Em época de carestia e de comemorações de fim de ano batendo na porta, o tradicional Almoço de Natal no Restaurante Popular é uma boa – talvez a única – alternativa para a população carente das grandes cidades. A refeição, gratuita, será oferecida hoje pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), das 11h às 14h, na unidade do Restaurante Popular I – Herbert de Souza (Avenida do Contorno, 11.484, Centro). A expectativa é de que sejam servidos cerca de 4,5 mil almoços.
Com a escalada dos preços em 2022, consequência de uma conjuntura de fatores, principalmente as dificuldades impostas pela pandemia da COVID 19, a população segue com o bolso apertado para comprar itens básicos, como arroz, café e carnes. A solução encontrada por muitos para driblar esse cenário é justamente almoçar, e até jantar, em restaurantes populares.
A possibilidade de grande movimentação, e até superlotação, desses espaços no dia a dia, e inclusive no Almoço de Natal, é uma das maiores evidências da brusca queda na renda da população e pode ser constatada em qualquer Restaurante Popular.
O cardápio de hoje inclui arroz, tutu de feijão, maionese de legumes, salada de alface com espinafre e manga, lombo assado ao molho de mostarda e abacaxi. Para quem não consome carne, a opção é ovo cozido. Para aquelas que optam pelo almoço à base de vegetais, será oferecida almôndega de grão-de-bico.
O Papai Noel participa da celebração e, com o apoio de voluntários, realiza a entrega de presentes, doados pela população de BH às crianças.
A subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da PBH, Darklane Rodrigues, conta sobre a importância de manter a tradição de realizar o Almoço de Natal. “Esse é um momento de alegria para a política de segurança alimentar e nutricional. Os Restaurantes Populares, presentes diariamente na vida de tantas pessoas, neste dia de Natal abre as portas para celebrar em conjunto com as famílias. É um dia festivo, com brinquedos, teatro, música e, é claro, com a oferta de refeições saudáveis e saborosas, garantindo o direito à alimentação para as pessoas que mais precisam.”
Além do tradicional almoço no Restaurante Popular I, as demais unidades também realizarão oferta de almoço gratuito exclusivamente à população em situação de rua, conforme ocorre nos fins de semana e feriados desde o início da pandemia.
O almoço de Natal dos Restaurantes Populares é realizado no município há 28 anos, com exceção de 2020, devido à pandemia de COVID-19. O evento é realizado pelos funcionários dos restaurantes, que preparam e servem as refeições, e conta com voluntários que apoiam a iniciativa da prefeitura.
Inflação dos alimentos
Na capital, quatro unidades reforçam a alimentação da população mais carente: em frente à Rodoviária, no Centro de BH, na Região Hospitalar e nas regionais Barreiro e Venda Nova. Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir uma comida nutricionalmente saudável por ultraprocessados e refeições que deixam as pessoas satisfeitas, como o fubá suado.
Com isso, o preço nos restaurantes Populares é visto como uma ajuda e tanto para enfrentar a crise econômica e ainda conseguir manter uma refeição nutritiva. “A gente une a fome com a vontade de comer”, brinca a gari Marisa José Leite, de 61 anos, que almoça todos os dias no Restaurante Popular Josué de Castro, no Bairro Santa Efigênia, Região Hospitalar de Belo Horizonte.
Ela afirma que, com o valor dos alimentos nas alturas, a saída mesmo é o popular, e não mede elogios à comida do local. “Está tudo arrebentando, não tem condições. Tem que ir no lugar mais barato. Venho aqui há anos. Cada dia que passa a comida fica melhor. Tudo gostoso, nutritivo. É muito especial”, disse.
Na unidade, são servidas, em média, mil refeições por dia. Ao ano, são mais de 2 milhões de refeições entre café da manhã, almoço e jantar. Mesmo com a alta nos preços dos alimentos, a prefeitura conseguiu manter os valores de antes da pandemia. Tomar um café da manhã em um Restaurante Popular custa R$ 0,75, enquanto o almoço tem preço de R$ 3 e o jantar, R$ 1,50.
