o estandarte do Império Romano, o altar de sacrifícios com a ovelha feita de massa de modelar, uma bandeja com 12 pães simbolizando as 12 tribos de Israel e a “Torá” (livro sagrado dos judeus). Contando parte da história da sagrada família, dona Lúcia aponta uma imagem pouco conhecida: São José Dormindo, enquanto o anjo anuncia a Maria que ela será mãe do filho de Deus.
Na sequência, o visitante vê a gruta onde nasceu o Menino Jesus, a fuga para o Egito, e um lugar que Lúcia visitou e gostou muito: o Vale dos Reis, no Egito, com o Rio Nilo serpenteando pela areia feita de serragem. Mais adiante, podem ser vistas as famosas pirâmides Quéops, Quéfren e Miquerinos. Molhando a ponta dos dedos na água que corre, ela explica: “Deus é a fonte; Jesus, o rio; e a água o Espírito Santo, que mata nossa sede de viver, enquanto Maria é a ponte, que nos une neste mundo”.
Depois de um café bem mineiro com pão de queijo, bolo e biscoitinho, dona Lúcia Garcia apresenta a parte mineira. Lá estão igrejas barrocas de Minas, casario colonial, a praça, e, num canto, a Igrejinha da Pampulha. “Ficamos felizes com a visita. Quem chega para ver o presépio é sempre bem-vindo. Muito obrigada!”, agradece na hora da despedida.
PEDIDO DE MÃE
Desde criança, Arlei Giovani de Souza, morador da comunidade de Pinhões, a 12 quilômetros do Centro de Santa Luzia (RMBH), via a mãe fazendo o presépio. E foi assim que aprendeu. Pouco antes de Lúcia Batista de Souza morrer, há sete anos, pediu ao filho que mantivesse a tradição e nunca deixasse de montar o presépio para esperar o nascimento de Jesus. E assim tem sido na casa de Arlei, solteiro, que mora com a irmã, e na noite de Natal reúne familiares e amigos.
Quando a equipe do Estado de Minas chegou à casa de Arlei, que faz parte do Circuito de Presépios de Santa Luzia, ele colocou as figuras na gruta modelada pelos panos cobertos de pedrinhas coloridas. Como novidade, está um areal representando o deserto, com um pé de assa-peixe, seco, atrás do qual Nossa Senhora teria se escondido na fuga para o Egito, e outro de alecrim, que se manteve verde e a protegeu dos soldados de Herodes. A singela história narrada pelo morador de Pinhões aguça a curiosidade de quem vê, e que, certamente, buscará mais explicações sobre o cenário.
Como não pode faltar, Arlei fez uma gruta para São Francisco, responsável pela montagem do primeiro presépio de que se tem notícia. E ajeitando a imagem do santo, concorda que tem diante dos olhos uma preciosidade familiar. “Mas teve uma vez que, durante a enchente do Rio das Velhas, a água subiu muito. Era dezembro, o presépio estava pronto, e perdemos algumas peças”, recorda-se.
Gerações e gerações se sucedem nos preparativos natalinos. “Minha mãe aprendeu a fazer com minha avó, e sempre falava que maio e dezembro eram seus meses preferidos. Maio, porque era devota de Nossa Senhora de Fátima, e dezembro, pelo Natal. Gosto desta época, e quero manter o costume”, conta Arlei, certo de que passará a tradição para os futuros filhos.
DOCES HISTÓRIAS
Ainda em Santa Luzia, desta vez na comunidade rural de Taquaraçu de Baixo, Maria Ilda Torres Lima mexe delicadamente a colher no tacho de doce de leite, delícia artesanal à venda na sua mercearia, ao lado de casa. Quase no final da tarefa, ela abaixa o fogo e mostra o presépio, montado na sala de casa.
A tradição de montar o cenário do nascimento de Jesus vem de longa data, passou dos pais aos filhos até chegar a Joselina de Araújo Lima, mãe de Maria Ilda. “Lembro-me de que tinha três anos e ficava olhando minha mãe montar a gruta, colocar as figuras. A gente morava em fazenda, em Taquaraçu de Minas (RMBH). Mas as imagens que temos hoje não são daqueles tempos, não, pois algumas eram de barro e se quebraram.”
As lembranças de Natais da infância, passados na fazenda, adoçam a prosa. “Nós, as crianças, deixávamos o sapato debaixo da cama esperando Papai Noel passar. Havia muita pobreza, os pais tinham terra, mas não tinham dinheiro. Mas a gente sempre achava ‘uma coisinha qualquer’ dentro do sapato, podia ser um sabonete, um joguinho de chá, Papai Noel nunca faltava”, conta Maria Ilda, que, junto com o marido, os dois filhos, Sheila e Éder, e o netinho Felipe, de sete meses, reúne a família, incluindo a sogra, dona Anunciação Soares Lima, de 101 anos.
CIRCUITO DE VISITAÇÃO
Em Santa Luzia (RMBH), está à disposição de moradores e visitantes, até 6 de janeiro, o Circuito de Presépios, com 35 pontos de visitação em quatro regiões do município. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, a novidade, desta vez, está no ônibus do turismo, gratuito, disponível para agendamentos sempre às segundas, quartas e sextas-feiras. O transporte sai de pontos fixos, para levar as pessoas às casas participantes.
A fim de promover o circuito, foram impressos 5 mil passaportes, dos quais constam todos os presépios. Assim, ao chegar às casas, o visitante terá o passaporte carimbado na respectiva página do ponto onde está. Cada presépio receberá um carimbo específico, com a numeração da sua localização em relação à rota. Ao final, aqueles que comprovarem a visitação a todos os presépios, por meio dos respectivos carimbos, ganharão uma ecobag personalizada com uma surpresa dentro. Para agendamentos e informações, ligar para: (31) 99187-6464.
EIS O SIGNIFICADO
A palavra presépio vem do latim e significa "estábulo", "curral",
"redil". Já em hebraico, manjedoura dos animais. O primeiro cenário do nascimento de Jesus teria sido montado em 1223, por São Francisco de Assis, que usou animais vivos, numa gruta. A prática logo foi difundida por toda a Europa, principalmente pelas famílias nobres, e, a partir do século 15, chegou a um maior número de lares.