Jornal Estado de Minas

TRÊS ANOS

Entre luto e sequelas, vítimas da Backer aguardam conclusão de processos


Há três anos, diagnósticos relacionando pacientes que ingressaram em unidades de saúde com dores abdominais, vômitos, problemas renais e alterações neurológicas ao consumo da cerveja Belorizontina, fabricada pela Backer, deixaram a Grande BH em alerta. A contaminação por dietilenoglicol na produção da bebida culminou na morte de dez pessoas. Outras 19 ainda seguem em tratamento enquanto esperam o desfecho de processos judiciais do caso.



Entre o luto e o tratamento das sequelas, vítimas e familiares também aliaram os últimos três anos ao acompanhamento dos processos cível e criminal do caso, ambos inconclusos.

Vanderlei de Paula Oliveira foi uma das primeiras vítimas da contaminação na cerveja. Em fevereiro de 2019, quase um ano antes das primeiras investigações que relacionam a Belorizontina à intoxicação de consumidores, ele deu entrada em um hospital onde ficou internado por cinco meses, sendo três na Unidade de Terapia Intensiva. O caso foi analisado e faz parte da lista das vítimas incluídas nos processos contra a Backer.

Morador de BH, o especialista em segurança da informação conta que costumava beber a Belorizontina e relacionou os sintomas que o deixaram hospitalizado à cerveja após o caso ganhar repercussão. Ainda hoje, Vanderlei trata as sequelas da contaminação.





“Foi um tratamento que não tinha protocolo. Tentamos todos os tratamentos possíveis de fisioterapia e de fonoaudiologia. Tiveram evoluções, mas ainda tenho problemas de mobilidade e de expressão. Até o final do ano passado eu era dialítico, fazia hemodiálise quatro vezes por semana e no final do ano passado, o processo de transplante de um dos meus irmãos foi concluído e ele conseguiu me doar um rim”, conta Vanderlei, que ainda ressaltou o fato de ter passado pela pandemia com um processo de isolamento ainda mais rígido por conta da imunossupressão.

Vanderlei foi uma das quatro vítimas que participaram das oitivas do julgamento do caso, na primeira fase do processo, em maio do ano passado. Também foram ouvidas 23 testemunhas.

Desde então, o processo está parado na 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte e sem previsão de data para os passos seguintes. A defesa dos acusados formulou novos quesitos à perícia técnica, todos já respondidos pela Polícia Civil. A próxima fase do julgamento é a audiência com testemunhas de defesa e os acusados, grupo que inclui os três proprietários da cervejaria, três proprietários da empresa Três Lobos, que são Ana Paula Lebbos, Munir Lebbos e Salim Lebbos.





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À reportagem do Estado de Minas, Vanderlei Oliveira manifestou descontentamento com o andamento do processo criminal e disse que, na vara cível, o caso também não teve progressos recentes.

“Do processo criminal, ainda não tivemos nenhuma notícia. É algo que realmente nos estarrece. O cível ainda está em andamento, a única parte do processo que ainda está acontecendo é que foi negociado entre as partes que seria criada uma associação das vítimas. Essa associação foi criada, porém ainda não temos nenhum resultado prático disso. As vítimas recebem algumas ajudas da Backer, mas elas não cobrem todos os custos”, comentou.

A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público ainda em fevereiro de 2020 contra a cervejaria e seus sócios e demanda indenização das vítimas. Até o momento já foram juntadas aos autos a perícia de engenharia mecânica e a econômica-financeira, mas, de acordo com a assessoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), algumas questões foram levantadas pelas partes e ainda devem ser respondidas pelo perito.





A Backer afirma que um acordo judicial foi feito entre cervejaria, Ministério Público, vítimas e demais interessados, pelo qual foi instituído um fundo constituído de parcela do faturamento da empresa para indenizar as pessoas que sofreram consequências diretas.

Antônio Carlos de Oliveira foi uma dessas pessoas. O engenheiro mecânico de 59 anos se coloca à disposição de acordos e tenta não se preocupar com os processos, mas critica os valores oferecidos pela Backer.

“Eu não guardo datas do processo, está correndo no ritmo da Justiça brasileira. A Backer, desde o fim de 2020, tem feito os pagamentos. É muito aquém do que eu ganhava e do que eu preciso, mas eu sou da opinião que temos que fazer acordos”, disse.





O tom conciliador e otimista vem de quem ainda precisa viver diariamente ligado às sequelas da contaminação ocorrida no final de 2019. Antônio Carlos trabalhava há mais de 30 anos na mesma empresa e estava empolgado com novos projetos quando foi hospitalizado.

“Eu quero viver minha vida da melhor maneira que puder no tempo que ainda falta. Eu fiquei cego, sem os rins e sem andar, estou voltando a andar agora, mas com muita dificuldade. Não consigo dar um passo dentro da minha casa sem ter que me segurar em alguém. Minhas mãos não têm a sensibilidade que tinham antes e tenho que passar cinco noites por semana na hemodiálise”, relata.

O que diz a Backer


Em nota enviada ao Estado de Minas, a Backer diz que foram feitas melhorias importantes nos processos internos, todas elas submetidas a órgãos de fiscalização como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Belo Horizonte, a prefeitura da capital e o Corpo de Bombeiros. A cervejaria, sob o nome de Três Lobos, retomou suas atividades em abril do ano passado.



A empresa ainda afirmou que não é possível estimar o prazo para o pagamento das indenizações com a conclusão do processo cível, mas ressaltou que “o fundo criado para as indenizações será constituído de valores provenientes de parcela do faturamento da empresa e do valor correspondente a imóveis que integram um loteamento”.

“As variáveis de faturamento e valorização dos imóveis impactarão objetivamente no prazo para pagamento. Mas todos os esforços estarão concentrados em liquidar esses passivos o quanto antes”, conclui a companhia.