As refeições servidas para as pessoas em situação de rua são 100% subsidiadas. Já os beneficiários do Programa Bolsa-Família pagam metade do preço. Os valores são os mesmos desde 2015.
Concentrado em áreas mais centrais, o serviço, porém, não chega às comunidades mais vulneráveis, dificultando o acesso de pessoas que, por exemplo, não têm condições nem mesmo de pagar um transporte público para chegar a esses locais.
Espaço bem democrático
O perfil das pessoas que utilizam o serviço varia bastante com a região da capital mineira, aponta a subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da PBH, Darklane Rodrigues. “Na Região Central, atendemos um número muito grande de trabalhadores do comércio popular, moradores do entorno, idosos que moram sozinhos ou já não produzem as refeições em casa. Temos unidades descentralizadas, de forma que a gente consiga atender todas as macrorregiões da capital”, conta.
A quantidade de refeições servidas nas unidades de BH cresceu cerca de 40% nos primeiros quatro meses de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, segundo a subsecretária, esse aumento está associado à flexibilização da pandemia, já que cresceu a circulação de pessoas pela cidade.
O capoteiro Claudiano de Paula Rodrigues, de 45 anos, diz que percebeu um aumento no número de pessoas sendo atendidas no Restaurante Popular Josué de Castro. Para ele, o movimento está maior do que em períodos anteriores à pandemia, apesar de a prefeitura não confirmar essa informação. “Almoço aqui todos os dias. Tá bem mais cheio nos últimos meses. Muito mais do que era antes da pandemia. Mas ainda assim é muito bom. Você sai satisfeito e gastando pouco”, conta.
O servente Matheus Eduardo da Silva, de 26, teve a mesma impressão que Claudiano, e avalia: “Acho que está todo mundo procurando com o aumento dos alimentos”. Ele até levou a esposa, Stephanie Karoline Fernandes, de 24, e a filha Yasmin, de 6, para almoçarem juntos. “Sempre como aqui. Com R$ 9, tenho três almoços. Ia gastar muito mais de R$ 40 se fosse em outro lugar”, conta. “É a primeira vez que a gente vem aqui. Sai bem mais em conta, porque o preço no restaurante normal está bem puxado”, complementa Stephanie.
Para o professor Hélio Amaral Ribeiro de Assis, de 48, a economia é no bolso e também na saúde. “Com R$ 3 eu não consigo comprar nada na rua que atenda à minha demanda nutricional da mesma forma. As refeições do Restaurante Popular são muito boas, balanceadas. Venho aqui muito pela qualidade da comida e o preço atrativo”, afirma.
A estudante Viviane Almeida, de 33, diz que se precisar comer fora prefere ir ao Restaurante Popular ou levar marmita. “Se eu não conseguir comer aqui, levo comida de casa. Está tudo muito caro”, conta. Ela também reclama da alta de preço nas prateleiras dos supermercados. “Ultimamente, você vai fazer compras e com R$ 100 não leva nada”, calcula.
Restaurante da Câmara
No meio desse cenário, o Restaurante Popular da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), no bairro Santa Efigênia, continua fechado há mais de dois anos. A reportagem do Estado de Minas foi até o local e conversou com um funcionário da Câmara. Segundo ele, o comentário geral no órgão é de que “o restaurante fechou de vez”.
Darklane Rodrigues aponta que o município tem desenvolvido diversas ações para minimizar o cenário de insegurança alimentar, que é um problema nacional. “BH foi a única cidade que estabeleceu estratégias continuadas durante a pandemia. Atendemos mais 2 mil famílias de forma ininterrupta”, disse. Segundo ela, os índices de vulnerabilidade do país seguem trajetória de crescimento desde 2016.